9.10.15

A crisálida e a borboleta



 Ou “o regresso à política”

Primeiro havia a Troika, uma criatura híbrida e informe, dourada mas opaca aliança entre o capital financeiro, o Banco Central Europeu (cujos recursos foram depositados pelos nossos governos e, portanto, são parte dos nossos impostos), o FMI e a Comissão Europeia - a crisálida!

Depois, foi proclamado a três vozes (PSD, CDS e presidente da república) que a Troika, a feia crisálida, desapareceu…e brotou da sua fina casca um novo ser, apadrinhado (também pelo PS) com um belo nome: O Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária (TECG), conhecido como Tratado Orçamental - a borboleta! 

Que manda este Tratado: Os orçamentos nacionais, antes de irem aos respetivos parlamentos, são submetidos a uma supervisão das instituições da união económica e monetária. O pacto obriga cada Estado-membro signatário (todos da União, menos Reino Unido e República Checa) a ter um défice estrutural (a diferença entre as receitas e as despesas públicas, excluindo os juros da dívida) inferior a 0,5% do PIB e uma dívida pública abaixo dos 60% (a portuguesa está em 130%). Para lá chegar, existe uma única política admitida: as reformas estruturais - a borboleta, ou seja, a política austeritária - a crisálida!

O Orçamento de cada estado é o instrumento principal da governação, se deixa de ser autónomo e soberano, a vontade democrática da nação expressa nas eleições e a independência nacional desaparecem; o país continua a ser uma semicolónia da oligarquia sedeada em Bruxelas e o governo que assim se submete, torna-se um governo colaboracionista. Atenas não se submeteu, lutou, perdeu uma batalha, mas voltou à luta.

Enquanto isso, realizaram-se em Portugal eleições legislativas e, novamente a três vozes (PSD, CDS e presidente da república), também elas foram avaliadas sob o signo da crisálida e da borboleta:

_ “Em democracia e na Europa, governa o Partido que ganha as eleições, mesmo que não tenha a maioria dos deputados na Assembleia Legislativa!” _ A borboleta. “De outro modo, seria um golpe contra a democracia, a negação da vontade popular, uma obscenidade política”_ A crisálida.

 Na Bélgica, na Noruega e na Dinamarca, o Partido Socialista foi o mais votado, ganhou as últimas eleições e em todos esses países a direita coligou os seus partidos na Assembleia e formou governo, porque tinha a maioria dos deputados!?

“O Partido Comunista e o Bloco de Esquerda são meros partidos de protesto, não querem assumir as responsabilidades da governação (antes das eleições de Outubro)… “O Partido Comunista e o Bloco de Esquerda não podem fazer parte de uma solução de governo, porque defendem a saída da Nato, do Euro, são contra a Europa e exigem a renegociação da dívida pública” (depois das eleições de Outubro) _ A crisálida ameaçadora. Mas ao BE e PCP juntou–se entretanto o FMI, quando defendeu a renegociação da dívida pública grega e o perdão de 60% do seu valor, processo que deve começar agora, em Outubro, com o Eurogrupo… e associaram-se o PSD e CDS, quando, na última legislatura, reclamaram o mérito de ter renegociado limites de deficit mais altos, prazos mais longos, troca de credores (FMI por bancos), juros mais baixos …da dívida!

Perguntamos agora: Os partidos de esquerda não podem querer outra União Europeia, a que nos foi prometida como democrática e solidária, mas o governo do PSD e do CDS e o presidente da república, que são pela NATO, por esta UE e pelo Euro, podem ser contra a Constituição da República que juraram cumprir e defender, podem afrontá-la com leis que o Tribunal Constitucional considerou que a violam e defender a sua subversão!? (o programa inicial de Passos Coelho era a revisão neoliberal da Constituição e não deixou de o ser): A borboleta pintada com as cores da liberdade!

E será mesmo verdade que o PCP e o BE, que defendem a atual Constituição, preconizam a saída imediata do Euro? Ou antes avisam que o país tem de se preparar para essa eventualidade?

Sim, há quem defenda a saída do euro dos países de economia mais débil, e há personalidades desde o PCP, ao Bloco e PS que a consideram inevitável: mas há três anos, o AlD, partido alemão da direita chauvinista, defendeu essa “reforma estrutural “ e disse mais, que não seria preciso esperar muito para que o governo da Srª Merkel a propusesse: três anos passados, o ministro das finanças Schöbel quis aplicá-la à Grécia, durante a negociação que precipitou as novas eleições na Grécia e a nova vitória do Siryza. E o próprio Holland defende, desde a sua campanha presidencial, uma reforma da UE com dois círculos, o dos fundadores, os ricos, que partilhariam tudo e os outros, que lutariam para ascender ao primeiro escalão.

Mas resta a Nato, questão inegociável? Também aqui há uma grande diferença entre defender a extinção de todos os pactos militares que visem partilhar o mundo e, ao mesmo tempo, sustentar a autoridade da ONU na resolução pacífica dos conflitos e na intervenção militar que crie as condições para uma solução política, ou colocar-se de um lado ou do outro no campo da “guerra de baixa intensidade” que já flagela a nossa Europa.

De qualquer modo, para constituir o apoio parlamentar a um governo de base PS, PCP e BE não colocaram qualquer condição sobre a saída do EURO ou da NATO, muito menos da União Europeia, tal como não prometeram desistir do seu ideário político; não é esta a essência das alianças políticas em democracia, respeitar a ideologia de cada um e procurar a convergência política, em favor do povo e da nação como um todo?

E será mesmo verdade que 80% dos portugueses são a favor do monopólio do poder pelos partidos do bloco central e da União Europeia austeritária? Então os 43% abstencionistas não contam para nada? Os pouco mais de dois milhões de eleitores que votaram no PSD e CDS estão muito longe da maioria dos 5.380.315 votantes e dos 9.439.738 inscritos. E os 1.741.000 votos do PS ainda menos, constituindo com os 1.000.000 de votos do BE e PCP apenas uma maioria absoluta dos votantes e da nova Assembleia da República, mas não do eleitorado. E é por isso que este ainda não é o tempo de um governo patriótico de esquerda mas de um governo democrático e patriótico.

Sendo certo que, desde 2011, 418.000 eleitores foram atirados para a emigração e ali, apenas 3.200 conseguiram recensear-se para votar a partir da nova morada; nunca um tão grande número de abstencionistas à força foi registado numas eleições e é óbvio que o atual governo ganhou com isso. Ficámos a saber, apenas agora,  que o processo legal é tão dificultado, que vale mais vir a Portugal para mudar a morada do Cartão de Cidadão do que fazê-lo em consulados que estão demasiado longe e obrigam ao retorno para tirar o novo cartão de eleitor, num prazo que chega a seis meses!

Assim, devemos concluir que a moral e o direito não justificam nem legitimam a escolha de uma solução exclusiva de governo.

A escolha é política e plural; inevitavelmente, dividirá o PS, que não é um partido monolítico e tem dentro de si dois campos: o dos que estão do lado do “arco do poder” e os que estão do lado do “arco constitucional”!

Em Portugal, como na Europa, os dois partidos que monopolizaram o poder, o PS e o PSD, já não conseguem governar como dantes, o bipartidarismo, fonte da corrupção geral da democracia, está a passar à história, dilacerado pela crise financeira e a política austeritária, pelo abuso do poder, o clientelismo, a corrupção e o renascer da guerra no próprio coração da Europa e na sua vizinhança.

O PSD compreendeu esta mudança primeiro que o PS e deu a mão ao partido à sua direita, pagando a preço de ouro a sua já reduzida influência eleitoral (as sondagens não concedem ao CDS mais do que 4%, menos de metade que o PCP e quase um terço do BE).

O PS de António Costa compreendeu-o finalmente, ainda antes das eleições de 4 de Outubro, quando se aproximou do novo partido, o Livre e da candidatura independente de Sampaio da Nóvoa.

Na última semana de campanha, BE e PCP, certamente como fruto de um sentimento crescente de unidade popular, democrática e patriótica, que se levantou contra a política do governo PSD/CDS e da própria dinâmica de debate interno (também estes partidos, ambos, não são monolíticos), deram um novo passo para quebrar o bloqueio estratégico da esquerda, velho de 40 anos e que fechara as brechas abertas pelo apoio comum à candidatura presidencial de Soares e pela curta experiência da candidatura de Jorge Sampaio à Câmara Municipal de Lisboa. Enfim, preconizaram então e antes dos resultados eleitorais, a convergência da esquerda, numa base política e não ideológica, contra a política de austeridade e em defesa de medidas concretas que aliviem o sofrimento das famílias e das PME.

A convergência de deputados dos três partidos na resistência às medidas anticonstitucionais do governo PSD/CDS, amadureceram o terreno para essa viragem. Mas aqui, António Costa, teve o papel decisivo e o seu golpe d’asa, como o teve Mário Soares, quando escolheu apoiar, nestes novos tempos, Sampaio da Nóvoa e não Maria de Belém.

Neste quadro, a derrota eleitoral do PS de António Costa, que subiu em votos e deputados, é por ora, apenas um insucesso tático. Mas que se pode transformar numa vitória estratégica total, que só o apoio da ala constitucionalista do PS pode explorar e ampliar: com uma maioria de deputados, um governo e um presidente.

Empiricamente, tenho a certeza que um número muito significativo de novos votantes no PS nas últimas eleições e, sublinho novos, foram eleitores de esquerda que deram o seu voto ao PS para este derrotar a coligação de direita. Tenho a convicção e não é por preconceito, que o PS só se salvará do destino comum ao Partido Socialista Húngaro (MSZP) e ao Partido Socialista Grego (PASOK) se apostar nesta nova base social e no caminho de unidade democrática e patriótica, que abrange os partidos à sua esquerda e, simultaneamente, entra pelo campo do centro direita, até hoje reservado à coligação neoliberal.

 Quanto à base social de apoio da ala liberal do PS, ela é hoje muito reduzida e sem futuro, a não ser como personalidades a cooptar pela coligação de direita, enquanto dure no poder.

Tudo se decidirá em pequenas e grandes batalhas: o novo presidente da Assembleia da República poderá ser eleito pela convergência de PS, BE e PCP, e ser socialista. Sampaio da Nóvoa parece ser o único candidato presidencial independente dos aparelhos partidários capaz de promover uma frente democrática e patriótica contra a política austeritária, que não exclua as personalidades e os cidadãos identificados com a social democracia e a democracia cristã, que foram marginalizados pelas atuais direções do PSD e CDS.

Sem um poder discricionário e absoluto, a unidade e coesão do núcleo de lideres do PSD e CDS, minoritário mas tentacular, cairá em bocados, abrindo o caminho à reorganização político-partidária dos campos social democrata e democrata cristão, irreconhecíveis nos atuais PSD e CDS e provavelmente por isso, a refundação ocorrerá fora destes partidos. As formações partidárias do tipo NÓSCidadãos ou até do PRD, terão, nessa nova conjuntura, a sua segunda oportunidade, mas também é provável que surjam outras forças políticas.

Talvez nessa altura o fantasma da “instabilidade” tenha sido reduzido à sua verdadeira materialidade, vencido pelas notícias da Europa que, finalmente, atravessarão o bloqueio: saber-se-á então que, na Holanda (e já nem lembro a Itália), desde 2012, nenhum governo terminou o seu mandato de quatro anos; e a Holanda continuou a prosperar; e que nos parlamentos dos países nórdicos há dezenas de partidos em instáveis coligações verdes, vermelhas e azuis, de geometria variável em cada legislatura e, nem por isso, deixaram de ser apontados como lugares privilegiados pelo investimento, combinado com elevadíssimos impostos, o emprego e as políticas sociais…

E, portanto, instabilidade é viver num país que todos os anos expulsa para a emigração mais de 100.000 novos e antigos emigrantes, e sobretudo a flor da juventude instruída; instabilidade é sofrer num país, que em 2005 tinha 59.000 execuções fiscais, a intimidação e a chantagem de 2.500.000 milhões de ordens de execucação fiscal, que penhoram ordenados modestos, máquinas e equipamentos, expropriam e vendem em asta pública, em favor dos bancos credores prioritários, 122.000 residências familiares, só nos últimos três anos; instabilidade é suportar a falência de três dos maiores bancos privados (BPN, BPP, BES) e a pré insolvência dos restantes (do resgate do BANIF aos empréstimos ao BPI); instabilidade é pagar durante anos juros de 5, 6 ou 3 por cento aos credores internacionais que a Troika protegeu, quando o valor do dinheiro a nível nacional e europeu rende juros negativos; é ver descapitalizar as PME e falir as famílias, que reiniciaram o seu ciclo de endividamento; saber que cresce a renda do turismo mas nunca foram tão elevadas as insolvências e 80% das suas empresas correm esse risco; é ver a instituição militar afrontada com a perda da sua capacidade operacional e uma nova lei de defesa nacional publicada nas suas costas e contra a sua missão patriótica; é suportar a mutilação dos seus apoios sociais, que não poupa nem viúvas nem antigos combatentes, face aos quais o país tem uma dívida de sofrimento, de sangue e de luto; é ver os polícias em manifestações de rua para reivindicar o mínimo de dignidade profissional; os magistrados sem estatuto…a maioria absoluta deste PSD e CDS foram a causa da instabilidade.

Nesta hora de confusão, medos e ódios mal contidos, rogo aos meus concidadãos que abram o espírito aos novos tempos, pensem e ajam pela sua cabeça e… abandonando os casulos inúteis, regressem à política!











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