22.5.05

Iberismo Espiritual e Iberismo Político

Notas breves sobre o Iberismo espiritual e iberismo político_As Gerações de 70 e de 98

Unamuno pugnou por um Iberismo espiritual e pelo mútuo conhecimento das culturas dos dois países, partilhado também com Vitorino Nemésio, não apenas na Península mas igualmente no espaço Ibero-Americano.[1]

"Es una obra de amor y cultura hacer que Portugal y España se conozcan mutuamente. Porque el conocerce es amarse."[2]


Prosseguia assim o caminho reaberto pelos escritores da Geração de 70, que fizeram reviver a herança cultural comum, interrompida pela política centralizadora dos reis católicos de Espanha e pelo fracasso dos esforços de D. Manuel de Portugal para unir pelos casamentos dinásticos e sob a sua coroa as nações da Península, que Antero proclamou no seu célebre discurso das Conferências do Casino.

No contributo ibérico para o advento da Renascença:

"O grande movimento intelectual da Europa medieval compreende a filosofia escolástica e a teologia, as criações nacionais dos ciclos épicos, e a arquitectura. Em nada disto se mostrou a Península inferior s grandes nações cultas, que haviam recebido a herança da civilização romana. Demos à Escola filósofos como Raimundo Lúlio; à Igreja, teólogos e papas, um destes português, João XXI. As escolas de Coimbra e Salamanca tinham uma celebridade europeia…Entre os primeiros homens do século XIII está um monarca espanhol, Afonso X, o Sábio, espírito universal, filósofo, político e legislador. Nem posso também deixar esquecidos os mouros e judeus, porque foram uma das glórias da Península. A reforma da escolástica, nos séculos XIII e XIV, pela renovação do aristotelismo, foi obra quase exclusiva das escolas árabes e judaicas de Espanha. Os nomes de Averróis (de Córdoba), de Ibn-Tophail (de Sevilha) e os dos judeus Maimónides e Avicebron serão sempre contados entre os primeiros na história da filosofia na Idade Média. Ao pé da Filosofia, a poesia…aquele admirável Romancero, as lendas de Cid, dos infantes de Lara, e tantas outras, que se teriam condensado em verdadeiras epopeias, se o espírito clássico da Renascença não tivesse vindo dar à Poesia outra direcção…Quanto à arquitectura basta lembrara batalha e a catedral de Burgos…Em tudo isto acompanhámos a Europa, a par do movimento geral…"

E para abrir o caminho ao racionalismo e à Idade Moderna:

"Numa coisa, porém, a excedemos tornando-nos iniciadores: os estudos geográficos e as grandes navegações…Tudo isto nos preparara para desempenharmos, chegada a Renascença, um papel glorioso e preponderante…os nossos erros, porém, não consentiram que fosse também duradouro e profícuo…Houve, porém, uma primeira geração, que respondeu ao chamamento da Renascença; e enquanto essa geração ocupou a cena, isto é, até meados do século XVI, a Península conservou-se à altura daquela época extraordinária de criação e liberdade de pensamento…Entre as quarenta e três universidades estabelecidas na Europa durante o século XVI, catorze foram fundadas pelos reis de Espanha. A filosofia neoplatónica, que substituiu por toda a parte a velha e gasta escolástica, foi adoptada pelos espíritos mais eminentes. Um estilo e uma literatura nova surgiu com Camões, com Cervantes, com Gil Vicente, com Sá de Miranda, com Lope da Veja, com Ferreira. Demos ás escolas da Europa sábios como Miguel Servet, percursor de Harvey, filósofos como Sepúlveda, um dos primeiros peripatéticos do tempo, e o português Sanches, mestre de Montaigne. A família dos humanistas, verdadeiramente característica da Renascença, foi representada entre nós por André de Resende, por Diogo de Teive, pelo bispo de Tarragona, António Augustin, por Damião de Góis e por Camões…Finalmente, a arte peninsular ergue nessa época um voo poderoso, a arquitectura chamada manuelina…e com a brilhante escola de pintura espanhola, imortalizada por artistas como Murillo, Velásquez, Ribera…"[3]

E D. Miguel retomava no campo da cultura e do misticismo espiritual, na carta a Pascoaes (o mais iberista do grupo da Renascença Portuguesa), a propósito da sua obra S. Paulo:

"Como pasa San Pablo como una sombra viva y engendradora de sombras por las apretadas y encendidas Y estremecidas páginas de este libro! Y com él san Esteban, su ángel, y Timóteo. Y Lucrécio, Y Séneca, y Nerón…Y todo um mundo de sombras de sueño y de sueños de sombras…Y en rápidos esguinces o en alusiones fugitivas, Antero, Herculano, Junqueiro, Sor Mariana, João de Deus, don Sebastián, más ángeles lusitanos, y junto a ellos, D. Quijote, Santa Teresa de Ávila, Goya _uncido a Dostoievsky_y otros nuestros. [4]

Vejamos como Miguel Unamuno avaliou a obra dos intelectuais da Geração de 70 e a cultura portuguesa sua contemporânea, a partir dos seus próprios critérios filosóficos e estéticos, patriotismo, espiritualidade e imortalidade, começando por Herculano.

"…repeliendo la democracia antiliberal y metalizada, buscó la libertad en el desierto y en el quiso ser libre como
é livre no ermo
a bonina rasteira ou freixo altivo
No recordáis su estupendo canto a la Arrábida?
…/…
Su religión fue la religión de la eterna Iberia, la religión del austero y indomable individualismo, la que nuestro destino, el destino del pueblo ibérico, más allá, o más dentro si queréis, de las miserables conquistas del negocio. Tendremos que ser el pueblo asceta, el guardador de las virtudes heroicas y acaso inútiles. Nos hizo Dios para descubrir nuevos mundos que luego otros exploten, para navegar por mares nunca antes por otro navegados.
Atravesó la vida, con los pies en la eternidad y en la eternidad la cabeza, lanzando su austera voz de profeta. Y no murió. Y ha de volver, con don Sebastián, un día.
Caveira da montanha, ossada imensa
É tua campa o céu
le dijo a la Arrábida. Y así de él. Montaña espiritual de la eterna roca ibérica, en su camposanto el cielo, nuestro cielo, el cielo de nuestra eterna mística misión en la historia del mundo."[5]

Também aqui é notória a similitude da sua visão da natureza humana com a de Oliveira Martins, a quem designa como o único historiador-artista da Península e o mais penetrante.[6] Condição humana transcendente do homem ibérico, sujeito de um destino providencial que pode ser lido na própria paisagem natural: tragédia sublime do mar à montanha, que os escritores artistas e os intelectuais agónicos ou intimistas recriam na sua obra, mesmo quando, como Herculano, ou Eça, se opõem ao iberismo político.
Unamuno escreveu sobre ele um outro ensaio intitulado El sarcasmo ibérico de Eça de Queirós, que nos aproxima daquela perspectiva filosófica, nomeadamente porque abarca na mesma análise outros escritores:

"El encendido, el ardoroso sarcasmo de Camilo me ha legado siempre al fondo de las entrañas. Y de aquí que haya preferido Camilo, tan desordenado, tan confuso, tan improvisador, tan primesautier, a Eça de Queirós. Hay media docena de novelas de Camilo que jamás podré olvidar.
Pero después he rectificado, o por lo menos atenuado este juício comparativo y a favor de Eça de Queirós. He ido descubriendo calor y calor quemante en el fundo de la ironía; he ido viendo el sarcasmo ibérico bajo la mascarilla de ironía parisiense. Y más en el fondo et trágico pesimismo portugués; el de Antero de Quental, el de Oliveira Martins…el de tantos otros. No es, no, la superficial filosofía volteriana y epicúrea de Anatole France; es muy otra cosa. Quién, leyendo A Reliquia, no adivina en su autor un hombre desesperado, un hombre que aunque no crea quisiera creer y llora dentro de si lágrimas de fuego, de fuego que hace cristalizar esas lágrimas en duros y fríos diamantes, por haber perdido el secular y único consuelo de tener nacido?
…las novelas de Queirós todas tienen algo de A Correspondencia de Fradique Mendes, que nos es novela, todas ellas tienen algo de colección de ensayos humorísticos sobre costumbres y tipos portugueses. Y esto de que las novelas de Queirós sean releíbles y no lo sean tanto las de Camilo (…que es siempre un drama, una tragedia)…"[7]
"…Ese padre de portugueses escribió con amor. Y por ello, debajo del susurro cosquilleante de su ironía, ruge el áspero sarcasmo que brota de amores, amargos como dios, y de odios dulces como amores."[8]

Numa análise panorâmica sobre La Literatura Portuguesa Contemporânea e a propósito de António Nobre, autor de "…un soneto de la mas amarga desesperación patriótica", Unamuno afirma que ela se caracteriza pelo desespero resignado ou a resignação desesperada. E documenta essa asserção, dando como exemplo a elegia que subjaz em A Ilustre Casa de Ramires e A Cidade e as Serras:

"La nota zumbona y satírica va en Portugal del brazo con la nota erótico-elegíaca."[9]
Sobre Antero afirma que…
"…ha sido una de las almas mas atormentadas por la sed de infinito, por el hambre de eternidad."[10]
A propósito de Guerra Junqueiro, e dos poemas Os Simples e A Pátria, conclui em síntese:

"En estos dos poemas se encierra la alma de Portugal, del Portugal campesino, resignado y sencillo en lo primero, y del Portugal heroico y noble en el segundo, que es una obra dantesca."[11]

Para concluir, nesta avaliação das relações entre a poesia e a filosofia:

"Todo o poeta, decía Coleridge, es músico y es filósofo, y hace pocos días me decía Junqueiro que la poesía es cristal musical. El cristal, la cristalización de sensaciones, ideas y sentimientos bellos, es la filosofía poética. Y toda a filosofía portuguesa hay que ira buscarla en sus poetas; porque en cuanto a la otra, a la que más específicamente llamamos filosofía, el pueblo portugués es aún más infilosófico que el español…"[12]


[1] A união política de Portugal e Espanha, que no século XVI fora objectivo comum às coroas dos dois países, quando as Cortes de Castela e Aragão (efemeramente) atribuíram a D. Manuel e seus descendentes o título de herdeiro, que pelas fatalidades do destino veio a caber ao seu neto, Filipe II, continuou a ser, paradoxalmente, uma das propostas políticas de D. João IV, no período crítico da guerra da Restauração, segundo afirma António Vieira nas suas Cartas. Na época da Geração de 70 D. Luís viria a aceitar a coroa de Espanha e a união das duas monarquias, projecto que a evolução política naquele país fez gorar, dividindo o campo liberal: a favor, Saldanha, Palmela, Paços Manuel, Sá da Bandeira, Casal Ribeiro. Contra, Herculano, Braancamp, Inocêncio da Silva.
Antero, e Teófilo, em paralelo com republicanos, socialistas e maçónicos dos dois países, advogavam uma solução federalista, assente no desmantelamento do centralismo castelhano e visando enfrentar o peso imperial da Inglaterra. Antero anunciou o abandono da nacionalidade portuguesa em favor da união ibérica e Teófilo, no livro As modernas ideias na literatura portuguesa, 1892, propôs, no quadro do federalismo ibérico, a divisão de Portugal em duas regiões: a Lusitânia Ulterior e a Lusitânia Citerior.
Oliveira Martins, que considerava haver uma única civilização peninsular, com duas culturas diferenciadas, opunha-se ao federalismo, considerando-o condenado pelo futuro, mesmo em países como a Suiça e os EUA. Por sua influência, surgiu uma terceira posição, favorável a um renascimento do intercâmbio cultural ibérico, apoiado por Moniz Barreto e por intelectuais como António Sardinha (Integralismo Lusitano), e mais tarde por Pascoaes e Nemésio. Do lado de Espanha, entre diferentes matizes, destaquemos Ramiro de Maetzu, Angel Canivet, Joan Maragall, José António Primo de Rivera, Calvo Sotelo e o Marquês de Quintanar, mas, sobretudo Miguel Unamuno.
[2] Citado em Escritos de Unamuno sobre Portugal, Estúdio, Compilación y Notas de Ángel Marcos de Díos, pág. 39, Epistolário Ibérico, Cartas de Pascoaes e Unamuno, Edição da Câmara Municipal de Nova Lisboa, (Angola), 1957,pág. 36.
[3] Carlos Reis, As Conferências do Casino, Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Últimos Três Séculos, conferência de Antero de Quental, págs. 99-101.
[4] Ibidem, «San Pablo y abre España», Obras Completas, vol. IV, pp. 1356-1357.
[5] Ibidem, pág.s 187 e 188.Herculano en La Religión Ibérica, Publicado em o Instituto, Coimbra, 1910.
[6] "Su História da Civilização Ibérica debería ser un breviário de todo español y de todo o português culto, y no debía haber tampoco americano, de los que há menudo buscan en nuestra historia y casta los antecedentes de la suya, que no conociera ese libro admirável". La Literatura Portuguesa Contemporânea, 1917. In Escritos de Unamuno sobre Portugal, Estúdio, Compilación y Notas de Ángel Marcos de Díos, pág. 123
[7] El Epistolário português de Unamuno, ed. citada, pp 216-217, 1917. Transcrito em Escritos de Unamuno sobre Portugal, Estúdio, Compilación y Notas de Ángel Marcos de Díos, pág. 251.
[8] Ibidem, pág. 252.
[9] La Literatura Portuguesa Contemporânea, Transcrito em Escritos de Unamuno sobre Portugal, Estúdio, Compilación y Notas de Ángel Marcos de Díos, pág. 122, 1907.
[10] Ibidem.
[11] Ibidem, pág. 123.
[12] Las Sombras de Teixeira de Pascoaes. Transcrito em Escritos de Unamuno sobre Portugal, Estúdio, Compilación y Notas de Ángel Marcos de Díos, pág. 126, 1908.

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