20.10.15

A "prova real"

Ensinaram-me, na escola primária, a verificar a exatidão das contas através de duas provas, uma das quais era a prova real por operação inversa. A ela recorro de novo, aplicada à atual conjuntura política. 




Durante quase 40 anos de regime democrático o PSD e o CDS não foram inimigos políticos da constituição nascida da revolução de Abril, mas sim seus adversários; que promoveram sucessivas reformas constitucionais e governaram, em aliança ou convergência com o PS, com o objetivo da reduzir as suas conquistas sociais e o setor público, mas respeitando em regras os princípios constitucionais e os limites democráticos da revisão constitucional.

Essa posição política alterou-se com a subida ao poder das atuais direções do PSD e do CDS, cujo primeiro objetivo anunciado era o da subversão da Constituição, traduzido depois no slogan “ir além da Troika”; a coligação de direita governou na última legislatura numa linha de confronto direto com o próprio Tribunal Constitucional. 

Ao mesmo tempo, dentro da União Europeia, decorria um processo semelhante, de esvaziamento da sua carta de princípios e das suas estruturas representativas; com a subalternização da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu, substituídos no exercício do poder por estruturas adhoc sem sustentação legal nem legitimidade política: primeiro foi o diretório franco-alemão, depois a Troika, com o FMI, corpo estranho aos acordos europeus e, para isolar o governo do Syriza, o Eurogrupo, entidades cuja função é garantir o pagamento das dívidas públicas e dos seus elevados juros, aos credores privados e institucionais e esmagar qualquer assomo de resistência ou de alternativa.

O “diktat” da Troika, desigual e imoral, imposto pela força do capital financeiro nacional e internacional, pelo seu poder político sobre as instâncias comunitárias, se era muito parecido no seu conteúdo económico com o denominado PEQ4, tem um significado político diferente, que não foi até agora suficientemente sublinhado ( a propósito, também faz parte da tradição do PSD e do CDS, além de viabilizarem os governos do PS que convergem com a sua política, em nome da estabilidade, derrubar esses governos antes do fim da legislatura, quando são boas as probabilidades de os substituir no poder; tal aconteceu em 2011!)


É um pacto antidemocrático e semicolonial, porque retira ao governo eleito da República Portuguesa a sua autonomia e soberania sobre o orçamento do estado e, nessa medida, passou uma fronteira política que nenhum dos PEQs anteriores se atrevera a transpor; ato político que, perpetuado com o denominado Pacto Orçamental, também põe em causa o carater democrático da atual União Europeia/ pós tratado de Mastrich, sujeitando todos os países europeus, sobretudo os que foram obrigados a aceitar as imposições da Troika, a um estatuto semicolonial, que permanece.

Os governantes do PSD e do CDS, ao escolher o papel de colaboracionistas colocaram estes partidos no campo do inimigo das nação e da pátria, portuguesas, gregas, irlandesas, cipriotas…mas também francesas, alemãs ou húngaras… 

No entanto e isto é o mais importante na ação política e na política de alianças, as suas bases eleitorais e sociais são nossos concidadãos, as suas personalidades fiéis à social-democracia ou à democracia cristã, os seus verdadeiros liberais, partilham uma história, uma cultura e um território comum de cidadania e soberania da terra e do mar, são nossos familiares, vizinhos e companheiros de trabalho, empregadores e empregados, professores, médicos e enfermeiros, magistrados e militares, funcionários públicos e desportistas…, partilharam connosco a construção da escola pública generalizada, do Serviço Nacional de Saúde, da descentralização de poderes do estado nas autarquias e todas as maiores conquistas da democracia pós 25 de Abril. 

Mas há os outros, burocratas sem coração e sem pátria, que tomaram de assalto aqueles partidos e chegaram aos mais altos postos do estado, da burocracia de Bruxelas e da oligarquia internacional. Ao serviço de um grupo de bancos que quase tomou conta do Estado e dos maiores partidos, um núcleo restrito de empresas em posição de monopólio e cartel, cada vez mais controladas pelo capital internacional, que se apropriam das suas rendas, recrutam deputados e ministros, influentes escritórios de advogados, em trânsito entre os órgãos de poder e os negócios, para os seus quadros de funcionários e consultores, esses, que forçaram a demissão prematura do governo de José Sócrates e meteram na ordem o demissionário Paulo Portas, uma oligarquia que seleciona as elites políticas e as projeta na comunicação social e na europa comunitária.

Quando a direção política de António Costa recolocou o PS português no centro-esquerda, ficou cada vez mais claro que PSD e CDS já nada tinham a ver com a social-democracia e a democracia cristã e estavam bem longe, no extremo político dos neoliberais, entre os partidários do austeritarismo. Coligaram-se, porque já nada os distingue. E assim se isolaram…também do PS.

Assim sendo, todos os discursos contra os acordos do PS com o BE e PCP, que invocam a anterior proximidade política entre o PS, o PSD e o CDS, não têm em conta que foram os dois partidos que se afastaram, não só do PS, mas da sua própria tradição e matriz política. Importa agora que o acordo de apoio parlamentar ao governo liderado pelo PS, qualquer que seja a forma que assuma, garanta ao povo português e à sua nação, o alívio da austeridade nos próximos quatro anos de legislatura e que a direita continue em minoria no parlamento.

Para tal, as direções do BE e do PCP, têm duas fortes razões para aceitar ir mais longe do que um simples acordo para viabilizar o governo minoritário do PS e o seu orçamento para 2016:

Primeira: Ainda há mais de dois milhões de concidadãos que receiam a mudança política e um número superior a quatro milhões afastados da política.

Segunda: Este acordo de legislatura, que não impede o prosseguimento de toda a atividade política autónoma de cada partido, incluindo a propaganda do seu ideário, tornará visível a profunda mudança política que ocorreu nos partidos e forças antifascistas e revolucionárias que lutaram pela democracia e pelo fim do colonialismo desde antes do 25 de Abril: é que estas forças, onde se inclui o PCP e um bom número de apoiantes do BE, instruídas pelas grandes movimentações populares da revolução de 74/75, escolheram desde então a via democrática para chegar ao poder!




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