Desprezando o debate da situação
internacional, os partidos infetados pela
cegueira do poder e os seus
aliados, apresentaram as suas propostas eleitorais como se os factores de crise
não se estivessem a agravar, comportando-se como os cegos do ensaio literário-filosófico
de José Saramago. Em poucos ou alguns meses, os seus programas ficarão ultrapassados e mais tarde do que cedo, terão
que tentar compreender a crise geral da nossa civilização e escolher o caminho
para a superar.
Num país onde a literacia
económica e financeira é baixa, a ideia de que crescemos menos que os países de
leste e estamos por isso na cauda da União Europeia, e que essa é a razão dos
baixos salários e da perda de direitos,
parece uma evidência aceitável.
Mas a realidade é que o bem estar
social não se mede pelo PIB per capita.
Este indicador económico esconde, mais do que revela, o nível de justiça
social de uma nação. Veja-se o exemplo dos EUA, cujo PIB per capita ultrapassou
os 60.000 USD, mas também onde esse valor está mais mal distribuído. Um por
cento da população, muito rica,
apropria-se de mais de 93º do PIB (Fonte: Reserva Federal dos EUA). O
próprio Banco Mundial e o FMI, introduziram um novo indicador, o Poder de
Compra Comparado (PPP), que representa o rendimento que em cada país permite
usufruir dos bens essenciais da sociedade moderna. Os EUA lideraram este indicador desde 1876 e
perderam a liderança em 2011, em favor da República Popular da China.
Um tal quadro, comprovado por
todas as instâncias internacionais _além dos referidos BM e FMI, a UNESCO,
etc…, conduz a que a Comissão de Direitos Humanos da ONU contabilize 40 milhões de pobres nos EUA,
embora as organizações que trabalham neste país elevem este número para 140
milhões e reconhece que a China erradicou a pobreza extrema em 2020, o que
significa que retirou dessa condição, ao longo dos 70 anos da sua existência,
850 milhões de cidadãos. Os EUA somam aos 40 milhões de pobres, a maior mortalidade infantil e a menor
esperança de vida, do mundo desenvolvido (2017, ONU, Philip Alston). A ONG Poor
People's Campaign afirma que há 140 milhões de pobres, incluindo 39 milhões de
crianças! (2018).Mais de 30 milhões vivem sem qualquer direito, pois tendo
entrado como clandestinos, ainda não lhes foi reconhecida a cidadania.
A Paridade do Poder de Compra
(PPP) é uma forma alternativa às comparações entre países, assentes no PIB,
ajustando as moedas com base no cabaz de bens essenciais que podem comprar, em
vez de comparar o seu valor nominal. Um salário nominal de cerca de 7.000
USD/ano nos EUA, não chega para pagar a habitação, a educação, a saúde e a
alimentação. Em comparação, a Segurança Social da China, universal, inclui,
além dos cinco direitos comuns ao ocidente, o direito à habitação, subsidiada
solidariamente por uma percentagem de descontos na folha salarial e outra, paga
pelo empregador, que integra a TSU.
Em artigo recente, a BBC
internacional, que se destaca na propaganda negativa sobre a China, vem
reconhecer a erradicação da pobreza extrema naquele país, recorrendo às
estatísticas do Banco Mundial, mas, omitindo dados importantes.
A linha abaixo da qual é definido
o estado de pobreza, usada pelo Banco Mundial. é de US $ 1,90 . Mas a China
exige a si mesma a elevação desse limiar acima de US $ 2,30 por dia (corrigido
pela inflação). É aí que devia entrar o
conceito de Poder de Compra Comparado (PPP).
Outra omissão, é que, enquanto o
padrão internacional da UNESCO e dos países em geral, qualifica a erradicação
da pobreza apenas com base no rendimento, a China acrescenta-lhe as Duas Garantias e as Três Direitos
(Referentes às garantias de alimentação e roupas adequadas e aos direitos de
acesso à educação obrigatória, serviços médicos básicos e casa segura para
residentes rurais e outros pobres).
Mas a propaganda anti-Chinesa
usou e usa ainda a comparação do valor nominal dos salários, para esconder a realidade e decretar que não existem
alternativas socialistas á crise das democracias liberais e à crise geral da nossa civilização.
Aproximamo-nos assim de uma
revelação, a que só chegaremos com a visão da economia política: não é o crescimento económico que determina
a distribuição da riqueza, mas a natureza política do regime, aqui comparada: a
democracia liberal dos EUA e o socialismo com caraterísticas chinesas. Tiremos
a prova real na Europa.
Também nos 42 países europeus se pode comprovar que o crescimento económico
não é proporcional à distribuição da riqueza, usando outro indicador, o AIC, o
consumo individual. Por exemplo, o PIB per capita da Irlanda é o segundo maior
da Europa, após o do Luxemburgo, mas o poder de compra dos irlandeses andava
pelo 14º lugar em 2020 (Eurostat).
Mas é o índice de risco de
pobreza ou exclusão social que melhor documenta a falácia do crescimento económico como chave mestra do
bem estar social. (Ver quadro inicial)
Em 2019, 21,1% da população da
União Europeia, ou seja, cerca de 92,4 milhões de pessoas, estava em risco de
pobreza ou exclusão social, um pouco abaixo de 2018, quando contabilizava 21,6%.
Mais de um quarto da população
estava em risco de pobreza ou exclusão social em sete países da UE: Bulgária
(32,5%), Romênia (31,2%), Grécia (30,0%), Itália e Letônia (ambos 27,3%, dados
de 2018 para a Itália ), Lituânia (26,3%) e Espanha (25,3%).
As percentagens mais baixas de
pessoas em risco de pobreza ou exclusão social encontravam-se na República
Checa (12,5%), Eslovénia (14,4%), Finlândia (15,6%), Dinamarca (16,3%),
Eslováquia (16,4%), Holanda (16,5 %) e Áustria (16,9%).
Comparando com a situação em
Portugal, os países bálticos, geralmente apontados pelo centro-direita, como
exemplo de crescimento e ultrapassagem,
de Portugal, estão afinal em maior risco de pobreza. O líder da extrema-direita
escolheu os países bálticos e a Checoslováquia (que se dividiu em dois países)
como bandeira de campanha.
Quando tomamos como critério o
acesso ao cabaz de bens sociais, sob a capa do crescimento revela-se cruamente
outra realidade:
Pelo segundo ano consecutivo (2017/2018), a habitação na República Checa (que no mapa surge como o país de mais baixo risco de pobreza) foi considerada a menos acessível na Europa, de acordo com o Índice de Propriedade Deloitte 2018. O salário médio tcheco era então menor do que o custo médio de alugar um apartamento 2+1 no centro da cidade ou perto dele.
Há 3 anos atrás, o jornal Guardian publicava um artigo do
jornalista Saša Uhlová, com o título: Se a economia tcheca prospera,
por que somos tão pobres?, aqui reproduzido: Trabalhei em cinco empregos manuais mal remunerados
na República Tcheca como repórter disfarçado. O meu objetivo era descobrir as
condições em que as pessoas no meu país trabalham em empregos não qualificados
e por baixos salários. Além da lavandaria, também experimentei uma fábrica de
processamento de aves, a caixa de supermercado, uma linha de montagem de
fábrica e, finalmente, separar o lixo para reciclagem. O meu projeto jornalístico intitulou-se
“Heróis do trabalho capitalista”. Eram pessoas que viviam no limite: Eu estava
ao lado de Marta. Estávamos a carregar lençóis pesados para um
caixote. Na semana anterior, depois de ter ido ao médico, o nosso chefe disse-lhe que ela não poderia tirar nenhuma baixa médica porque não havia
trabalhadores suficientes. Marta trabalha na lavanderia de um grande hospital
tcheco, ganhando o salário mínimo (11.000 coroas tchecas, ou cerca de £ 385 por
mês). Como ela está a pagar a dívida acumulada do passado, o seu rendimento mensal
líquido é de cerca de 9.000 CZK. Ela paga 20.000 CZK de aluguer. O Estado
concede-lhe uma pensão de viuvez, uma pensão de orfandade para o filho e um
subsídio de habitação. Tudo isso cobre apenas o aluguer. Apesar do trabalho
árduo de Marta – às vezes até 11 horas por dia – ela continua a endividar-se
ainda mais.
A habitação social é praticamente
inexistente e o Estado contribui pouco para os custos da habitação. Atualmente,
há 750.000 pessoas com dívidas de longo prazo, e os oficiais de justiça –
particulares com licença para cobrança de dívidas – tiram-lhes tanto dos seus ganhos
mensais que não podem pagar o aluguer. Isso também tem uma influência sobre suas
famílias. De acordo com o Social Watch, a cobrança de dívidas afeta 2,5 milhões
de pessoas, quase um quarto da população do país. O maior fator de angústia é o
medo de perder a casa. Karel, um colega meu, costumava trabalhar em complemento
como empreiteiro de telhas – como empresário individual. Ele endividou-se, em
parte porque não entendia completamente a parte administrativa de seu trabalho.
Com todas as suas horas extras e turnos noturnos, ganhava cerca de 15.000 CZK
por mês na fábrica. Mas depois de pagar a parcela mensal da sua dívida, restavam-lhe
cerca de 8.000 CZK. Nunca reclamou – pelo contrário, ele sentia-se grato,
repetindo sempre: “Pelo menos eles pagam o meu seguro de saúde e a previdência
social”. Quando nos conhecemos, a sua pequena casa tinha acabado de lhe ser
tirada. Desesperado por não ter um lugar
para ir, encarou o suicídio. Alguns dos meus colegas trabalhavam 12 horas por
dia regularmente – às vezes 14, às vezes até 17, e repetiam conformados o
lamento resignado de Karel…
Conclui o jornalista:
A transformação tcheca do
socialismo de Estado para o capitalismo é frequentemente considerada um sucesso,
e hoje todos os indicadores econômicos sugerem que o país prospera. Mas as experiências pessoais contam
uma história diferente. As narrativas individuais dos necessitados não são
apresentadas como problemas sistémicos de toda uma sociedade. As conquistas prometidas
pelo estado social eram vistas como equiparadas às do socialismo e os sindicatos eram ridicularizados como
relíquias do antigo regime. Durante anos, a negociação coletiva foi
praticamente um palavrão. Por isso, tornou-se bastante comum que os baixos
salários fossem acompanhados de flagrantes violações do código do trabalho, que
os trabalhadores toleravam por medo de se manifestar…
Relata a UN 'The SDG
Compass" Aproximadamente 25% da população da Letónia pertence ao estatuto
de pessoa em risco de pobreza. Os impostos não são progressivos. Como resultado, na Letônia, os pobres pagam
mais, os ricos menos. Além disso, os serviços sociais, habitação, alimentação e
cuidados de saúde nem sempre estão disponíveis para essas pessoas. Embora a maioria
dos pensionistas letões tenha uma pensão mensal de cerca de 250 euros e a
maioria dos salários da população da Letónia não exceda 1000 euros por mês, no
entanto, não se vê em nenhum lugar uma gama tão grande de carros de luxo como
na Letónia.
Por outro lado, e se partirmos de
uma análise assente na visão da economia política, e indagarmos como funciona a
sua economia e a sua democracia, descobrimos que países como a Polónia e a
Hungria evoluíram para regimes autoritários, onde os governos assumiram o controle
do poder judicial e da comunicação social, levando a cabo a destruição dos direitos trabalhistas
centenários, como o direito às 8 horas de trabalho e a imposição quase
ilimitada do trabalho extraordinário_ direitos trabalhistas que constituem parte
integrante dos Direitos do Homem consagrados na Declaração Universal da ONU_DUDH,
como o são dos direitos dos refugiados. Aqueles países foram condenados pelo
Tribunal Europeu por se recusarem a aceitar a quota de refugiados que lhe fora
destinada na crise de 2015_ em clara violação da referida DUDH, aboliram as
leis de despenalização do aborto, e…foram reabilitados pela Comissão Europeia,
na crise mais recente, como defensores da fronteira leste da UE.
A propaganda do centro-direita
que espalha a ideia de que Portugal apresenta um crescimento económico inferior
aos denominados países pobres de leste, comporta uma dupla falácia: A falácia que propaga que esses países eram
pobres, usando para isso os índices económicos formais e não o poder de compra
real, o acesso aos bens essências da civilização moderna. Na verdade, a generalidade dos seus cidadãos empobreceu com a imposição da economia liberal, ficou privado dos serviços sociais e um pequeno grupo de oligarcas tomou conta das empresas nacionais, repartidas com os grupos económicos europeus e internacionais. E a falácia que
atribui a causa essencial do menor desenvolvimento económico de Portugal, face aos países ricos,
aos gastos com o estado social. Acresce, que no quadro temporal da aliança
histórica dos partidos de esquerda, que viabilizaram os últimos seis anos de
governo do PS /(que é um partido da social-democracia, mas nunca foi do
socialismo não capitalista), a economia
do país cresceu mais que a da UE.
,,,/...continua
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