22.1.16

Marcelo: “Porei fim aos privilégios dos ex-presidentes da República”



ou
Como a esquerda ajudou a eleger(?) Marcelo Rebelo de Sousa


Hoje, interpelado por um popular nas ruas do Porto, Marcelo prometeu abdicar do que chamou “os privilégios do Presidente da República” e estender essa medida aos ex-presidentes, “com a colaboração dos deputados da Assembleia da República.”
Maria de Belém, a propósito dos privilégios que 25 deputados do PS e do PSD reclamaram do Tribunal Constitucional, a reposição plena da subvenção vitalícia concedida após 12 anos de estadia na Assembleia da República,  chamou-lhes “direitos”, comparando-os com os direitos a conservar salários e pensões dos trabalhadores, postos em causa pela política austeritária e agora repostos progressivamente pelo governo de centro esquerda do PS, apoiado pelos partidos à sua esquerda.
Maria de Belém deveria ter dito logo que esses privilégios foram eliminados desde 2005 pela própria Assembleia da República para os novos deputados, exatamente por serem considerados privilégios, e que, cerca de 400 deputados que deles beneficiavam à data, viram essa subvenção limitada a 2.000 € por mês a partir de 2012, o que levou aquela minoria de 25 deputados a reclamar do Tribunal Constitucional a reposição plena do privilégio, que deverá custar ao país 40 milhões de euros.
Falta saber quantos dos restantes não os reclamaram, não por solidariedade com os seus concidadãos espoliados pela Troika, mas simplesmente porque já tinham recebido o subsídio de reintegração, a outra face do privilégio que a Assembleia da República aprovara conjuntamente e em alternativa.
O Tribunal Constitucional, analisando as leis sobre a subvenção/subsídio de reintegração e o quadro legal que em 2012 os limitou, decidiu por maioria e com base numa avaliação jurídica, que é sempre política, mas não está subordinada a critérios de ética política, restabelecer o direito que privilegia esse grupo restrito. Entendamo-nos, “a culpa” (que na vox populi é uma questão moral) não é dos juízes, eles julgam com base na lei e não nas suas convicções pessoais, a culpa é da Assembleia da República, que é política e moralmente responsável por ter feito a lei dos privilégios e não a ter alterado, conforme o Acórdão do Tribunal Constitucional (que ninguém leu) explícita, mas numa forma e linguagem hermética para o cidadão comum. Julgar este acórdão como bom ou mau, é uma questão do foro da ética política, que concede a cada um de nós, cidadão ou candidato presidencial,  o direito de criticar, sem que tal signifique faltar ao respeito à instituição. No passado, PSD e CDS opuseram-se às decisões do TC responsabilizando-o demagogicamente pelo agravamento da dívida e o risco de novo diktat da Troika; Marisa Matias condenou os deputados que pela calada reclamaram o seu privilégio único e classificou a decisão do TC  no plano do juízo da ética política, sem pôr em causa a legitimidade que lhe assiste.
Voltemos então à promessa de Marcelo, que não aprovo. O Presidente da República, eleito pelo sufrágio universal dos portugueses e representante democrático do país, chame-se Soares ou Cavaco, tem o direito, que não é privilégio, a ser sempre tratado com a dignidade de chefe do estado democrático, em nome do conceito moral de nação e do estatuto político de (seu) supremo magistrado. Marcelo, o candidato que melhor entendeu a necessidade de unir o povo português, dividido pela demagogia pró Troika, que vem do último governo Sócrates e carateriza o consulado de Portas e Passos, que para reinar atacaram a dignidade de todos os corpos da nação: professores, juízes, enfermeiros e médicos, trabalhadores da função pública, militares, empresários do mercado nacional, camponeses…apoiados por um presidente sectário, Marcelo comprometeu-se com o rebaixamento da dignidade do cargo de Presidente da República de Portugal.
A resposta de Marcelo, desculpável na lógica de que vale tudo para a vitória, passará despercebida e cairá no esquecimento, mas prenuncia uma fraqueza pragmática que é a mesma com que iniciou a sua campanha eleitoral ( televisiva), pelo menos um ano antes dos outros candidatos.
Enfim, questões de ética política que a nossa elite partidária e jornalística despreza, mas não ignora, omitidas no discurso único televisivo e que pagaremos muito caro quando tivermos que enfrentar de novo a ferocidade da crise financeira que já lavra e, desta vez, a ocidente e oriente.
Porque sobe Marcelo?
Marcelo Rebelo de Sousa realinhou-se politicamente com o governo de centro-esquerda, quer os partidos de esquerda queiram ou não.
O PCP lançou um candidato que se propôs chegar irrealisticamente à segunda volta, com um discurso errático, que nem sempre centrou a sua crítica na candidatura de Marcelo e quando o fez, identificou-o erradamente como o candidato dos neoliberais do PSD e do CDS e continuador do Cavaquismo.
O BE, saído das eleições com uma base eleitoral alargada, lançou um candidato próprio, que se arrisca a afunilar o seu resultado eleitoral, apesar de uma campanha de crítica política positiva que ajudou a elevar a consciência política do povo português, limitada pela incompreensão da natureza política da candidatura de Marcelo e pelo irrealismo de apontar até ao fim a disputa da segunda volta.
Maria de Belém, candidata de todos os equívocos políticos, foi vítima da sua presunção  de superioridade de carater sobre os seus concorrentes.
Sampaio da Nóvoa não disputou o campo político da direita, aproximando-se do setor empresarial descapitalizado e falando às maiores vítimas da política austeritária, pequenos e médios empresários expropriados e arruinados, famílias despejadas das suas casas, vendidas em favor dos bancos, polícias suicidas, associações militares marginalizadas, o mundo rural ao abandono… que vão somando mais abstencionistas aos quatro milhões que atravessam todas as eleições. E, tardiamente, apontou à nação o seu inimigo principal, a oligarquia financeira internacional que veste a pele da Troika e da Comissão Europeia. E, assim, não pôde evitar que a direita o confinasse num setor da esquerda e lhe desfigurasse a imagem  de independente ( de centro esquerda) e constitucionalista.
Mas é ainda Sampaio da Nóvoa o único candidato que pode vencer o fatalismo das últimas sondagens e corporizar o apelo da voz do povo nas ruas, em favor da concentração de votos por uma segunda volta eleitoral.
A sondagem que situa Marcelo nos 52%, dá 22% a Sampaio da Nóvoa e iguala  Mariza Matias e Maria de Belém nos 8%, reduzindo a votação em Edgar Silva a 3%, é talvez aquela que mais se aproximava da realidade há uma semana, pois aponta ao menos para 40% de abstenções.
Neste acelerar do tempo político, Edgar Silva recuperará, Maria de Belém afunda-se e os seus votos irão dispersar-se pela abstenção e por Sampaio da Nóvoa, Marisa consolidará a sua posição, também por ser mulher e nela se reverem muitas das mulheres que ainda procuram a igualdade de género, mas, ainda assim corre o risco de ficar abaixo da votação do BE nas últimas legislativas.
A abstenção vai crescer, à esquerda e à direita, e, ao contrário dos analistas, eu julgo que este crescimento à direita poderá dever-se ao efeito positivo do cumprimento do acordo entre o PS e os partidos à sua esquerda, em favor dos trabalhadores, dos reformados e dos pequenos empresários da restauração, eleitores que, votando anteriormente à direita, agora se poderão abster.
E pode até acontecer, com o aumento da consciência política dos eleitores, despertos pela política austeritária e pela  crise da oligarquia, que, pequenos grupos de abstencionistas regressem à ação política pelo voto e coloquem Marcelo na segunda volta, se o povo português continuar a fazer ouvir a sua voz para além da inconsequência dos partidos de esquerda, como o fez nas legislativas, encorajando as direções do PS, do BE e do PCP a convergir na Assembleia e no governo.
Demarcando-me de toda a esquerda e da direita, democráticas e patrióticas, afirmo com humildade que não voto em Marcelo porque julgo que o confronto entre a nação portuguesa e a Comissão Europeia, que é a Comissão  dos partidos conservadores e da oligarquia financeira, será inevitável e a curto prazo. Marcelo,  como  representante de uma média e grande burguesia portuguesa, democrática e liberal, quer pelos seus interesses interligados com essa oligarquia sem pátria ( recorde-se a falência do BES), quer pela sua fraqueza económica e financeira,  será sempre tentada a ceder e a  resignar-se à sua força impiedosa.

O próximo presidente terá que ser como uma ponta de lança na União Europeia e no mundo, em defesa da soberania e dos direitos constitucionais, e da paz, procurando a aliança  com todos os governos europeus, presidências e forças políticas empenhadas na refundação democrática e solidária da União Europeia; deve ser um protagonista internacional da construção de numa ampla aliança, mesmo que precária , contra a política austeritária e sua deriva chauvinista que já domina a Polónia e a Hungria…honestamente, não é este o compromisso presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa. 

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