5.2.24

Eleições em Taiwan: os resultados globais e a sua omissão e manipulação


Uma maioria de votos e de deputados contra o separatismo

O candidato separatista ganhou as eleições presidenciais com 40% dos votos, mas os dois candidatos derrotados, que são favoráveis à aproximação com a República Popular da China, receberam 60% dos votos.

A perda continuada do apoio popular ao partido do novo presidente foi confirmada pela votação que decorreu em paralelo para a Assembleia Legislativa: o partido perdeu 10 deputados e a maioria parlamentar. O Partido Kuomintang ganhou mais 14 deputados e o Partido Popular, muito crítico da política neoliberal do governo_ crise de habitação e desemprego, e que representa o outro candidato, ganhou mais 3 assentos.

O presidente eleito pelo Partido Democrático Progressista_ PDD, recebeu apenas 5,5 milhões de votos, num universo eleitoral de mais de 19 milhões, com a abstenção a rondar os 40%. Os dois candidatos favoráveis a maior aproximação da China, obtiveram 8,3 milhões de votos.

Estes resultados estão em linha com as últimas eleições para os governos locais, que incluem seis municípios especiais, 13 condados (distritos) e três municípios autónomos. Nelas, o partido do presidente, que governava  12  desses municípios e distritos, ficou reduzido  a apenas 5 e o Kuomintang conquistou 13 dos seus governos, onde reside mais de 70% da população.

Governar pelo diálogo,  um imperativo eleitoral e constitucional

A Constituição de Taiwan é presidencialista, o presidente nomeia o governo sem passar pela aprovação da Assembleia Legislativa. Mas não poderá governar contra a sua maioria de deputados, que pertencem à oposição e onde se expressa a vontade política maioritária dos chineses de Taiwan. . A nomeação presidencial dos membros do denominado Yuan (Conselho) de Controle e do Yuan de Exame, bem como dos juízes do Yuan Judicial, tem de ser confirmada pela Assembleia Legislativa. Esses Conselhos ou Yuans fiscalizam e controlam a atividade legislativa do governo, o orçamento, o funcionamento dos seus ministérios e agências, o sistema judicial. Os deputados legisladores elegem autonomamente o presidente da sua Assembleia.

As declarações do novo presidente, selecionadas pelas agências de informação internacionais, não têm em conta a realidade global dos resultados eleitorais. Os chineses de Taiwan não votaram maioritariamente contra a República Popular da China, nem a favor da militarização e do separatismo.

O voto maioritário  dos eleitores de Taiwan nos partidos da oposição  e a abstenção penalizam a política do governo. Apesar do relativo crescimento económico e do elevado nível de educação e formação dos quadros e trabalhadores, não existe uma política de justiça  social  e distribuição da riqueza: o custo da habitação está a tornar-se inacessível, o desemprego cresce e a precaridade também; a gestão da pandemia revelou graves insuficiências no sistema de saúde; os serviços públicos, como os transportes, não correspondem às necessidades da população e os escândalos políticos pioraram a imagem do governo…O resultado das eleições locais (2022), já tinha revelado que o clamor de protesto popular estava a crescer.

Neste contexto político e social, a deriva militarista e separatista, que incluiu no orçamento de 2023 um valor astronómico de 19.000 milhões de dólares, para a compra de armamento e a multiplicação de incidentes diplomáticos com a República Popular da China, como a visita de políticos americanos que se deslocaram à ilha para fazer discursos hostis e ganhar popularidade entre o eleitorado conservador dos EUA, resultou, afinal, na diminuição progressiva  do apoio popular ao PDR.

Os chineses de Taiwan defendem a cooperação e o diálogo com a RPCh

Evoquemos a história recente: A administração Biden e o Senado dos EUA aprovaram a Lei da Política para Taiwan de 2022, que autoriza a transferências de armas, através do programa Foreign Military Sales (FMS), no valor de  US$ 6,5 milhares de milhões até o ano fiscal de 2027. Na agenda de escalada das vendas estão sistemas de armas de longo alcance,  capazes de atacar o continente chinês, como os Sistemas de Mísseis Táticos do Exército e a Resposta Expandida de Mísseis de Ataque Terrestre Standoff, incluídos no FMS durante a administração Trump, ao preço de US$ 18.000 milhões.

Neste quadro internacional, e apesar da intensificação da retórica militarista do governo dos EUA, o último inquérito de opinião publicado pelo próprio governo de Taiwan, "Opiniões públicas sobre as atuais relações através do Estreito" (2022/10/19~2022/10/23), sobre o tema “Independência ou status quo”, teve apenas 14% de respostas a  favor da independência. Noutro inquérito governamental, realizado nesse mesmo ano, apenas 44% dos inqueridos  afirmou acreditar que os EUA defenderiam Taiwan, um claro declínio em relação aos  65%  referenciados em outubro de 2021.

Os chineses de Taiwan viveram, desde 1895, 50 anos sob ocupação japonesa. O governo da Frente Única Patriótica que derrotou e fez capitular o Japão,  devolveu à mãe-pátria a soberania sobre esta região. Mas, com a passagem da fação militarista do Kuomintang para a fase da guerra civil, visando a conquista total do poder na Nova China e a sua derrota e refúgio na ilha, as classes populares foram sujeitas a uma implacável ditadura militar e dinástica, protegida pela presença da esquadra americana em Taipé, que durou deste 1947 até ao ano de 1996, data das primeiras eleições presidenciais.

Para a democratização de Taiwan contribuiu decisivamente o restabelecimento das relações diplomáticas entre os EUA e a China, tendo como base o princípio “One China”, consagrado pelas Nações Unidas e a comunidade internacional. O princípio de Uma Única China é o núcleo essencial dos três comunicados conjuntos China-EUA e a premissa e fundamento para o estabelecimento e desenvolvimento das relações diplomáticas entre a China e os EUA. Em 1979, os Estados Unidos assumiram um claro compromisso no Comunicado Conjunto sobre o Estabelecimento das Relações Diplomáticas China-EUA de que, “os Estados Unidos da América reconhecem que o Governo da República Popular da China é o único governo legítimo da China. Neste contexto, o povo dos EUA manterá as relações culturais, comerciais e outras relações não oficiais com o povo de Taiwan”.

A Associação de Nações do Sudeste Asiático há muito que abandonou a política da guerra fria, sob o impulso da China e os seus tratados, asseguram a liberdade e segurança de navegação e sobrevoo, a resolução pacífica dos conflitos, a cooperação científica, ambiental e económica, recentemente ampliada com o Comprehensive Economic Partnership (RCEP).

Não há outro caminho, para o futuro comum e pacífico da China e da humanidade.

 

Lisboa, 14.01.2024

 

António dos Santos Queirós. Professor e Investigador. Universidade de Lisboa