24.10.15

“O vento do Sul predomina sobre o vento do Norte”








ou

O austeritarismo em crise conduz ao golpismo


Esta glosa política de uma antiga consigna revolucionária, que representava na sua imagem a ascensão da luta pela emancipação das nações oprimidas e colonizadas, traduz o recente reequilíbrio de forças na União Europeia, que se iniciou com a tripla vitória eleitoral do Syriza e pode ser claramente observado na trajetória política dos partidos socialistas; em rigor o vento do Sul ainda não se sobrepõe, entrámos porventura na etapa do equilíbrio estratégico:
O SPD alemão colou-se à direita neoliberal de Ângela Merk, que, sendo a líder do partido mais votado, ficou sem maioria parlamentar após as  últimas eleições legislativas, com a perda de todos os deputados do seu aliado FPD (fato que a comunicação social europeia escamoteou), quando, em conjunto com os Verdes e o Die Link (Frente de Esquerda), forma, pela primeira vez em 50 anos, uma maioria de esquerda na Câmara Baixa e na Câmara Alta da Alemanha;
o PS francês e o Partido Democrático Italiano, que se situavam no centro político, incapazes de aplicar uma política alternativa ao austeritarismo,  ao promover a política de crédito do BCE de Mário Draghi e ao opor-se à expulsão do Syriza da Zona Euro, contiveram a deriva autoritária da União Europeia e parecem querer retomar o projeto social reformador de Jacques Delors;
o Syriza,  que ocupava sozinho o espaço de esquerda da social-democracia, até então vazio, viu aproximar-se o novo líder do Partido Trabalhista Inglês, que converge no mesmo alinhamento; enquanto em Espanha, a ascensão do PODEMOS empurrou para a esquerda o PSOE, como se constata nas eleições municipais e regionais,  com o voto dos seus representantes no município permitindo a eleição da candidata do PODEMOS como alcadesa da capital espanhola e o apoio á eleição da alcadesa de Barcelona, candidata pela plataforma de esquerda Barcelona en Comú, também integrada pelo PODEMOS.
Ao que julgamos saber, nem os investidores abandonaram as duas maiores cidades espanholas, nem o crédito faltou aos dois municípios e nas duas maiores cidades espanholas a estabilidade do governo municipal é tão sólida como a diversidade dos seus constituintes e apoiantes.
O golpismo na União Europeia
O austeritarismo em crise conduziu ao golpismo na União Europeia, com a criação de sucessivos centros de poder efetivo que nenhum tratado legitimou, como foi o caso do diretório germano-francês, depois a Troika e mais recentemente o Eurogrupo, esvaziando o papel da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu. 
Foram os socialistas europeus que impediram o golpe anti-União Europeia tentado pelo governo conservador alemão contra a Grécia, são os socialistas portugueses que encabeçam a resistência ao golpe do presidente da republica e das direções atuais do PSD/CDS para subverter o princípio constitucional em que o Governo é eleito pelos deputados da Assembleia da República e não nomeado pelo presidente.
O golpe palaciano e a realidade da União Europeia
Nas suas consequências, o discurso do presidente da república anuncia um golpe palaciano contra a Constituição, em nome duma certa versão da tradição, que afronta a igualdade do voto e dos partidos perante os direitos constitucionais, mas sobretudo, invoca os superiores interesses da Zona Euro, da NATO e das regras atuais da União Europeia, acusando PCP e BE de  se oporem a todos estes “princípios” inamovíveis e assim, de criarem instabilidade e pôr em causa a integração europeia.
Vejamos a realidade das coisas.
Pode-se ser membro da União Europeia sem pertencer à Zona Euro: o Reino Unido e a República Checa estão fora do Euro e do Tratado Orçamental.
Pode-se ser membro da União Europeia sem pertencer à Nato:  estão fora da Nato, Áustria, Chipre, Finlândia, Irlanda, Malta e Suécia. Entre os cinco países candidatos à adesão à União Europeia, três não pertencem à NATO: Macedónia, Montenegro e Sérvia.
Três estratégias políticas para mudar a União Europeia
A União Europeia não é uma estrutura política rígida e monolítica, sofrendo sucessivas alterações políticas conforme mudam os seus tratados. É tradição da União Europeia que entre os seus membros existam opiniões diferentes sobre o que deve ser a sua construção política. Recentemente surgiram três propostas opostas, que pretendem modificar os atuais tratados europeus: a posição do governo socialista da França; a posição do governo conservador alemão e a posição do governo grego do Syriza. Vejamos as suas diferenças fundamentais:
Durante a crise grega que antecedeu o referendo e as novas eleições, que fortaleceram a linha política do Syryza, a alternativa do PS francês tornou-se mais concreta e politicamente orientada: O Federalismo Europeu, contra o populismo, que em França parece crescer em paralelo com a queda do PSF :
 « Les populistes se sont emparés de ce désenchantement et s'en prennent à l'Europe parce qu'ils ont peur du monde, parce qu'ils veulent revenir aux divisions, aux murs, aux grillages. Or c'est le droit qui protège, et la fédération des États-nations qui donne du poids, pas le désordre et le repli sur soi. »
Um federalismo construído com duas novas instituições, um governo da Zona Euro, dotado de um orçamento próprio e um parlamento.
“J'ai proposé de reprendre l'idée de Jacques Delors du gouvernement de la zone euro et d'y ajouter un budget spécifique ainsi qu'un Parlement pour en assurer le contrôle démocratique. »… « Ce choix appelle une organisation renforcée et avec les pays qui en décideront, une avant-garde ».
O governo socialista francês afirma querer tomar essa vanguarda federalista e reclama a herança de Jacques Delors, desde que assumiu a presidência da Comissão Europeia em 1985, quando a Europa saía da sua primeira recessão do pós-guerra. Reafirma, como Delors, que a criação de um grande mercado único europeu, programada com a celebração do Ato único em 1986 e o Tratado de Maastricht em 2002, é a sua força motriz; relembra à Alemanha que a criação da moeda única, o Euro, foi um ato político de solidariedade europeia para apoiar a reunificação alemã, equiparando-o à política de apoio à Grécia:
 « Avec la chute du mur de Berlin, il a vu avant d'autres que la réunification allemande constituait un défi politique majeur pour l'union des Européens. Et ce fut le choix de la monnaie unique, qu'il définit dès 1989 sur les principes qui ont tant pesé dans les décisions d'aujourd'hui sur la Grèce : la solidarité et la responsabilité. »
Sublinhamos este fato, porque desconhecido da opinião pública: a criação da moeda única permitiu à Alemanha financiar a reunificação do seu país e abrir os mercados de leste à sua economia e à economia dos países da União Europeia mais desenvolvidos.
E citamos uma fonte alemã para explicar como a Alemanha lucrou com a crise das dívidas soberanas: O  Halle Institute for Economic Research (IWH). Quando a crise atingiu a Grécia, em 2009/2010, os investidores internacionais subscreveram a dívida pública alemã como um dos ativos com maior segurança. Esse movimento massivo, que só começou a atenuar-se no verão de 2012, fez subir os preços a que as obrigações do Tesouro alemão eram negociadas entre os investidores. E, no mercado de dívida, preços mais altos nas obrigações representam juros mais baixos, ou seja, isso ajudou a Alemanha a financiar-se aos juros mais baixos da história da zona euro. Ora no mercado financeiro europeu, a taxa de risco das dívidas soberanas tem como referencial o juro pago pela dívida alemã, quanto mais baixo é este juro mais crescem os juros das dívidas dos outros países. Ou seja, Portugal, a Grácia, a Irlanda, Chipre e os restantes países europeus, financiaram de forma indireta, mas de fato, o equilíbrio do orçamento da Alemanha, num valor que o IVH alemão estima em 100.000 milhões de euros.
Trata-se de um mecanismo que não sendo visível pela opinião pública, é sistematicamente omitido nos órgãos de comunicação social.
Mas voltemos ao tema das propostas divergentes sobre o presente e o futuro da União Europeia. Temos pois o Federalismo proposto pelo PS francês  e também o segregacionismo proposto pelos partidos da direita alemã, que igualmente se revelou durante o confronto do Eurogrupo com o Syryza, que aqui caraterizamos sumariamente:
A proposta de expulsar do Euro os países em crise e contra mais resgates financeiros, data das eleições legislativas alemãs de 2013, não saiu do programa eleitoral da Srª Merkel, mas sim do Partido Alternativa para a Alemanha (AfD), extremista de direita, cujo candidato Hugh Bronson afirmou que conservadores e liberais vão ter que aceitar as ideias do AfD como "a única alternativa a seguir”. Menos de dois anos após, o plano Schäuble para a Grécia, que a chanceler alemã assumiu, adotou as propostas da AfD, um partido que chegou recentemente ao parlamento Europeu e ao parlamento de dois estados alemães, com 10% dos votos.
A proposta do governo Alemão de Merkel e Schäuble transformaria definitivamente a União Europeia numa estrutura política federalista antidemocrática e semicolonial. E passo à demonstração, citando, para os que acham radical esta classificação política, um extrato do plano Schäuble para a Grécia:
“a) transferência de bens valiosos da Grécia no valor de 50 mil milhões de euros para um fundo, como o Instituto para o Crescimento no Luxemburgo, para serem privatizados ao longo do tempo e reduzirem a dívida; b) reforço das capacidades e despolitização da administração grega, sob os auspícios da Comissão, para a implementação adequada do programa;”
Finalmente a proposta do Syriza:
A Europa dos cidadãos e da solidariedade, construída passo a passo, no enfrentar dos problemas comuns: a realização de uma Conferência Europeia sobre a dívida, lançada pelo Syriza e equiparada a conferência semelhante que em 1953 ajudou a Alemanha a pagar a dívida, incluindo o seu perdão, colheu o apoio dos governos da Irlanda e da Itália, de cores políticas opostas. Nos seus considerandos políticos acerca da «European Debt Conference» afirma o programa do Peloponeso:
“Include a «growth clause» in the repayment of the remaining part so that it is growth-financed and not budget-financed.
“Include a significant grace period («moratorium») in debt servicing to save funds for growth.
“Exclude public investment from the restrictions of the Stability and Growth Pact.”
Acompanhada pela  «European New Deal», um plano de desenvolvimento inspirado no programa com que os EUA enfrentaram a crise financeira de 1928-1932,   “…of public investment financed by the European Investment Bank. Quantitative easing by the European Central Bank with direct purchases of sovereign bonds."
Estas duas propostas são a base europeia para assentar os quatro pilares do Plano de Reconstrução Nacional,  constituindo o essencial do programa eleitoral do Syriza, referendado pelo voto popular, um programa democrático, de apoios às classes populares e às PME, sem expropriações ou outras medidas de carater socialista avançado:  1. Enfrentar a crise humanitária. 2. Recuperar a economia e promover a justiça fiscal. 3. Recuperar o emprego 4. Transformar o sistema político para aprofundar a democracia.
Como se vê, estamos em presença de propostas que ficam muito aquém, em termos de radicalismo, dos avanços federalistas preconizados por Hollande e o PS francês e que excluem o Syriza da categoria política de “extrema esquerda”.
Quando em 2002 os socialistas europeus aceitaram a criação do euro, no âmbito do Tratado de Maastricht, confiavam que os conservadores e liberais lhes concedessem como contrapartida a criação de um governo e de um parlamento europeus. Mas a única cedência desses setores, já com a crise financeira mundial convertida em crise especulativa contra as dívidas soberanas dos países mais fracos, foi a criação do FES_ Fundo Europeu de Estabilidade e do Mecanismo Europeu de Estabilidade, em 2012, deixando de fora os eurobonds e a mutualização da dívida contra a especulação financeira, uma das medidas escritas no programa presidencial de Hollande.
Os partidos socialistas aceitaram também trocar uma Constituição Europeia (2004-2005) escrita pelos burocratas de Bruxelas e submetida a referendo, que a rejeitou na Holanda e França, pelo Tratado de Lisboa (2007-2009), de triste memória, pois com ele terminou a regra da aprovação por unanimidade dos principais documentos e decisões políticas comunitárias.
Mas agora justificam a necessidade de avançar para um modelo de construção europeia mais federalista, face à globalização, à concorrência de novas potências emergentes e às ameaças globais à civilização, da crise ambiental ao terrorismo. E retomam os temas de centro-esquerda que a candidatura presidencial de Hollande prometeu, da transição ecológica da economia europeia ao investimento prioritário no conhecimento, de forma a atingir o objetivo de fazer da Europa a potência que equilibra o mundo.
Fica agora mais claro, que o PS liderado por António Costa se situa nesta linha social reformista, que é a dos partidos socialistas francês, italiano e espanhol, como já o foi dos seus congéneres nórdicos.
Na muito recente visita de estado à Grécia, François Hollande assinou agora um tratado de “aliança estratégica” com o governo do Syriza. Como se propõe fazer António Costa com o BE e o PCP.
França e Itália decidem violar o Tratado orçamental
Se as notícias da Europa ultrapassassem o bloqueio informativo, saberíamos que a França e Itália apresentaram as suas propostas de orçamento de estado para 2015 assumindo que não iriam cumprir as regras do Tratado Orçamental europeu. A França não as cumpre desde 2008 com défices superiores a 5%  e  proclamou que só cumpre a meta dos 3% de défice público em 2017, em vez de 2015 como está obrigada. Mas propõe-se atingir 4,3% em 2015. De forma semelhante, a Itália propõe-se atingir um défice público de 2,8% em 2015, em vez dos 1,8% previstos.
Aguarda-se que Passos Coelho e Portas, sob indigitação do corajoso presidente da república de Portugal,  proponham a imediata expulsão da Zona Euro e da União, da 2ª e da 3ª economias europeias!
As tradições da democracia portuguesa e o primado da Constituição
Se essa comunicação social não estivesse controlada pelos grupos económicos apoiantes da coligação, reconheceríamos que existem diversas tradições políticas na história da nossa democracia e, em todas elas, prevaleceu o direito constitucional e a decisão soberana da Assembleia da República, quer na escolha do seu presidente, quer na eleição do governo e do seu primeiro-ministro.
Já a  tradição nas eleições presidenciais é de convergência da esquerda contra os candidatos da direita, desde a última eleição presidencial do General Eanes, como foi o caso da candidatura de Mário Soares, cuja vitória nenhum partido contestou na época.
A tradição das alianças entre o PSD e o CDS é a das alianças pré-eleitorais na AD, quebrada pelo governo de Durão Barroso, que formou uma coligação que não estava prevista na campanha e, por esse acordo, pagou o preço de nomear para presidente da Assembleia da República um representante do partido menos votado, o CDS, fato que a atual maioria finge desconhecer, na sua crítica absurda à eleição pela maioria de esquerda do novo Presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues.
Tradição de nova quebrada pelo governo Passo-Portas, que, também ele não subscreveu nenhum acordo pré-eleitoral de governo e disputou as eleições de 2011 em confronto pela liderança da direita.
A tradição também é, contraditoriamente, de convergência do PSD/CDS no apoio a governos do PS minoritários que prosseguem a sua política ( o PSD e o CDS são corresponsáveis , por essa razão, pelos governos de Sócrates que tanto criticaram depois)  e pelo derrube desses governos quando o poder parece estar ao seu alcance, com maiorias negativas, sem coligações prévias, como aconteceu com o desgaste do último governo de Guterres e do segundo governo de Sócrates em 2011…
O Arco Constitucional e a coesão nacional
Cabe aos democratas e patriotas, e particularmente aos partidos de esquerda, o árduo trabalho de furar o bloqueio informativo, esclarecendo pacientemente a base social da coligação de direita, sobre as normas do direito constitucional, que prevalecem sobre as tradições políticas e acerca da situação na União Europeia.
Cabe-lhes ainda reforçar a sua aliança para impedir o golpe palaciano, que apenas prolongaria a política austeritária e deixaria o país exposto à especulação financeira, através de um acordo de legislatura, que alivie a austeridade sobre o seu povo e recapitalize as PME nacionais, a par da convergência numa candidatura de frente única presidencial.
Numa situação extrema de subversão do poder soberano da Assembleia da República, esta candidatura torna-se imperativa e exige uma forma superior de organização política,  a Frente Constitucional,  Democrática e Patriótica, reunindo todas as forças de esquerda, políticas e sociais e a direita democrática, como a única resposta política capaz de mobilizar vitoriosamente a resistência, o protesto e  o voto popular disperso, tal como os absentistas, pelo aprofundamento da democracia em Portugal e na União Europeia.

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