21.12.19

Reflexão sobre o Natal português: Odiai-vos, uns aos outros! Ou, a raiz do mal!


Duas greves recentes dividiram raivosamente o país.

Primeiro a greve cirúrgica dos enfermeiros. Protegida por um fundo de solidariedade, provocou o adiamento de milhares de cirurgias no Serviço Nacional de Saúde. Os líderes da greve e os seus críticos nunca questionaram, a partir do juízo ético, a sua legitimidade. E, no entanto, esse era o seu mal inaceitável.
 A ética dos cuidados de saúde não consente, em nenhuma circunstância, que os seus profissionais causem sofrimento aos pacientes. O sofrimento psicológico, físico e moral, de quem suporta o adiamento das cirurgias, mesmo as que não comportam risco de vida imediata, não pode ser negado e o risco de agravamento das patologias não pode ser determinado com inteira segurança, pelo que aqui devia imperar o princípio da precaução, um dos princípios fundamentais da Bioética. O adiamento de uma consulta médica ou de um tratamento de enfermagem, como resultado de greves anteriores, não representa um sofrimento moral e um fator de risco, comparáveis ao de uma cirurgia.
E, contudo, na raiz deste mal estão salários baixos e insuficientes, carreiras desqualificadas, que empurram os enfermeiros do Serviço Nacional de Saúde para o duplo emprego no setor privado, transformando a jornada de trabalho seguro de 35 horas exigida pela Organização Mundial de Saúde e legalmente restabelecida, numa miragem. Depois, para a emigração, com perdas incalculáveis para o país.
Assim sendo, e no plano ético-político, o Governo da nação é ainda mais responsável que os enfermeiros, pelo desencadear desta greve. A sua defesa, são as carências orçamentais e o limite de déficit imposto pela Troika: União Europeia, FMI e Banco Central Europeu.  Então e partindo dos valores da Ética, a Troika surge finalmente como a principal responsável da greve e da má política do governo.
A raiz do mal
O quê? Um vociferar mediático e partidário desaba sobre este ponto do meu discurso: Então e a dívida, as gorduras do estado, o viver acima das possibilidades, a banca rota, o dinheiro que os cidadãos europeus do Norte nos emprestaram?
Nunca deixámos de pagar os empréstimos, nós, a nação portuguesa; governo, empresas, bancos famílias… a juros usurários, especulativos, impostos não pelo funcionamento de um mercado livre que não existe, mas sim pelos decisores políticos da Troika: União Europeia, FMI e Banco Central Europeu! Antes e depois da crise financeira de 2008, que foi provocada pelos EUA e se estendeu à Europa nos anos seguintes (bolha imobiliária, “produtos derivados” sem valor, descapitalização e falência das seguradoras e dos bancos, com nacionalização dos seus prejuízos, especulação das agências de rating contra as dívidas soberanas…)
Neste ponto do meu discurso, o vociferar mediático, servido por toda a sorte de jornalistas e especialistas encartados, torna-se ensurdecedor, cega e ameaça.
Mas leiam-me um pouco mais e depois decidam em consciência. A minha mão, agarra agora não apenas a caneta, mas a raiz do mal e desenterra-a, à vossa vista, invocando a nossa memória coletiva e os dados económicos e financeiros escamoteados pela comunicação social e pelas redes sociais.
Quando o diktat da Troixa foi assinado, os seus representantes, os partidos do poder, o então Presidente da República, disseram-nos: acabou o tempo do dinheiro barato, vão ter de pagar não apenas os 78 mil milhões de euros do valor emprestado, mas ainda mais 35 milhões de juros e custos! Por muitos e longos anos. À Troika pagarão a mais 6 por cento. Aos bancos financiadores, este valor mais os seus lucros, aos especuladores do mercado, depende do prazo, “aguentem-se” com 10 ou 12 por cento no curto prazo e por aí adiante!
Em Portugal, no ano de ascensão do PSD/CDS ao governo, em 2011 a dívida das empresas e da banca elevava-se a 248% do PIB, duas vezes e meia superior à dívida pública, 98,2% do PIB, na altura em que Portugal foi obrigado a aceitar o diktat da troika, que não é apenas de natureza económica, mas sobretudo política.
“No final de 2011, o valor da dívida não consolidada do setor não financeiro ascendia a cerca de 715 mil milhões de euros, correspondendo a 418% do PIB (402% em 2010).)… As empresas registavam um nível de endividamento de 178% do PIB (177% em 2010) e os particulares/famílias, um nível de endividamento de 103% do PIB (104% em 2010).” (Fonte: Banco de Portugal. Nota de Informação Estatística | Lisboa, 20 de fevereiro de 2012.)
Se partirmos agora do Gráfico do Relatório Preliminar do Grupo Técnico “Conhecer a dívida, para sair da armadilha”_IAC, que indica como 120.000 milhões o valor do passivo dos bancos em 2011 e do valor do PIB nacional no final do ano em 171.000 milhões de euros (Fonte: Eurostat, online data codes), determinamos uma dívida bancária que ainda se elevava perigosamente à percentagem a 70,17% do PIB nacional, em 2011, depois de ter atingido o seu cume de 160.000 milhões de euros exatamente no período crítico da crise financeira gerada nos EUA em 2008.
A greve dos motoristas de matérias perigosas
Era a segunda greve com impacto nacional, promovida pelo SMMP, agora em conjunto com o Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias.
Que armas tinham a seu favor, estes motoristas?  Concedamos-lhes a palavra:
“Hoje o país conhece-nos, hoje o país sabe que o nosso ordenado base é em torno de 630 euros, e que trabalhamos cerca de 15 horas por dia, hoje o país sabe que não podemos ficar doentes, se tivermos o azar, vamos receber cerca de 300 euros e igualmente na nossa reforma. Porque o restante que recebemos, são pagos por debaixo da mesa, burlando o Estado, à Segurança Social e o trabalhador, hoje o país sabe de todas as ilegalidades do nosso setor.”
A greve foi decidida pelo Sindicato alegando que a associação patronal não estava afinal disposta a cumprir o acordo anterior, que pôs fim à primeira greve; a associação patronal justificava-se com o facto de a maioria dos empresários seus associados ter recusado o acordo, por não o poder cumprir e isto, mesmo depois do Sindicato ter feito novas cedências.
A greve foi então decretada por tempo indeterminado, na convicção de que a proximidade das eleições obrigaria o governo a intervir em favor dos motoristas. Mas esta dimensão projetada da greve ilimitada, abalou a simpatia popular face à causa porque lutavam os motoristas. As instâncias judiciais pronunciaram-se a favor das medidas repressivas do governo, que agiu de forma agressiva e ameaçadora, obrigando outros sindicatos, dos setor e fora dela, a protestarem contra o abuso de autoridade contra o direito á greve. A opinião pública e partidária dividiu-se.
A comunicação social alinhou com o governo e as entidades patronais, contra a greve.
À direita, o CDS aproveitou para propor novas leis mais restritivas do direito à greve.
O PSD (de Rui Rio e dos seus apoiantes), o BE e o PCP, apelaram à negociação e o PCP fez avançar os seus sindicalistas integrados na Fectrans para a mesa negocial.
Da história do movimento sindical se conclui, que uma greve por tempo indeterminado só tem sucesso numa situação de queda eminente do regime, o que implica que se insira em gigantescas movimentações das classes populares; de contrário, mesmo as mais justas e longas greves, apoiadas pela maioria da nação, como foi a dos mineiros ingleses contra a política neoliberal dos conversadores ingleses, acaba derrotada e esmagada.
A luta dos motoristas parecia condenada a sofrer a mesma má sorte. O governo decretou a requisição civil, acusando os dois sindicatos aliados na greve de incumprimento dos serviços mínimos. Um dos sindicatos vacilou.
As vozes públicas, em defesa dos motoristas, quase desapareceram, mas os testemunhos da suas famílias nunca se calaram. Recordemos de novo, um dos mais poderosos e inquestionáveis, que enfrentava a propaganda hostil, então dominante na comunicação social e nas redes sociais:
“…o meu marido… é motorista de matérias perigosas e como deve imaginar, novo CCT, ilegalidades no pagamento de subsídios, represálias, excesso de horas, ímanes no tacógrafo e por aí a fora, são conversas que jantam à mesa connosco (quando claro, o meu marido chega a casa no horário que permita jantar em família) e por isso, não posso ficar indiferente ao que referiu ontem em televisão ( está a responder ao porta voz da associação patronal).
… referiu que a ANTRAM propôs seguros de saúde e exames médicos quando questionado pelas míseras baixas médicas a que estes trabalhadores são sujeitos em caso de doença (consequência dos descontos para segurança social e IRS incidirem apenas numa pequena parte do seu vencimento, contra o  que o sindicato luta nesta greve)…os motoristas não querem descontar um base de 900€ pela sua saúde, pois o seguro apenas abrangeria incapacidades decorrentes de acidentes de trabalho ou de doença relacionada com o trabalho e até se comprovar que o motorista desenvolveu neoplasia pulmonar por inalação prolongada de gases voláteis de combustíveis...ui ui...
Ou seja, o pobre motorista a padecer de uma neoplasia vem para casa com uns míseros 400€ (se tanto!).
O mesmo se aplica ao motorista que foi despedido por justa causa por extinção de posto (diz a entidade patronal que em seguida contratou 7 motoristas) , após ter gozado o seu direito à greve, vem para casa com um subsídio de desemprego referente a 65% da referência base dos últimos 12 meses dos 14 meses anteriores ao despedimento, se fizer as contas verá quanto fica para governar a casa.
Ou então, o motorista que foi pai e que goza do seu direito à paternidade e no primeiro mês de vida do recém-nascido e no sexto mês, tem de sobreviver com 83% dos 630€.”
Regressemos á difícil situação da greve, no período da requisição civil e de recuo de um dos sindicatos que a convocou:
O sindicato dos motoristas de matérias perigosas deu então um passo à frente, orientando a sua reivindicação para a denúncia dos pagamentos ilegais e da fuga ao fisco.
E, a seguir, deu dois passos atrás, explorando com inteligência as negociações entre os outros sindicatos do setor e as entidades patronais, que nunca teriam existido, senão fora a sua luta autónoma.
Dar dois passos atrás, para não ser esmagado e para continuar a negociar, não é falta de coragem ou de firmeza.
Em vez de ficar isolado, ganhou nova força na mesa negocial.
Os resultados, das greves e das negociações, assim o comprovam.
O que mudou...
Em maio de 2018, a ameaça de paralisação do país não vinha dos sindicatos, mas partia de um grupo que surgiu no Facebook e na imprensa com o título ameaçador de Paralisação de Portugal, afirmando representar a união de camionistas e empresários e que se queixa de que “pagamos impostos altíssimos, combustíveis altíssimos. Por isso, o setor dos transportes vai exigir que seja respeitado." Anunciando para 28 de maio uma paralisação com "hora e data marcada para começar, mas cujo fim depende das negociações que possam existir"!
A Associação Nacional de Transportadoras Portuguesas (ANTP)  assumiu então o papel de protagonista político,  ao ser convocada pelo governo (que temia a repetição do boicote ás refinarias de 2011) para negociar as reivindicações do setor,  que apresenta como sendo “ As reivindicações dos camionistas e entidades patronais representados pela ANTP passam pela regulamentação do setor, a indexação do preço dos transportes ao dos combustíveis, melhores condições de trabalho para os motoristas e descontos nas portagens. Além de uma secretaria de Estado dedicada em exclusivo aos transportes.”(consultar o DN, de 28.03.2018 _ https://www.dn.pt/portugal/camionistas-param-porque-o-pais-tem-de-abrir-os-olhos-9384094.html
Na altura, o mesmo jornal DN, resume as posições dos outros parceiros
“Fectrans contra e Antram espera
Quem não concorda com esta iniciativa é a Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações. Num comunicado colocado no seu site, pode ler-se que a paralisação "não é uma greve porque não é convocada por nenhuma organização sindical, as entidades que, nos termos da lei portuguesa, têm legitimidade para as convocar. Trata-se de um lock-out proibido pela Constituição da República Portuguesa". Concordando que o preço dos combustíveis é razão para o protesto, lembra que a "ANTP também pode dar um dar um contributo positivo se [...] retomar as negociações de um contrato coletivo de trabalho".
E conclui o jornal: “… o presidente da Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (Antram), que representa 90% do setor, disse ao DN que não participam hoje no protesto, pois vão "tentar perceber as reivindicações".
Na sequência deste processo, em junho de 2018, a Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM) e o Governo assinaram um acordo com medidas imediatas de subida do limiar do gasóleo profissional dos 30 mil para os 35 mil litros e de fiscalização ao sector. o Governo compromete-se ainda, ao abrigo do acordo assinado, a avaliar o regime fiscal em sede de IVA (nomeadamente a aplicação do IVA devido pelo adquirente), a atividade seguradora no sector e a implementação de medidas de regulamentação nacional e ao nível europeu.
Em 2019, após duas greves, é assinado um acordo de pacificação do setor, que conduz a um novo Contrato Coletivo de Trabalho. Assinam o contrato a Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações (Fectrans), o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP), o Sindicato Independente de Motoristas de Mercadorias (SIMM) e a Associação Nacional das Transportadoras Portuguesas (ANTP).
O que conquistaram os motoristas?
Uma vez mais, restituamos a palavra aos seus representantes:
“- Salário para 700€
- Cláusula 61.ª no valor de 48% do salário+complemento+diuturnidades,
- Subsídio noturno efetivamente pago no valor de 10% do salário base (ao contrário do que era antes, que era descontado da cláusula 61.ª)
- Diuturnidades aumentadas
- Complemento salarial no valor de 14€
- Para os motoristas de matérias perigosas, subsídio de risco
- Um novo subsídio de operações mensal.
Tudo no valor tributado de cerca de 1.500€, pago 13x por ano.
Aumento da globalidade da remuneração, indexado à mesma percentagem de crescimento do salário mínimo nacional (pode chegar a um aumento de 100€ ano).
Além disto...
- Todo o trabalho (incluindo o suplementar) será pago e tributado.
- Proibição de trabalhar com matérias perigosas aos domingos e feriados.
- Declaração da ACT e Segurança Social, que as pausas técnicas e os tempos de espera são efetivamente horário de trabalho.
- As cargas e descargas (quando tiverem que fazer) estarão protegidas por um seguro especial que cubra as caldeiradas ou outros erros.
- Aumento dos prémios de seguro.
- Exames médicos anuais...
E o mais importante, o respeito dos portugueses pela vossa profissão...”
Logo a seguir, foi assinado pelas associações de empregadores, estruturas sindicais e associações representativas do sector de transportes de mercadorias, um novo acordo que visa agilizar e reduzir os tempos de espera nas operações de carga e descarga, uma das reivindicações na base das greves dos motoristas.
O acordo determina que os destinatários das mercadorias tenham de pagar indemnizações, sempre que um motorista tenha de esperar mais de duas horas para realizar as cargas e descargas e os valores podem variar entre 12 euros e os 40 euros por hora, dependendo da capacidade do veículo e da duração da viagem.
O ministro das infraestruturas referiu-se expressamente às “… empresas com grande poder económico”, que aproveitam o seu poder para tirar vantagem sobre os fornecedores, salientando que “o caso mais grave é o da grande distribuição”. “Se há falta de pessoal, têm de fazer uma coisa simples, que é contratar”, afirmou o ministro.
Voltamos ao título deste artigo e à escolha destes dois casos de luta dos trabalhadores portugueses.
Odiai-vos, uns aos outros
Recordemos a estratégia seguida por anteriores governos, face aos direitos democráticos dos cidadãos das forças armadas (militarizadas e policiais), semelhante aos que já tinham sido usados, à época, para quebrar a espinha às denominadas e vilipendiadas “corporações profissionais”: depois de professores, juízes, médicos, enfermeiros, funcionários públicos em geral.
Na altura, o governo  deu início a uma campanha de violência psicológica na comunicação social: começaram os debates sobre a utilidade das forças armadas sem estado de guerra, as comparações “objetivas” entre o número de militares e oficiais e os padrões europeus _como se não tivesse havido uma guerra colonial de 13 anos em três frentes de combate; a ´”denúncia dos privilégios” atribuídos aos seus sistemas de saúde e reforma; os cortes cirúrgicos e brutais das pensões de viuvez; os cortes cegos, que atingiram todos os trabalhadores e agentes públicos; o aproveitamento dos casos de suspeição e má gestão do interesse do estado, como no caso da compra dos submarinos, para os associar a supostos orçamentos de defesa acima das possibilidades…e, sem consulta aos militares e sem que a opinião pública se apercebesse, a elaboração de uma nova Lei de Defesa Nacional, que passou por cima do relatório elaborado pela própria comissão de peritos que o governo nomeou para o efeito, em oposição às suas conclusões e orientação geral, que conexionava a defesa e a segurança nacionais com a plena restauração da soberania e com o progresso social do país.
Evoquemos um dos porta-vozes da AOFA_Associação dos Oficiais das Forças Armadas, «em todos os estados civilizados» há direitos especiais para os militares. Pede-se aos militares para defenderem a pátria, e se for preciso perderem a vida. Isto não se pede aos funcionários públicos». É uma forma clara de explicar a diferença ao cidadão comum, aplicável também às forças policiais, que durante anos a fio viram os responsáveis políticos e a comunicação social esconder as condições degradantes em que cumpriam a sua missão, e ignorar as suas reivindicações_ dos baixos salários aos esgotantes e desumanos horários de serviço.
Ao que associo, e falo como paisano, o imperativo ético de redefinir a missão do dispositivo de defesa (e a sua eventual redução), com base num grande debate nacional que não exclua os militares e garanta a dignidade da sua condição e os direitos de cidadania das suas famílias, porque a democracia tem uma dívida de sacrifício, de sangue e de luto, para com as gerações de militares que tiveram de fazer a guerra colonial.
Atualmente, podíamos ter escolhido  os estivadores e a campanha que predominou nas redes sociais e na comunicação social, atribuindo-lhe salários milionários e escondendo a sua extrema precaridade, com contratos sucessivos de um dia (!), como se regressássemos “às praças de jorna” dos assalariados rurais alentejanos ou ás “rogas” do Douro, camponeses  que erem contratados para as grandes quintas sem sequer saberem o salário que iam receber, já em pleno regime democrático!
Ou os professores, de quem se dizia que subiam de escalão por antiguidade sem terem de fazer nada, quando sempre tiveram de fazer formação contínua avaliada, e que somavam várias meses de férias e trabalhavam 24 horas por mês e …como se não houvesse aulas a preparar e aulas a avaliar, reuniões sobre reuniões e papel mais papel a preencher para controle inútil dos inspetores (o Ministério não tem qualquer instrumento para avaliar as necessidades das escolas e incorporar na sua política a prática pedagógica dos docentes)! Hoje, um professor começa a sua carreira com um salário mensal bruto de cerca de 1600 €, o que representa líquidos cerca de 1100 €, um professor reformado no topo da carreira (entre o 9 e 0 10º escalão), ao fim de 40 anos recebe líquido, na reforma entre 1.700 e 1900 €! Mas a opinião pública aceitou com normalidade que o (s)   governo (s)   congelasse a contagem do tempo de serviço dos professores tal como dos militares, agentes policiais e funcionários judiciais, como exemplo das chamadas carreiras especiais da Administração Pública. entre 2011 e 2017, retirando-lhes nove anos, quatro meses e dois dias, e reconhecendo-lhe agora aos docentes apenas dois anos, nove meses e 18 dias! O que equivale a sonegar anos e rendimentos de reforma!
Ou poderíamos estar a falar dos médicos do Serviço Nacional de Saúde que atingem o topo da carreira hospitalar, como exemplo, os que ocupam o cargo de Diretor de Serviço num grande hospital regional:  mesmo com o estatuto de professores da Faculdade de Medicina, levam para casa, líquidos, no fim da carreira, entre 2.500 e 2.600 euros!? Sim, não me estou a enganar e acrescento que a dedicação exclusiva ao Serviço Nacional de Saúde foi aberta por um ministro do PSD e proibida por um ministro do PS, desde 1999, o que fez que hoje apenas 1/3 destes profissionais estejam em exclusividade no SNS, empurrando os restantes para os grupos hospitalares privados, que assim distorcem  e controlam o mercado da saúde, pois os custos maiores do seu “negócio” são os da formação de profissionais qualificados, que recrutam no público sem gastar um euro na sua formação!
Ou finalmente, dos magistrados e dos juízes em particular, que perderam cerca de 40% dos seus vencimentos durante o período da Troika, esses sim, obrigados à dedicação exclusiva vitalícia e com um horário de trabalho real que chega a 12 a 14 horas diárias: Magistrados que não são quem faz as leis (lembrem-se que até 1999 as penas por corrupção não iam além de 3 anos, pelo que a sua prescrição era manobra fácil para os grandes escritórios de advogados, os mesmos   que redigiram esses diplomas, por conta dos partidos do chamado arco do poder). E que não têm nem meses, nem semanas de férias, esmagados por centenas de processos per capita, com fins de semana e férias coincidindo com o serviço de turno, nem direito a redução de trabalho por doença ou incapacidade, nem tempo para a família ou para o convívio social, nem podem faltar para ir a uma consulta sem autorização superior, e trabalham sem apoio técnico para enfrentar os crimes de colarinho branco e as suas artimanhas cibernéticas e fiscais.
Deles se diz que ganham mais que o primeiro-ministro (E como será a comparação entre o primeiro-ministro e os CEO das maiores empresas, clubes e bancos?)
Na revista Sábado (em 17.07.2018), respondia-se assim à pergunta: Quanto ganha um juiz?
“Um juiz em início de carreira recebe o vencimento líquido mensal de 1.491,70 €.
Em condições normais, esse juiz, pertencente à jurisdição comum, com 5 anos de funções e com classificação de serviço de "Bom", conseguirá uma colocação num Tribunal de competência especializada e passará a receber mensalmente a quantia de 2.365,04€.
Também em condições normais o mesmo juiz, com 10 anos de antiguidade, e tendo já obtido a classificação de serviço de "Bom Com Distinção" pode ascender a um lugar de Juízo Central, passando então a receber o vencimento líquido de 2.861,00 €, consistindo este valor o topo remuneratório da 1ª instância.
Esclarece-se que este topo é atingido, na jurisdição administrativa e fiscal, não aos 10 anos, mas sim aos 5 anos de serviço, com a classificação de serviço de "Bom com distinção".
O passo seguinte, em termos de progressão salarial e na carreira é a promoção a Juiz Desembargador, o qual exerce funções nos Tribunais da Relação, a que ascende, por regra (atualmente) com cerca de 20 a 23 anos de serviço, e que recebe o valor mensal líquido de 2.888,27 €.
Finalmente, corresponde ao topo da carreira dos Magistrados Judiciais o cargo de Juiz Conselheiro, que exerce funções no Supremo Tribunal de Justiça e ao qual, atualmente, a maioria dos Juízes não consegue ascender. Este cargo é remunerado com o vencimento mensal de 2.972,40 €.
…/…
Ao valor do vencimento do juiz acresce o valor de 775,00 €, correspondente ao subsídio de compensação, igual para todos os juízes, independentemente da antiguidade e da colocação e o único que recebem.”
Dito de outro modo, o Público (03,04.2019), já em 2019 caracterizava assim a situação dos juízes, partindo agora dos valores brutos dos vencimentos aumentados:
Os únicos juízes que poderão algum dia beneficiar do cimo da tabela são os que estão no topo da carreira, que passarão a receber 6630 euros brutos, contra os 6130 que auferem atualmente.
Mas retiremos já e no mínimo, 40% a este valores, em impostos e outros descontos.
Os juízes dos cinco tribunais da Relação e dos dois tribunais centrais administrativos virão subir o salário bruto em 340 euros, passando de 5780 para 6120 euros.
Neste momento, os juízes estagiários recebem 2530 euros brutos.
Um valor que, nos juízes de primeira instância, pode chegar a 5600 euros.
Mas os valores líquidos são substancialmente inferiores, já que alguns magistrados chegam a reter na fonte 37% do salário, além dos descontos para o sistema de pensões.
Enfim, o juiz estagiário, receberá então de vencimento líquido, à volta de 1500 €, em dedicação exclusiva e vitalícia (a tabela apresentada por um conhecido político, comparou este valor ao de um professor em fim de carreira, mas esqueceu-se destes 40% de descontos e, obviamente, da dedicação exclusiva, que é remunerada com o referido subsídio de compensação, tal como  enunciou os vencimentos dos docentes em fim de carreira igualmente sem ter em conta os elevados descontos)
A imprensa em geral colocou no topo da notícia o vencimento dos juízes dos escalões superiores, deixando para o final do texto a informação de que a maioria esmagadora dos juízes só não ficou na mesma, graças ao aumento do subsídio de compensação, a partir do qual passou a auferir mais 100 €!
E volto a citar, desta vez a Agência Lusa e o rádio online da revista Observador (30.05.2019):
“O vencimento bruto do juiz estagiário mantém-se, contudo nos 2.549,91 euros.
Os aumentos da remuneração total para os restantes juízes de direito de primeira instância, quer tenham três, sete,11, 15 ou 18 anos de serviço, ficam-se também pelos 100 euros, igualmente por via do aumento naquele valor do subsídio de compensação, o mesmo acontecendo com os juízes de círculo...”
Também no caso dos magistrados me socorro de depoimentos diretos para que o leitor forme o seu próprio pensamento crítico, a partir deste imenso mar cibernético onde se despejam deliberadamente  números e  factos que não são,” nem fiáveis, nem pertinentes”, porque, citando António Aleixo, “Para a mentira ser segura e atingir profundidade, tem de trazer á mistura, qualquer coisa de verdade!”
Existem centrais de notícias que são as principais produtoras de notícias falsas. E usam o cidadão comum, que não as questiona segundo os critérios de fiabilidade e de pertinência, como correia de transmissão. Vejamos os testemunhos dos jovens auditores e jovens juízes DN, 10.03.2006):
“Posso dizer que a partir da minha entrada no Centro de Estudos Judiciários só confraternizei na altura do Natal e da passagem de ano. A nossa família é postergada e as saídas à noite acabaram". Joana não se chama Joana. Pede que ocultemos o seu nome verdadeiro e o seu rosto. Está a fazer a caminhada até à magistratura e prefere, nesta fase, o anonimato.
Tem 28 anos, um filho de três, e o tempo contado ao milímetro. Conseguiu passar nas concorridas provas de aptidão para ingresso no Centro de Estudos Judiciários (CEJ), a escola que forma magistrados judiciais e do Ministério Público, foi nomeada auditora de justiça e está agora num tribunal do Ribatejo a receber formação prática. Para trás ficaram seis meses de formação teórica no CEJ e pela frente tem mais 75 dias de aulas. Só depois, se for aprovada, é que passará à fase de estágio, já como juíza de direito. Para Joana, a caminhada vai ainda a meio. Para outros, a corrida está quase a começar.
Mais de dois mil licenciados em direito concorreram para o curso que se inicia em Setembro. A lista (ainda provisória) foi recentemente divulgada em Diário da República e feita uma observação minuciosa fica-se a saber que, dos 2082 candidatos, 1527 são mulheres, uma tendência que se verifica há já alguns anos.
Só 100 terão entrada no CEJ, porque foi este o número de vagas libertado pelo Governo este ano. Passam os que melhores notas tiverem nas provas de aptidão. Não é fácil.”
Pergunto-me e pergunto-vos
Chegados aqui, recordo os 9.000 milhões de juros em euros que o estado democrático pagava anualmente aos seus credores no tempo da Troika(continua a pagar juros leoninos, num período em que o capital é remunerado com taxas de juro negativas) ), lembro que a dívida das empresas é o dobro da dívida soberana do estado e interrogo-me sobre quanto pagam anualmente os empresários e mesmo o que resta dos bancos portugueses aos maiores bancos e outros fundos financeiros, dominados pelo capital internacional?
 E questiono-me se esses juros são conformes o estado do mercado, justos e amigáveis, e se, afinal, todos nós, portugueses, sobretudo as nossas famílias_ que recorrem ao crédito para satisfazer a necessidade de bens essenciais e civilizacionais, vivemos todos acima das nossas possibilidades, beneficiamos todos da corrupção e somos devedores de bons salários?
Ou se, na raiz de tudo e da própria corrupção e má gestão da coisa pública e privada, estão um punhado de grandes bancos multinacionais, empresas e fundos abutre, que em Portugal têm os seus parceiros menores, que nos levaram, primeiro, a riqueza nacional, depois as joias empresariais e finalmente, os filhos e as filhas, trabalhadores qualificados e com formação superior, que vão ajudar a construir a prosperidade dos impérios da Europa e do  mundo.
Neste final de ciclo político, antes da nova crise financeira que se gera na União Europeia, e na enganadora sensação de paz que o Natal traz sempre consigo, num mundo tão ameaçador e tão sangrento, pergunto-me e pergunto-vos, se estas duas grandes lutas sindicais, nos ajudaram a reconhecer a raiz do mal!?
Outubro de 2019. Reescrito nas vésperas do Natal de 2019


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