O balanço do
programa neoliberal da Troika
Se deixarmos as responsabilidades
políticas em aberto e analisarmos os resultados político sociais objetivos,
seguindo os próprios critérios da doutrina económica do neoliberalismo, o
balanço da Troika foi de completo fracasso:
Em 2014, 3 anos de recessão e 27 milhões de euros de austeridade representaram apenas uma redução do déficit público em 9 milhões de euros. As privatizações, sem rei nem roque. Saramago já as classificara, num texto escrito em português vernáculo (Cadernos de Lanzarote, 1994). A desregulação do mercado de trabalho, fruto do bloqueio da contratação coletiva e das portarias de extensão. A tão proclamada reforma do mercado de trabalho, traduziu-se afinal na redução de salários em vez de promover soluções estruturais. Níveis nunca antes vistos de desemprego, quase um quinto da população ativa não tinha emprego. Mais de 400 mil novos emigrante expatriados, 60% (?) dos quais pelo menos com uma licenciatura. Aos trabalhadores, sobretudo do setor público, e pensionistas, cortes salariais e de reforma, aumento de impostos, que atingiram também as empresas, sobretudo as pequenas e médias, como foi o caso da restauração…seguida da falência geral dos bancos nacionais.
A expropriação das PME pela política
económica do governo neoliberal
Mais de 90% das empresas
europeias e das empresas nacionais são de natureza familiar ou PMEs: empresas
familiares, micro empresas ( menos de 10 trabalhadores) e pequenas
empresas (10 e 49 trabalhadores) e
médias empresas (as que empreguem entre 50 e 249 trabalhadores),
Um dos maiores pensadores sociais
do nosso tempo, Frederico Engels, explicava porque, no século XIX, às pequenas
empresas com menos de 10 trabalhadores não se aplicava o conceito da exploração
capitalista, já que não se geravam mais-valias, isto é, trabalho social não
pago e recolhido pelo patrão sob a forma de lucro. É óbvio que hoje, com a
robotização e as novas tecnologias, este conceito tem de ser ajustado ao caso
concreto, mais ainda é válido para a esmagadora maioria das empresas familiares
e PMEs.
Essa realidade económica e
política nem sempre tem sido percecionado pela esquerda, que muitas vezes trata
estes pequenos empresários como inimigos ou, simplesmente, ignora os seus
problemas e reivindicações. Façamos um esforço para penetrar neste mundo
desconhecido, atualizando e aplicando o conceito ao Portugal do século XXI.
O ciclo de insolvência inicia-se
não pela morte súbita das empresas familiares e PMEs, mas como um doloroso
processo de agonia: as empresas começam por não conseguir pagar a totalidade do
IVA e da segurança social e renegoceiam esse pagamento, já com juros e coimas
elevadas, particularmente perante o fisco. O atraso de um só dia que seja no
pagamento das obrigações fiscais é de imediato onerado com uma coima de 25% do
valor da dívida, um ónus arbitrário que nada tem a ver com o valor do dinheiro
na economia. Trata-se de uma coima agiota, equiparável às que existem nas transações ilegais de
capital. O aumento imediato da dívida, onerada com a coima, empurra a empresa
para um ciclo mais grave de incumprimento e descapitalização.
As finanças já não concediam em
regra prazos superiores a um ano, tornando as prestações agravadas pelas coimas
demasiado elevadas; com a chegada do governo PSD/CDS, mesmo quando encetaram processos
negociais, as repartições de finanças, por instruções superiores, deixaram de
aceitar como garantia os equipamentos e a banca passou a recusar a emissão de pequenas
garantias financeiras, mesmo que da ordem de alguns milhares de euros; sem a
situação regularizada, a empresa não pode beneficiar de subsídios e apoios…o
garrote fecha-se e empurra os pequenos empresários para o incumprimento, a
subfacturação, o trabalho ilegal, a quebra de normas de higiene e segurança, o
prolongamento dos horários de trabalho da família e…finalmente, para a
insolvência ou a falência. Demasiadas vezes, para o suicídio.
Ao mesmo tempo, o Estado fica sobrecarregado com os subsídios de desemprego correspondentes aos despedimentos e todas as cadeias de valor a montante e jusante empobrecem.
Quando a crise bancária e
financeira se desencadeou em 2007, no ano seguinte o número de processos de
falências em Portugal aumentou 47%, só nos nove primeiros meses do
ano, nos setores onde predominam as empresas familiares e microempresas, tal é
o caso do turismo e do seu setor da restauração como exemplo, um reflexo da
recessão económica em aprofundamento, mas também das dificuldades de crédito.
Os anúncios de Ação de
Insolvência na Restauração publicados no Portal Citius e em Diário de República
em 2012, só foram superados pelos setores da atividades de construção
especializada e promoção imobiliária, comércio a retalho e por grosso.
Mas o aumento das taxas de juro
bancárias precipitou a chegada de uma vaga de insolvências e está seguramente
ligada ao salto negativo do seu número, que em 2011 anunciam o impacto
deferido da crise. Segundo a Nota Informativa do Banco de Portugal de 20.02.2012, “Em 2011, acentuou-se a tendência
de subida das taxas de juro nas novas operações de empréstimos, iniciada em
meados do ano de 2010. Assim, em termos médios, durante o ano de 2011, as taxas
de juro dos novos empréstimos concedidos a particulares e a sociedades não
financeiras fixaram-se, respetivamente, em 6.17 por cento e 6.12 por cento…”
Mas logo em 2012, uma simples Conta Caucionada de dois dígitos, podia suportar
juros de 17% !
Num quadro de crise e numa lógica
de mercado, o governo podia ele próprio abrir linhas de crédito para
sustentar as empresas (predominantemente PME e microempresas familiares),
possuindo para esse fim o principal banco nacional ( a CGD, com um ativo
líquido em 2010 de 125.861.739 M €) , orientadas para desenvolver o mercado
interno, substituindo importações e para o setor exportador, sem necessitar de
elevados investimentos, riscos associados, ainda maiores capitais e custos de
empréstimos orientados para criar grandes empresas que precisam de ganhar escala num mundo
globalizado.
Podia diminuir a dependência do
crédito externo revalorizando os juros dos Certificados de Aforro e outras
obrigações do estado, que foram depreciados intencionalmente para favorecer os
produtos oferecidos pelos bancos.
A falácia na análise da baixa
produtividade do trabalho em Portugal
A produtividade é,
simultaneamente, uma questão da responsabilidade da organização e gestão das
empresas e das externalidades criadas pela governação, nomeadamente a nível de
instrução e formação profissional, desenvolvimento científico e tecnológico,
política de financiamento e de internacionalização….
A propaganda liberal usa a
falácia da comparação dos níveis de produtividade nacionais com os outros
países europeus, mas escamoteia a variável custo do trabalho. Segundo o
Eurostat, em 2011, o custo do trabalho por hora em Portugal, para toda a
economia (não incluindo a Administração Pública) correspondia a 52,4% do custo
médio da União Europeia; a 40,2% do custo da hora de trabalho da Alemanha; e a
58,7% do custo da hora do trabalho na Espanha.
Em 2010, a produtividade da mão-de-obra
por empregado em Portugal correspondia a 76,5% da produtividade média da União
Europeia, enquanto os custos do trabalho por hora em Portugal correspondiam,
como se referiu anteriormente, apenas a 45,4% dos da União Europeia. E em relação à Alemanha, a produtividade
média em Portugal correspondia a 72,6% da alemã, mas o custo de trabalho por
hora em Portugal correspondia apenas a 31,4% do custo do trabalho por hora na
Alemanha; finalmente, a produtividade por empregado em Portugal era 70,2% da
produtividade em Espanha, mas o custo do trabalho por hora em Portugal
correspondia apenas a 47,5% do custo de trabalho por hora em Espanha. Se a
regra da economia liberal é indexar a produtividade aos salários, ela foi aqui
violada, pois os salários em Portugal estiveram sempre muito abaixo do seu
nível de produtividade.
A expropriação dos bens
pessoais dos empresários das PME e das empresas familiares. A expropriação das
famílias da classe média e dos trabalhadores
em geral
Só em 2012 e 2013, o Fisco
executou e vendeu 55.984 imóveis.
Num documento interno enviado aos
serviços de Finanças, e datado de Dezembro de 2012, a Direção de Serviços de
Gestão dos Créditos Tributários do governo PSD/CDS apertou o garrote às
famílias e às PME: “É desejável o aumento de processos em fase de penhora e
venda, assim como em fases conducentes à reversão [imputação de dívidas
empresariais a gestores e administradores], relativamente aos processos
existentes em fases iniciais do processo executivo”.
A hipoteca é sempre paga
preferencialmente ao banco credor o que significa que na hierarquia de credores
o banco sobrepõe-se ao Estado. Como o Fisco colocava as casas à venda por uma
fração do seu valor, que chegava a ser menos de metade do valor inicial da
hipoteca, o montante obtido com a venda da casa penhorada quase nunca chegava para saldar a hipoteca, nem para fazer face à dívida que o contribuinte tem ao
Fisco. Então, as Finanças funcionam na prática e graciosamente como cobradores
dos bancos e, mesmo sendo os executores da hipoteca o dinheiro acaba
integralmente nos cofres bancários. Essa é uma das principais razões porque o
Fisco apenas conseguiu arrecadar 15,9% das dívidas que avançaram para a fase de
cobrança coerciva.
O total de casas penhoradas e
vendidas pelo Fisco, nos primeiros sete meses de 2014 já ascendia a 49.150
imóveis, mais 75,5% do que em igual período do ano anterior.
Esta situação agravou-se com a
crise no mercado imobiliário e a deflação instalou-se implacavelmente: o fisco
passou a vender imóveis e viaturas a preços de saldo, num mercado saturado pelo
excesso de oferta e num contexto quem já é de “Inverno Demográfico”, agravado
por um saldo migratório negativo.
Em Portugal, cerca de 73,5% dos alojamentos de
residência habitual são ocupados pelo proprietário. Somos um país de pequenos
proprietários de casa própria, endividados aos bancos. Mais de 150.000 estavam
no final de 2014 em incumprimento dos seus créditos. O número de edifícios
destinados à habitação e recenseados em 2011 era de 3 543 595 e o número de
alojamentos de 5 877 991. Os alojamentos de residência secundária e vagos
representavam respetivamente 19,3% e 12,5% que correspondem a 1 133 166 e 734
846 alojamentos. A saturação do mercado é óbvia. Porquê aumentar ainda mais o
número de casas vagas, fruto do despejo das famílias que deixaram de poder
pagar?
O índice de envelhecimento do
país era de 129, o que significa que Portugal tinha então mais população idosa
do que jovem. A taxa bruta de natalidade foi em 1960 de 24,1 e passou em 2011
para 9,2. Cerca de 97.000 nados-vivos/ano. O índice de sustentabilidade
potencial de 3,4, o que significa que há 3,4 ativos por cada indivíduo com 65
ou mais anos. Em 2001 era de 4,1.
As finanças e os bancos levaram
tudo a leilão. Em meados de 2014 tinham sido penhorados e vendido pelas
finanças 76 805 bens pessoais em que entram não só as casas, mas também
salários em contas bancárias. Só carros tinham sido vendidos 25 917 este ano,
mais 77,7% do que em igual período do ano passado.
O número de penhoras ordenadas
pelas Finanças tem vindo a aumentar desde 2011, passando de 927 mil neste ano
para 2,07 milhões do ano em 2013 e já ía em
2,23 milhões em 2014. Por comparação, em 2005 apenas foram emitidas 59
mil ordens.
Entre apartamentos e terrenos que
se compram para cima de 300 mil euros e automóveis de luxo a atingir os 30 mil
euros, aparecem também terrenos e casas a custar 40 e 29 euros.
É possível encontrar camiões a
mil euros, carros utilitários entre os 100 e os 700 euros, com menos 10 anos de
idade, e ainda motas, tratores, máquinas de costura, material de fotografia,
aparelhagens, gruas e betoneiras, muitos móveis e eletrodomésticos.
Participações em empresas e em sociedades também estão à venda.
No catálogo das finanças,
apareceu uma capela, no concelho de Valpaços, que está licitada por 9 euros e
40 cêntimos. E as dívidas do proprietário levaram as finanças a colocar à venda
ainda um prédio, com dois pisos, por 3 euros e 22 cêntimos…foi uma política
fiscal bruta e cega, mas ela própria ineficaz: tudo estava à venda, tudo o que
pertencia às expropriadas e exangues famílias e PME, sem nenhuma consideração
sobre a situação concreta de cada família ou empresa, e, como resultado o Fisco
não conseguiu arrecadar 84,1% das dívidas que avançaram para a fase de cobrança
coerciva. Falhanço e impiedade social, eis o perfil amoral do governo.
Eis também os resultados da política
neoliberal, que caraterizou não apenas este período, mas vinha de trás, dos
governos do chamado” arco do poder”.
A mesma política que esvaziou as siglas da socialismo democrático, da social-democracia, da democracia-cristã, e que o seu criador Milton Friedman aplicou sem limites como conselheiro do governo fascista do Chile a partir de 1973, instaurado por um sangrento golpe de estado que assassinou o presidente eleito socialista_ Salvador Allende, que está na raiz do empobrecimento geral da América Latina, imposta por sucessivos governos saídos de golpes militares ou de eleições viciadas, e que está na origem da vaga continental de refugiados que hoje migram para os EUA, sem paralelo na historia…Política neoliberal austeritária que está igualmente na origem, primeiro da queda dos governos liderados pelos novos partidos da Internacional Socialistas, a Leste, posteriormente substituídos por partidos da direita liberal, logo varridos pela ascensão de partidos austeritários, apoiados pela extrema-direita republicana dos EUA, que recuperaram o projeto do estado forte autoritário. E que é ainda a causa da outra vaga pluricontinental, que a política económica e intervencionista dos governos neoliberais das potências intermédias, provocou em África, no Médio-Oriente e na Ásia.
Num país em que a política neoliberal, levada ao extremo no tempo político da Troika, privatizou quase tudo e o onde o seu povo sempre canalizou as suas poupanças para a compra de habitação própria, só restava à direita encontrar uma forma coerciva de entesourar recursos nos fundos de seguros e reforma privados privados: ir buscá-los aos descontos dos trabalhadores para a Segurança Social. Recorde-se que foi a tentativa de baixar unilateralmente a contribuição patronal para a Segurança Social (TSU de 23,75% do salário) que provocou a maior onde de manifestações populares genuínas a que o país assistiu depois da revolução democrática do 25 de abril.
A queda do governo de centro direita e a formação da aliança que viabilizou dois governos do PS, adiou esse projeto por seis anos: seria preciso esperar pelas eleições antecipadas de 2022, para que um novo (?) partido liberal (secundado pelos partidos tradicionais de centro-direita) viesse a terreiro prometer o rendimento máximo garantido, à custa de abocanhar em favor dos Fundos Financeiros privados, metade da Contribuição de 11% que atualmente sai da folha de salário para a Segurança Social. Estes Fundos, que entram na chamada "economia de casino", por comparação da roleta com o funcionamento das bolsas de transações de capital, ficariam completamente fora do controle dos simples trabalhadores e dos seus mentores nacionais. Pela sua insignificância em termos comparativos, o capital assim lançado na aventura da compra e venda dos papéis financeiros, pesaria tanto nas bolsas mundiais como um fósforo no palheiro dos gigantescos Fundos Abutre.
A imagem do fósforo não é inocente: a anterior crise financeiro transformou essas poupanças em cinza, mesmo e sobretudo nos EUA, onde pontificavam. É que, quando surge a mais pequena ameaça de quebra de lucros para os grandes investidores, estes desembaraçam-se de imediato dos papéis de risco e não raro, precipitam e agravam a sua queda (Recordemos o que aconteceu nos últimos dias do BES com as suas ações). Perversamente, esse capital oriundo das reformas é muitas vezes investido em títulos da dívida soberana, conduzindo a que seja a própria nação espoliada pelos empréstimos, que lhe paga aos juros! Tal já acontece com os recursos financeiros que estão confiados à atual segurança social pública, uma parte desse capital está investido nos títulos da nossa dívida, num ciclo do absurdo que exige uma nova ordem financeira internacional
Mitos e falácias sobre a
justiça, a escola pública e o SNS
Depois de colocar os magistrados,
procuradores e juízes, no rol dos privilegiados, o congresso do PSD anteriormente referido, viu o atual líder comparar o desprestígio da classe política ao da justiça. Mas os
magistrados obedecem ao princípio da dedicação exclusiva e apenas um punhado sobe ao topo da
carreira. Todos, descontam 42% do seu vencimento bruto, ao contrário da desinformação de que não pagam IRS.. Mas, sobretudo, não são quem faz as leis, nem os magros orçamentos
para a justiça, é a classe política, foram as maiorias parlamentares do chamado arco do poder e os seus governos.
Recorde-se que, até ao ano de
1999, a moldura penal para os crimes de corrupção e de colarinho branco, não ia
além de 3 anos, facilitando a sua prescrição. E que os governos e as maiorias
da Assembleia da República legislaram para que as dívidas fiscais prescrevam
aos 8 anos, as dívidas à Segurança Social após 5 anos, mas as bancárias se
estendam até 20 anos.
A proposta de incluir representantes
escolhidos partidariamente nos Conselhos Superiores da Magistratura, contrasta
com a autonomia concedida aos bancos e fundos financeiros para se autorregularem.
E segue o mesmo padrão político que carateriza o emergir a leste de estados autoritários,
membros da UE.
E não esqueçamos, que foi o Supremo Tribunal de Justiça a última barreira contra a política da Troika, quando o governo do PSD/CDS quis levá-la para além da Constituição da República de Portugal.
O ataque há escola pública
intensificou-se neste período e o seu argumentário estendeu-se até ao penúltimo
congresso do PSD e à atualidade, com a mesma propaganda: “o facilitismo”, os
alunos passam sem saber nem competências, envolvendo assim os seus professores
e um segundo argumento, o do ranking das notas das escolas, com prova da
superioridade do ensino privado e a promessa de o tornar acessível a todas as
classes.
Mas o PISA (Programme for
International Students Assessment), um relatório da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), elaborado de três em três anos,
e que mede o desempenho dos alunos de 15 anos em diversas competências,
concluiu o contrário: o sistema educativo português "é o único da OCDE que
apresenta melhorias significativas" desde a primeira edição do PISA, no
ano 2000. Afirma o Relatório. ” Portugal conseguiu que os seus alunos de 15
anos ficassem acima da média da OCDE, organização também conhecida como
"clube dos ricos", nos
domínios avaliados pelo Pisa: ciências, leitura e matemática. Assim, há pelo
menos uma década e meia, no contexto dos países europeus, Portugal mantém essa
trajetória nos seus resultados e é o único do continente europeu que melhora o seu
desempenho a cada ano. Nem mesmo nos períodos mais duros da última grande
crise, com a redução de investimentos e o ajuste fiscal imposto pelo Fundo
Monetário Internacional, pelo Banco Central Europeu e pela Comissão Europeia,
essa evolução cessou. A colocação final dos alunos portugueses posiciona o país
entre os melhores do mundo, mas distante ainda do desempenho dos sistemas
educacionais de referência global, (refere-se aos países mais ricos) conclui
a BBC News, em outubro 2019.
Partimos com dois séculos de
atraso para a alfabetização do país e depois para o sistema educativo com
integração e acesso ao ensino médio e superior. A esta luz, demos saltos
gigantescos.
Quanto ao ranking e à oposição
público-privado, a pretensa superioridade de uma sobre a outra não é confirmada
no prosseguimento de estudos no ensino superior e no futuro profissional, por
nenhum estudo ou empiricamente. Quanto aos exames finais, como se medem as atitudes e valores com base
numa única prova de exame? E como se podem comparar entidades diferentes? A avaliação
no sistemas educativos modernos não mede apenas conhecimentos, mas também
atitudes e valores, que só um processo de avaliação contínua pode percecionar e comporta inúmeros exames...
A avaliação do desempenho dos
alunos de cada escola parte do estado inicial de cada uma, que, obviamente é
diferenciado pelo estatuto social dos seus alunos, e mede os avanços
conseguidos na educação global dos estudantes. O referido ranking é, ele sim,
uma forma de facilitismo na avaliação do desempenho dos estabelecimentos
escolares, que se transforma num instrumento de propaganda neoliberal nesta
matéria. Constitui na verdade uma arma de combate político e ideológico
desigual, que pretendeu justificar perante a opinião pública o congelamento das
carreiras e o esbulho do tempo de serviço dos docentes, que só foi parcialmente
recuperado, e abriu um precedente para a
extensão destas medidas a todos os outros trabalhadores, num futuro de crise,
representando uma clara violação do artigo 17º e da correta aplicação dos
artigos 21º e 22º.da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Em relação ao Ensino Superior,
Portugal continuava a ter menos diplomados que a média internacional (25% dos
adultos, 40% na OCDE). O ensino pré-primário também tinha crescido, e Portugal
atingia então, a nível internacional, percentagens relativamente altas de
inscritos, particularmente abaixo dos três anos de idade. Quase 20% das
crianças com menos de 1 ano de idade estavam em creches, o quarto valor mais
alto em toda a OCDE, cuja média esse situava em 9%. O envelhecimento do corpo docente já era posto em destaque, nenhum governo o poderia ignorar. Mas foi isso que aconteceu...
Porquê fazer reviver este cenário
político-social? Porque este é o retrato da política neoliberal que está por
detrás do crescimento económico e a nova crise económica e financeira já rompeu caminho.
Analisemos agora a questão da Saúde.
A oposição público-privada, não é a contradição principal no nosso país.
A contradição, que está no centro
da crise de saúde em Portugal é a oposição entre os interesses dos grandes grupos hospitalares privados e os próprios consultórios e clínicas privadas, o Serviço Social e o Serviço Nacional de Saúde.
O surgimento desses grandes Grupos
Hospitalares veio distorcer o mercado de saúde em Portugal, conduzindo à
supressão e absorção de grande número de
consultórios e pequenas clínicas privadas e bloqueou o desenvolvimento dos
serviços de saúde prestados pelo setor social, os quais coexistiam em harmonia
e complementavam o SNS. Cresceu através da mutilação e canibalização do SNS
Alguns setores de esquerda têm
contributo para essa distorção, que serve sobretudo aos Grupos empresariais da
área da saúde, esquecendo aquele quadro global, metendo no mesmo saco as diferentes entidades setor privado e desconhecendo, desvalorizando, o setor social.
A distorção do mercado resulta de
os referidos Grupos privados não terem quaisquer custos relativos à formação do
capital da saúde mais valioso e relativamente
escasso, que são os seus profissionais, médicos, enfermeiros, técnicos de saúde
e outros trabalhadores. Se esses custos fossem contabilizados nos resultados desses grupos,
provavelmente os seus acionistas desistiriam do negócio.
A sua visão estratégica e ética da prestação de cuidados de saúde, parou no tempo. E joga em proveito próprio com o desperdício. O seu lucro assenta na captação de doentes para as quatro paredes das instalações hospitalares, na seleção dos pacientes que requerem as cirurgias e internamentos mais custosos, preparadas e servidas pelo máximo de atos médicos, de enfermagem, de exames e &.
Esta estratégia só pôde
desenvolver-se porque os partidos doextinto "arco do poder" lhes prepararam o terreno, com baixos salários, que afetam até os lugares de topo das carreiras médicas_ um diretor de serviço-hospitalar, professor de medicina, no final da carreira e após os descontos legais, leva para casa pouco mais de 2500 €, mas sobretudo com a proibição da dedicação exclusiva de novos profissionais de
saúde, que tinha sido reconhecida por um governo do PSD e lhe foi negada pelo
governo do PS liderado por José Sócrates, reduzindo o número dos profissionais
com esse estatuto a menos de 1/3 dos seus efetivos.
A estratégia de emprego dos Grupos
privados assenta na precaridade dos vínculos e no trabalho à hora, que abrange sobretudo
os enfermeiros. O crescimento progressivo da emigração destes profissionais,
mostra que os Grupos privados têm um papel reduzido na contenção dessa perda
incomensurável em favor doutros países europeus.
Acresce um efeito perverso para o
trabalho dos profissionais de saúde, pois os baixos salários conduzem a uma
sobrecarga horária entre o público e privado que ultrapassa as 35 horas que a
OMS considera o limite de segurança.
A distorção do mercado resulta
também de os Grupos Hospitalares privados disputarem diretamente os serviços
prestados pelos consultórios, clinicas, estabelecimentos do SNS e do setor social,
mas selecionando apenas os que representam menos custos para si mesmo e maior
gastos dos utilizadores, deixando ao SNS e aos serviços de saúde do setor
social o cuidado dos 2 milhões de
pobres, da saúde materno-infantil, dos mais velhos que necessitam de cuidados paliativos
e do enfrentamento das grandes pandemias. O papel do setor hospital privado em
todas as fases da pandemia foi residual.
Os referidos Grupos Hospitalares
beneficiaram ainda do enfraquecimento dos cuidados de saúde prestados pelo SNS,
devido à captação de muitos dos profissionais
que formou, sobretudo no setor médico, recolhem uma fatia considerável das receitas proveniente dos utentes
beneficiários da ADSE tal como dos
contratos de prestação de serviços ao SNS, sobretudo cirurgias, pagos a preços
elevados e cujo montante global ainda é mal conhecido.
Este quadro, não impediu que uma
parte dessas novas unidades hospitalares privadas apresentasse prejuízos
durante anos, como no caso de Coimbra, relativos a três hospitais privados
novos e autónomos, hoje integrados nos Grupos privados nacionais, a quem foi
concedido funcionar e realizar cirurgias sem a existência de uma unidade de
recobro capaz de prestar cuidados intensivos, apesar de ser esta atividade o
seu core business. Tal aconteceu também, no âmbito das Parcerias Público
Privadas, no caso de Braga, onde o resultado negativo terá atingido 20 milhões
de euros.
O debate centrado entre esses
grupos hospitalares nacionais e o SNS, fez desaparecer da comunicação social a
situação dos serviços de saúde prestados pelo setor social_ Misericórdias e
outras IPSS. O governo de Centro-Direita e o governo do PS, não equacionaram o
seu futuro face ao emergir no mercado dos Grupos Hospitalares privados, e o seu
desenvolvimento, a partir das suas experiências mais avançadas, exceção feita
aos períodos eleitorais.
O caso do Hospital Compaixão de
Miranda do Corvo ainda hoje sem acordo com o SNS para funcionar, e que vinha coroar o
papel vanguardista da Fundação ADFP - Assistência, Desenvolvimento e Formação
Profissional, como âncora de renascimento do mundo rural e projeto de relevância
nacional articulado com o SNS, merece uma atenção crucial para o futuro da saúde no nosso país.
A Fundação ADFP é uma IPSS sem
fins lucrativos, com 30 anos de experiência, no apoio social a crianças,
jovens, pessoas com deficiência ou doença mental crónica, idosos, mulheres
grávidas ou mães em risco, refugiados e sem-abrigo. Na lógica de integração dos
diferentes grupos sociais, no convívio intergerações e na igualdade de género. Apoia
regularmente cerca de 7 300 utentes/clientes, dos quais 480 são residentes. Uma
força de trabalho remunerado de cerca de 573 pessoas, incluindo utentes em atividades
ocupacionais, formação profissional e desempregados em CEI. 43% têm
deficiência/doença crónica, 18% são do quadro, alguns a desempenhar funções de
topo. Incluindo voluntários sem e com prémio de bolso, o número ultrapassa os
860 colaboradores. A diversificação de atividade fundamenta uma nossa
estratégia inovadora de crescimento sustentado, criando riqueza e receitas
próprias que a tornem independente.
A proximidade de uma nova crise
económica e financeira, e os indicadores que mostram não haver mercado para
tantos Grupos Hospitalares privados, senão à custa da mutilação do SNS e do
bloqueio do setor social, colocam a necessidade de equacionar um plano nacional
de reforma democrática do SNS, que o reforce, reequilibre o setor privado e
valorize o setor social. Nesse contexto, o projeto da Fundação ADFP pode
constituir um referencial nacional e representa em si mesmo a possibilidade de construir
um projeto comum que ultrapasse o sectarismo político e se torne património
da República.
Enfim, os partidos, em período de eleições,
não discutiram a situação internacional. Contudo, bem perto desta jangada de
pedra, mudou a natureza da guerra, a guerra económica transforma-se em conflito
militar, a crise ambiental em crise geral da nossa civilização, a democracia
liberal em novos regimes autoritários…Analisemos finalmente o quadro da nossa situação internacional, amarrando a jangada ao seu porto: antes, finisterra da Europa, depois pioneira do mercado mundial e hoje, porta atlântica de um novo processo de globalização, multilateral, pacífico e dirigido a um futuro comum da humanidade.
(continua)
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