11.1.22

O caso de Tancos e o slogan do desprestígio das FA

O texto anexo, escrito em 10/06/202, integrando o artigo com o título O Pilar Invisível, não perdeu atualidade e deve ser confrontado com a sentença do caso de Tancos

O roubo de material militar de um dos paióis de Tancos, a maior parte obsoleto e inoperacional, constitui um exemplo da falta de cultura político-militar da maioria dos nossos profissionais da política e da comunicação social, e, atrevo-me a dizê-lo, dos magistrados envolvidos.
Competia á comunicação social, informar a opinião pública do contexto económico e político, em que o cumprimento das missões das FA e, em particular, as medidas de segurança, foram severamente limitadas pelos cortes orçamentais dos sucessivos governos, quanto a efetivos e equipamentos.
Os responsáveis políticos, deviam interrogar-se se estávamos em presença de uma ação, com ligação ao roubo das Glock da PSP no Porto, que sinalizasse o emergir em Portugal de uma organização criminosa de nível superior, capaz de afrontar o estado democrático, como está a acontecer em todos os países onde as crises cíclicas da economia liberal agudiza os conflitos sociais ou de um fenómeno de outra natureza. Mas o debate político resvalou para a chicana e para a disputa eleitoral.
A magistratura, ao relacionar o roubo do material com a ETA como destinatária, ignorou que esta organização política e militar, incluindo todas as suas tendências, abandonou qualquer atividade violenta e desmantelou as suas estruturas orgânicas, muito antes do incidente de Tancos.
Seguiu-se uma vertigem política de ataques e suspeições, promovidos pela oposição de direita e centro direita, em nome da descoberta de toda a verdade_ e aqui se juntou o coro da esquerda, que não respeitou nem o ministro da defesa, nem o Primeiro Ministro, nem o Presidente da República, envolvendo a PJ e a PJM, com uma mensagem comum: o roubo de Tancos constituiu uma gravíssimo caso de desprestígio das FA, a nível nacional e internacional (?). Agravado depois pela ação de recuperação do material, que a PJM conduziu, alegadamente á margem da lei e dos regulamentos.
Discordo que se trate de um caso gravíssimo da responsabilidade da instituição militar, é um caso circunscrito da responsabilidade direta do comando de Tancos, mas este tem atenuantes: O contexto do desinvestimento do estado democrático em efetivos e equipamentos.
E reafirmo, que o debate exacerbado nos fóruns políticos e da comunicação social, para além do oportunismo político que revelou, demonstra que os fazedores da opinião política não têm cultura político-militar para o nosso tempo, em que a natureza da guerra mudou.
Vou mais longe: Na altura em que ainda não se conhecia o perfil do grupo de criminosos, a atuação da PJM, dado o risco latente dos danos sociais que o  material militar roubado representava,  com o recurso a medidas de exceção para a recuperar com base num acordo político, pode ser política e moralmente legítimo, mesmo que não o seja no plano estritamente legal. Sim, num contexto de guerra ou de risco de ameaça de conflitos violentes, fazem-se acordos com os inimigos, fê-lo recentemente o governo dos EUA, do conservador Trump, com os seus inimigos jurados da última década, os Taliban do Afeganistão.
Os militares da GNR que mediaram o processo, agiram motivados pelo objetivo de recuperar as armas, tal como a PJ militar. A PJ civil, que revelou a encenação, cumpriu o seu dever. Os tribunais vão julgar o processo, como é imperativo de um estado democrático, agora com o grupo criminoso devidamente caraterizado como uma quadrilha caseira. Estes factos objetivos, não constituem um fator de desprestígio para a entidade nacional,  FA.
O incidente deve ser reconduzido à sua dimensão criminal. Para que a cultura político-militar seja difundida por toda a sociedade e se torne um bem comum. E a imagem das FA limpa de qualquer infâmia política.

Sem comentários: