14.10.25

Na Finisterra da Europa, nada de novo


Enquanto a “bolha imobiliária” se agiganta sobre a nação inconsciente e indefesa

Nas recentes eleições legislativas, os 22,76 % do Chega representaram 1.437.881 votos, mas apenas 15% do eleitorado. Nas atuais eleições autárquicas, os 11,86 %  do Chega, representam  654.011 votos, isto é, cerca de 7% do eleitorado. É a primeira vez, que a diminuição da abstenção, com mais 400.000 votantes, não favorece diretamente este partido. Conquistou 3 câmaras e 131 lugares de vereadores, o que lhe dá uma base para se enraizar localmente. Pelo que a derrota das suas expetativas não deve ser sobrevalorizada.  Mas este partido perdeu de novo mais de 800.000 votos, um número semelhante à quebra de votação entre as legislativas anteriores e as eleições europeias, entretanto recuperados e logo perdidos. O Chega não é, pois, o dono desse voto popular e a candidatura à Presidência da República do seu presidente, significa agora uma jogada perigosa que pode representar outra vez uma quebra significativa em relação às legislativas ou, o relançamento do partido, que ainda tem pés de barro: de facto, o Chega  é promovido sobretudo pela propaganda dos principais órgãos de comunicação social  e por milhares de perfis falsos do Facebook, cresce onde antes crescia o partido comunista, sob a bandeira do combate à corrupção. Quando, afinal, quem combate a corrupção são procuradores e juízes, com falta de recursos e a polícia judiciária. São estas entidades que combatem as máfias  da emigração clandestina e os seus beneficiários, contra os quais o Chega nada propõe, isto é, os criminosos que a promovem, enquanto o Chega desvia o ataque para as suas vítimas, os emigrantes pobres e trabalhadores dos quatro continentes. E ainda mais crucial,  a causa maior da corrupção, não está na mira do Chega e  dos partidos do centro-esquerda e da direita: foi e continua a ser a privatização dos bens públicos e a desregulação dos negócios, com o foco no imobiliário.

O PCP, sobretudo e a UDP/PCR, cresciam sobre as raízes da  luta dos seus fundadores e militantes contra o fascismo e a guerra colonial, respeitados pelo sacrifício dos seus presos políticos e mártires da liberdade e da paz. E, já em plena democracia liberal, o seu trabalho político assentava no esforço de consciencialização, organização e ação popular, iluminado pelo pensamento de uma parte da intelectualidade progressista e encorajado pelas conquistas do socialismo mundial, que se perderam, sem que as suas lideranças alguma vez se  reconhecessem na nova experiência histórica do socialismo ecológico da República Popular da China e do seu projeto de Ecocivilização, que desconhecem ou recusam, por dogmatismo. Como o país ignora, intoxicado pelas notícias falsas que os cinco maiores empórios da comunicação social a ocidente, compartilham entre si: a Caverna que Saramago denunciou nos seus escritos!

Se torturarmos os números eleitorais, eles dizem-nos o que queremos ouvir

Nas eleições autárquicas, o PSD ganhou votos e autarquias. Mas sairia derrotado em Lisboa se o PCP tivesse integrado a coligação liderada pelo PS, obtendo afinal um resultado duplamente negativo: os seus votos fariam a diferença na coligação de esquerda e perdeu um vereador. E o PSD perderia o Porto, se a CDU, o BE ou o Livre, tivessem integrado a coligação, e perderia Braga e Aveiro. No Porto e Aveiro, o eleito do Chega é agora o fiel da balança, nem CDU nem BE reelegeram o seu vereador naquela cidade, e a CDU perdeu o seu vereador em Coimbra. Assim não sendo, o BE desaparece das vereações. O PS (menos 22 câmaras, 119 vereadores e 150.000 votos) e CDU (menos 7 câmaras e 55 vereadores, 1/3 das suas câmaras, dos vereadores e dos votos ), continuam lentamente, a cair, e, no horizonte da próxima disputa política, as suas candidaturas presidenciais são irrelevantes.

Este quadro de divisão não significa que a responsabilidade pela ausência de um acordo de frente ampla à esquerda, nos diversos escrutínios,  seja dos partidos cm menor dimensão; nas autarquias, desconhecemos se o PS o procurou, wm Lisboa e no Porto,  e é duvidoso que alguma vez aceitaria que o representante de um desses partidos encabeçasse uma lista comum. Mas também é óbvio que o PCP não trata o PS como um aliado. As direções do PCP e do BE compraram a ideia, soprada pelos ideólogos da direita, que o acordo parlamentar de apoio  aos governos de António Costa foi a causa da sua perda de influência e as suas dissidências partilham esta visão, mesmo contra a evidência que o Livre cresceu sempre, enquanto apelava à unidade na ação contra a política neoliberal e sem nenhum fundamento na consulta popular.

Uma vez mais, apesar do crescimento parlamentar da extrema-direita e a disseminação das suas posições anti emigração entre as cúpulas do PSD e mesmo do PS, o  Livre não foi ouvido no seu apelo a uma frente ampla da esquerda e a sua debilidade orgânica não lhe permitiu aumentar sensivelmente a representatividade autárquica. Também a volatilidade da sua votação constituiu um aviso à navegação para a sua liderança.

A Iniciativa Liberal perde a sua imagem autónoma, conotada agora como um apêndice do PSD, obteve resultados insignificantes em candidaturas autónomas, e a sua representatividade autárquica continua residual, dependência de que o CDS não se distancia, apesar de manter as 6 câmaras, pois perdeu votos e eleitos quando se apresentou sozinho.

A “bolha imobiliária”,  especulação urbana, deflação rural

Duas questões políticas estiveram ausentes do debate autárquico e essa responsabilidade pertence sobretudo à esquerda e à direita constitucionalista,  esta  quase residual: Primeiro, a crise ambiental, cuja evidência maior é o abandono do mundo rural e a devastação provocada pelos incêndios. Segundo, o abandono do imperativo constitucional da regionalização, que, em Portugal, deverá ser feita com os presidentes das câmaras, reforçando o seu poder político através da constituição de uma Câmara Alta Regional ( O Senado Regional) e uma Assembleia Regional eleita pelo voto universal, de onde emane o governo regional, com autonomia política e financeira.

Pergunto: o nosso mundo rural, em agonia, vê abrir-se um caminho na mudança da composição social das suas cidades e o sinal dessa transformação é a vitória de um tipo novo de presidentes do PS, sobre a direita tradicional, em Viseu e Bragança, como o fora anteriormente em Mação ou no Fundão…?

E, neste ponto, cabe a referência à atividade parlamentar do Livre, que na sessão legislativa anterior queria levar a regionalização a referendo e a sua proposta de criação de um círculo eleitoral nacional, a exemplo dos Açores, que permitiria aumentar a representatividade popular na Assembleia da Republica, e combater a chantagem política do voto útil.

A crise da habitação tem uma face oculta: todos os anos, dezenas de milhar de habitações entram em ruina nas aldeias e vilas do nosso mundo rural, até às portas das suas cidades. E com elas, os muros de suporte dos socalcos e de defesa da terra arável das quintas, solo, matéria-prima da vida, que não se importa e que a meteorização das rochas e a compostagem das plantas, por milhões de invisíveis seres vivos decompositores,  demora séculos e milénios a produzir. Solo, escasso em Portugal e que as plantações de eucaliptos esgotam e tornam improdutivo e depois, abandonadas ao fim  de uma dúzia de anos, se transformam em incultos, cada árvore metamorfoseada num feixe de paus de fósforo, rodeados de pinheiritos, que emergem como acendalhas e inútil para impedir que as grandes chuvas arrastem toneladas de solo para os rios e ribeiros. Solos periurbanos, que com a nova lei vão ser impermeabilizadas, preparando o ciclo de violentas e mortais cheias.

Em anos recentes, o ex-Diretor General dos Edifícios e Monumentos Nacionais, o saudoso Engº Vasco Costa, calculava a perda deste património construído em mais de 2% do PIB. Solos, onde escasseiam as florestas naturais de folhosas, que são o suporte do mosaico agro-silvo-pastoril que cortava o passo aos incêndios,

Deflação mais inflação das obras/especulação da oferta no mundo rural, significa que o mercado como regulador deixou de funcionar, as compras são raras e o seu valor fica abaixo do cálculo do IMI registado nas finanças, e a reabilitação, demasiado cara. A bolha já se tornou em chaga nesse mundo rural abandonado. Com tantas promessas de construção urbana dos autarcas eleitos, haverá provavelmente um novo surto especulativo, mais inflação que come os salários das classes média e baixa, depois, chegará a hora em que obscuros Fundos Imobiliários fugirão deste setor e na queda dos seus valores, serão arrastados os senhorios e proprietários que se endividaram na banca para obter lucros imediatos com o Alojamento Local ou uma residência de família a pagar a 30 ou 40 anos.

A queda da Europa

É que, entretanto, o modelo europeu de desenvolvimento entrou em falência: a locomotiva alemã quebrou_ com a retração do mercado pelo COVID, a sabotagem dos North Stream, a Lei de Combate à Inflação do Governo Biden_ um subterfúgio para sugar o capital europeu com taxas e descontos que violam as regras da OMS, o boicote pelo Parlamento Europeu, sob pressão dos EUA, do Acordo de Investimento Global com a China, que abria amplamente o seu mercado à União Europeia, a rendição da Comissão Europeia às taxas do Governo Trump, mas sobretudo, a opção estratégica por aperfeiçoar a velha indústria pesada em vez  da transição para a economia do conhecimento e a transição ecológica, mais o golpe de misericórdia, a militarização da UE em favor do complexo militar -industrial dos EUA e dos seus sócios europeus.

A previsão do FMI/Agência Bloomberg para  o período de 2004/2009, no que toca à contribuição para o crescimento da economia mundial, coloca a Alemanha no patamar de 1,7%, juntamente com o Egipto e o Japão. Atrás da Federação Russa, com 2,1%, o que reforça a ideia de que o seu governo não será vencido com sanções, mas também não disporá de recursos para sustentar qualquer projeto de conquista. A China, na liderança,  com 21,7%, seguida pela Índia, com 14,8%, os EUA, com 11,6%, a Indonésia com 3,5%…

E se tomarmos como referência a produção industrial estimada para 2030 pela Agência da ONU para o Desenvolvimento Industrial, a diferença é abissal: o contributo da Chima será de 45%, dos EUA de 11%, do Japão 5%, da Índia 3%, da Alemanha e Coreia do Sul de 3%, do México, Turquia e Indonésia, de 1%...

O modelo económico dominante em Portugal, crescer para exportar para a UE e os EUA, focado no turismo de baixo valor acrescentado,  a que tudo foi sacrificado, entrou já em crise. Na véspera das legislativas, em conferência interna, a maior organização empresarial do país,  a Confederação do Comércio/Fórum dos Serviços_ que representa cem mil associações, duzentas mil empresas com um milhão e quatrocentos mil trabalhadores, questionava o Relatório Draghi e colocava em debate o problema central da nossa economia política:

“ Existe a possibilidade de podermos (Portugal) ter um modelo próprio dentro da União Europeia? Ou seja, de Portugal criar um espaço diferenciado no quadro da UE, com base, nomeadamente na valorização do território e das cidades e na atração de talentos? Pode Portugal, por exemplo, ser a «Irlanda» da China? Que relações próprias podemos procurar ter com os E.U.A.?”

Mas deste eco que não foi ouvido nas legislativas, nada parece ressoar para as presidenciais! A nação caminha cega e surda, aturdida pelos novos arautos do ódio partidário e da xenofobia (a raiva contra o emigrante), para se devorar a si mesma, abandonada pelos seus filhos mais diletos.

A ocidente nada de novo, se não fora a Espanha pro-palestina, a França Insubmissa e no coração da pérfida Albion (Inglaterra), o renascimento da social-democracia, agora com dimensão ecológica, se não fossem as greves gerais (pela Palestina na Itália trumpiana) e na conservadora Bélgica…

E se no Sul Global, não estivesse a ser construída, em paz e cooperação, não pela violência das guerras e das taxas, uma nova ordem internacional:












A China, desempenha hoje um papel fundamental na negociação dos conflitos e na contenção da guerra. Nos últimos anos a China, o Brasil, Angola e os restantes países de língua oficial portuguesa, têm vindo a contruir um polo comum do multilateralismo, com uma crescente influência na política mundial, convergindo na defesa da paz e do desenvolvimento sustentável.

Se Portugal não se integrar, cada vez mais, nesse polo (sem ter de excluir a UE e outras parcerias internacionais), nos planos cultural, político e económico, nos próximos decénios, a sua diplomacia global tornar-se-á completamente irrelevante.


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