5.10.15

“Uma vitória de Pirro” e o fim do bipartidarismo


Um coro em uníssono de comentadores, em todas as estações de televisão, rádio e jornais, proclama o extraordinário acontecimento: a coligação PSD e CDS, depois de quatro anos de governo austeritário, ganhou as eleições! Excecional acontecimento político, fracasso do líder do PS!?
Sujeitemos a vitória ao critério dos fatos políticos incontestáveis.

 
Primeiro_ Nas eleições de 2011, PSD e CDS somaram 2.159.181   ( 38,66%) + 653.888 ( 11,71%) dos votos expressos: 50,37%, 2.805.069. Se agora, em coligação o apuramento lhe dá um valor próximo dos 38%, é porque perderam 25% dos votos. E, quando observamos os votos reais, a perda é ainda mais notória: superior a 700.00 votos. Tal resultado aproxima-se do nível da mais baixa votação de sempre atingida pelos dois partidos após o abandono do governo por Durão Barroso e o consulado efémero de Santana Lopes, já que em todo o historial das eleições o score eleitoral destes partidos variou entre 40 e 50%.

Segundo_ Uma tal votação representa apenas 104/106 deputados (falta apurar os deputados dos Círculos da Europa e de Fora da Europa), dos 230 que constituem a nova Assembleia da República. PSD e o CDS terão perdido então 26/28 deputados face a 2011 e a maioria que lhes permitiria formar governo.

Em conformidade com a Constituição Portuguesa, as eleições para a Assembleia da República elegem uma maioria parlamentar, que por sua vez escolhe o governo. Uma nova maioria de esquerda de 122 deputados significa que a coligação PSD/CDS não (?) formará governo nesta legislatura: todos os partidos de esquerda, incluindo o PS de António Costa, já afirmaram publicamente que não atraiçoarão o seu voto e a decisão maioritária do povo português, que deverá eleger uma maioria de esquerda plural, pondo termo ao bipartidarismo corruptor da democracia. Tal como está a acontecer por toda a Europa e antes se tornou realidade na América Latina.

O que os comentadores políticos se recusam a ver, é que à esquerda surgiu um novo polo eleitoral, plural e ainda sem unidade e força políticas para liderar uma alternativa de governo, mas real, com programas políticos semelhantes e convergentes contra a política austeritária. Como sempre aconteceu, Portugal fará o seu próprio caminho político, diferente da Grécia e da Espanha, mas no mesmo sentido e, em relativo atraso na construção de uma ampla frente dessa área política, face à gravidade da crise social e da instabilidade política e ao risco da sua deriva para uma crise geral nacional, a perda crescente da democracia e da soberania nacionais. O seu próximo desafio é a construção da frente única em torno de uma candidatura presidencial.

Terceiro_ O coro dos comentadores prescreveu uma regra de bronze, que não tem base científica nem política: perante uma tão violenta política de austeridade o povo “devia votar sempre ” contra o governo e no principal partido da oposição. Parecia ser assim, antes da crise financeira internacional, da sua transformação em crise da dívida soberana, com o que se refinanciaram bancos e entidades financeiras e parecia sê-lo antes da crise geral dos Partidos Socialistas e Social Democratas, que governaram pela política austeritária. Mas já não é!

E tal regra nunca existiu, antes reina outra: a destruição do emprego, da reforma, a precaridade, a descapitalização das PME, o controle do aparelho de estado e dos fundos comunitários pela coligação de direita, geram dependência, medo do futuro, egoísmo e submissão nos trabalhadores e empresários que dependem do poder económico e político partidarizados e tutelados pela oligarquia europeia! Conduzem à confusão eleitoral, à abstenção e à alienação política. E, apesar disso, e das centenas de milhar de votos contra o governo que foram sonegados da pugna eleitoral pela vaga de emigração que flagela o país, à cautela, já todos fomos violentamente avisados: “Vejam como esmagámos a revolta do Syriza!?”

Mas o Syriza renasceu vitorioso das eleições gregas, com o apoio do seu povo e, se não fora a perda de algumas décimas em favor da candidatura falhada dos seus dissidentes, teria finalmente ultrapassado a barreira dos 36% e alcançado a maioria absoluta!

Quanto à crise do PS, que é a crise dos Partidos Socialistas europeus, ela está para além da liderança de António Costa: O SPD alemão colou-se à direita neoliberal de Ângela Merk, que, sendo vitoriosa, perdera a maioria com o desaparecimento do seu aliado FPD, quando, em conjunto com os Verdes e o Die Link (Frente de Esquerda), tinha e ainda tem maioria na Câmara Baixa e na Câmara Alta da Alemanha; o PS francês e o Partido Democrático Italiano situam-se no centro político, incapazes de aplicar uma política alternativa ao austeritarismo; o Syriza ocupou o espaço de esquerda da social-democracia, até então vazio e o novo líder do Partido Trabalhista Inglês parece querer seguir o mesmo alinhamento; em Espanha, a ascensão do PODEMOS empurrou para a esquerda o PSOE. E o PS português?

O que está, afinal, na ordem do dia, é o que a nova maioria de esquerda na Assembleia da República fará da sua vitória. Depois de não ser capaz de apresentar um programa comum, uma frente ampla eleitoral e uma candidatura única à Presidência da República! Correndo o risco, pela sua falta de convergência, não pelo seu pluralismo, de consentir numa nova e trágica derrota do nosso povo e da Constituição Democrática de Abril, face à mais importante batalha política, a luta pelo poder do estado, governo e Presidência da República. Num período em que crescem os fatores de crise geral nacional.

 O que está afinal em causa é a elaboração de acordos de incidência governativa, que foram possíveis na última legislatura contra as medidas anticonstitucionais da coligação de direita, que afastem do poder a oligarquia do CDS e do PSD nos próximos quatro anos e defendam novas medidas políticas democráticas e patrióticas.

Mesmo que a direita e o seu presidente da república celebrem, em farsa e estertor, a sua “vitória de Pirro”!

05 de outubro de 2015

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