2.12.11

A desordem neo-liberal faz nascer monstros

“…se um observador independente aterrasse em pleno centro dos acontecimentos, concluiria que houve mais violência e desordem no Estádio da Luz do que em toda a Greve Geral!”

O director nacional da PSP avisou que “não quer dizer que nós não tenhamos que ser violentos”, concretizando que “é possível que tenhamos algumas actuações que poderão chocar certas pessoas” e que bastões e pistolas “são para ser usados”, se necessário e em resposta proporcional.

Estas declarações, marcadas por uma forte emoção suscitada pela referência ao polícia agredido, foram proferidas a propósito da greve geral.

Em contraste, os ministros do governo Passos Coelho deixaram claro que a manifestação e a greve geral foram pacíficas e democráticas e os seus organizadores e participantes não podiam ser responsabilizados por qualquer incidente violento, nem tão pouco os diversos grupos de cidadãos que se associaram ao movimento. Mas houve um discurso dissonante, a da Ministra da Justiça, que afirmou que a greve geral perdia legitimidade com os incidentes frente à Assembleia da República, responsabilizando indirectamente os seus organizadores.

Eleva-se assim o tom da violência verbal, como se não fosse ela que prepara a violência política.

Ao mesmo tempo, as bancadas do Estádio da Luz, reservadas aos adeptos do Sporting, foram incendiadas e os bombeiros agredidos. O presidente deste clube repudiou o facto, mas deu sobretudo ênfase ao comportamento do rival, que considera “indigno”e a Associação de Adeptos do Sporting respondeu divulgando uma longa lista de outros incêndios e actos de vandalismo que atribuiu aos benfiquistas. A violência verbal subiu de tom em ambos os clubes e não se conhece qualquer posição pública significativa, nem do comando da polícia nem do governo, particularmente da referida ministra, nem do Presidente da República, sobre o assunto e a já longa escalada de surda mas real violência de massas no futebol.

No entanto, se um observador independente aterrasse em pleno centro dos acontecimentos, concluiria que houve mais violência e desordem no Estádio da Luz do que em toda a Greve Geral!

O que é preocupante é pois o modo ligeiro como todos os responsáveis citados desvalorizam este episódio de violência desportiva e as recíprocas provocações. Esquecem não só o seu historial como as lições recentes de Inglaterra.

O que vimos nas ruas de Londres e depois Manchester e outras cidades inglesas foram jovens de todas as etnias.

O governo conservador afirma que os motins foram o resultado da falta de polícia nas ruas e são culpa do falhanço educativo das famílias e não da sua política.

Ilude-se, como se engana também o Director Nacional da PSP, quando acha que pode controlar sequer a explosão dos gangs à bastonada e a tiro de pistola. Esse discurso, que encoraja os seus homens ao confronto, sem distinguir a acção dos marginais da revolta legítima das vítimas da crise, apenas contribuirá para aumentar o risco de conflito e para desproteger os agentes.

No Reino Unido, o primeiro movimento de revolta foi uma reacção à morte de um cidadão, pai de quatro filhos, com um tiro no peito, abatido pela polícia num dos bairros populares, alegadamente após ter disparado contra os agentes, mas onde o inquérito já desmentiu esta versão.

As ruas foram tomadas depois por gangs organizados e por uma multidão espontânea de jovens e adolescentes, que se envolveram activamente na pilhagem de lojas de produtos da moda e na violência gratuita que incendiou sobretudo os estabelecimentos comerciais.

Grupos de vizinho formaram então patrulhas de bairro para proteger os seus bens, a segurança das famílias e as suas instituições comunitárias e desencadeou-se um movimento de apoio à polícia metropolitana.

Sem este apoio popular, a acção de resposta da polícia, não teria tido sucesso. E esta é uma lição que o responsável nacional da PSP e a Ministra da Justiça parecem não ter entendido

Estes gangs crescem entre os jovens desempregados, à medida que a sociedade inglesa se torna mais competitiva e mais rica, mas também mais desigual e as claques de futebol, infiltradas pela extrema-direita, transformam-se em escolas de violência sectária que recruta os seus membros entre esta juventude sem projecto de vida e com menos oportunidades, à medida que a crise financeira destrói o emprego, a unidade familiar e as políticas sociais do estado.

Estes motins, este ambiente de revolta, ocorreu recentemente em Paris e depois em Atenas e tornou-se endémico em Itália (1/3 dos desempregados são jovens), aflora na Rússia, na Irlanda e na Alemanha, em episódios de violência racista contra os imigrantes e teve o seu equivalente em Los Angels anos atrás.

Mas gera também tragédias incontroláveis de brutal violência, como no massacre perpetrado pelo terrorista norueguês de extrema-direita ou os assassinatos múltiplos de colegas por jovens escolares americanos e europeus.

Em radical oposição política, o movimento sindical e os movimentos de cidadãos em Portugal caracterizam-se hoje pelo seu carácter pacífico (mas não imune ao desespero dum novo “proletariado em farrapos” mais do que às vanguardas revolucionárias, que não se vislumbram na Europa mas sim no Norte de África, mas sobretudo, vulnerável aos “infiltrados”, particularmente se forem polícias mal orientados ou grupos de marginais); por ser defensivo_ a sua reivindicação fundamental é o direito ao trabalho e por estar politizado e internacionalizado contra o arbítrio e a corrupção do estado democrático pelas oligarquias financeiras e políticas sem pátria.

Nas circunstâncias actuais, a acção conjugada das centrais sindicais e de outras entidades representativas do movimento popular, a acção sindical das polícias e os protestos democráticos nas forças armadas, ou dos que ocuparam a Plaza Mayor de Madrid, ou que deram corpo em Portugal às manifestações de 12 de Março e 15 de Outubro, constituem a única válvula de segurança da nossa comum civilização, dominada pela oligarquia financeira e pelo fetiche do dinheiro e dos bens de marca.

Os governos conservadores, que prevalecem na Europa desde há meio século, precisam de despertar rapidamente do seu sono monstruoso e a esquerda de construir a sua alternativa de sociedade. Ou a desordem crescente acordará as nossas magníficas, mas condenadas, cidades modernas.

1 comentário:

acmc52 disse...

A análise que fizeste à situação actual, pelo menos a nível europeu, é correcta.
Para que as assimetrias políticas se desvaneçam, terás tu, com outros, que vos dedicais à escrita e assim podeis contribuir para a pacificação das nações, para além de indicardes os trilhos a seguir, terão que deixar de falar em esquerda e direita, que nada dizem ao povo, mas sim em acção, conjunto, irmandade, comunidade, abnegação, entre-ajuda,justiça, contrariamente a confronto, luta, classes, proletariado,barricada. A luta de classes acabou com a globalização. Todos os humanos, neste momento tentam sobreviver. Só sobreviverão se em conjunto colocarem o trabalho de cada um ao serviço da comunidade, consoante as suas capacidades e aptidões. Há pobres quase felizes e ricos que o são só na aparência. Ambos são complementares nos locais de produção e devem ter como objectivo comum, a melhoria da comunidade (logo de todos), enriquecendo a NAÇÃO.
Monstros e fantasmas há-os por todo o lado. Basta olhar, aqui sim, à esquerda e à direita, para os encontramos.
Um grande abraço para ti