15.10.23

“Viva, la muerte!”

 


O Ministério da Saúde de Gaza diz que os hospitais já não têm camas disponíveis. É o dia 13 de outubro, na Palestina ocupada. O ministro da defesa de Israel decretou o corte da água, da luz e dos abastecimentos para 2,1 milhões de palestinianos aprisionados no que resta do seu território

Diariamente atualizo a colheita da velha ceifeira: Mais de 12.000 civis feridos (atualizado) e de 4.300 mortos (atualizado) entre os quais, 1.500 (atualizado) crianças assassinadas. Mais de 70 mortos na Cisjordânia ( West Bank). Só nas últimas 24 h, mais de 340 pessoas foram mortas pelos bombardeamentos israelitas, entre os quais 127 crianças.

Acrescem 14 funcionários da ONU e 12 jornalistas; 15 médicos e profissionais de saúde; mais de três dezenas de unidades de saúde e ambulâncias bombardeadas e o principal hospital de Gaza intimado a evacuar completamente as suas vítimas, em escassas horas. As escolas da ONU, que eram consideradas lugares de refúgio e santuários nos anteriores conflitos, estão agora sobre fogo, mais de uma dezena foram atacadas, o que explica a elevada mortalidade entre os menores, funcionários, mulheres e idosos..

O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que a situação em Gaza atingiu "um novo e perigoso mínimo", acrescentando que "mover mais de um milhão de pessoas através de uma zona de guerra densamente povoada para um lugar sem comida, água ou alojamento, quando todo o território está sitiado, é extremamente perigoso – e em muitos casos (...) impossível”. A Organização Mundial da Saúde, avisa que o bloqueio e a expulsão provocarão uma hecatombe sem precedentes. Mais de  uj milhão (atualização) pessoas já foram deslocadas internamente em Gaza devido aos perigos dos bombardeamentos e à destruição das suas casas, afirmou o porta-voz da ONU, Stéphane Dujarrice.

As origens e a natureza política da guerra

Em 1948, 750.000 palestinianos foram expulsos das suas terras pelo terrorismo sionista e a maioria encontrou refúgio em Gaza. Agora, a ordem de expulsão do governo de Israel ultrapassa mais de um milhão e cem mil. Nenhum governo árabe aceita esta nova limpeza étnica. O governo de Gaza não tem para onde recuar. A ofensiva israelita conduzirá ao genocídio dos palestinianos. O argumento de que a sua missão é localizar e libertar os reféns, é uma trágica falácia. Segundo o Hamas, 22 dos reféns terão já sido vítimas dos bombardeamentos.

Enquanto a Comissão Europeia se contradizia, com avisos de retirada de apoios humanitários à Palestina e apelos piedosos ao governo de Israel para que respeite o direito internacional,  falou o chanceler alemão, para acusar o presidente da Palestina, de um vergonhoso silêncio, enquanto o parlamento aplaudia. É um silêncio de luto, sr. chanceler e estes sinos que Hemingway ouviu, tocam agora por nós, pelo fim da democracia liberal em Israel, que já agonizava antes desta guerra, pela mutilação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que o seu país não promoveu porque ainda mal renascia da ditadura nazi, pela ocidental hipocrisia no aniquilamento dos direitos humanos em todas as Palestinas, que a elite política e financeira ocidental reduziu a escombros e a campos de morte. A morte, que atinge também o povo de Israel, 1.400 mortos e 4.000 feridos (atualizado) nesta guerra, enganado com a propaganda de " cúpulas de ferro" inexpugnáveis e ofensivas punitivas esmagadoras, que afrontavam não apenas os militantes do Hamas, mas toda uma nação espoliada e enclausurada na sua própria pátria. E, a comunicação social manipulada, para justificar a escalada de violência: Mas, não há confirmação independente do assassinato de bebês pelo Hamas; a notícia foi dada por uma jornalista que acompanha as forças especiais e contradita pelo testemunho de uma jovem refém israelita dessa aldeia a quem o Hamas confiou duas crianças e que foi libertada às portas de Gaza. A sua entrevista televisiva correu mundo. Entre os mortos contam-se mais de três centenas de militares e policias, que Israel não discrimina totalmente, e incluem os guardas e paramilitares dos colonatos. Pelo menos dois massacres cometidos pelos militantes do Hamas, o pior de todos na festa internacional de um kibutz, com 260 assassinatos, estão comprovados. E milhares de foguetes foram lançados sobre a cidades israelitas, indiscriminadamente.

A questão é que, fora desse círculo privilegiado a que chamam ocidente e para além do terror dos extremistas e dos desesperados, existe um vasto mundo, que nos vê como realmente somos, que vos vê como cúmplices da barbárie!

A ofensiva do Hamas foi efêmera e a onda de solidariedade que Israel recebeu, logo se começou a inverter com a dimensão e brutalidade da resposta do seu  governo.

No mundo existem várias civilizações, que pertencem a uma só árvore da cultura da Humanidade, e olham umas para as outras de forma diferente. O terror do Hamas não é a opção que as grandes massas árabes e muçulmanas e os seus líderes aclamam nas ruas, mas o direito do povo palestiniano a recuperar a sua pátria e a viver em paz, apesar das TV  e as agências monopolistas, filmarem a minoria extremista para que não vejamos a multidão, de seres humanos como nós. Só que, desta vez, estão lá as Nações Unidas em peso e o seu Secretário-Geral cumpre a sua missão. E há comunicação social árabe, dos próprios países aliados dos EUA e do Reino Unido, que não desviam as Câmaras, não escondem os cadáveres, praticam o contraditório e são assassinados no cumprimento da sua profissão.

O modo como as democracias ocidentais reagirem à ofensiva do governo de Israel vai determinar se nos próximos anos teremos ou não uma nova vaga de terrorismo islâmico, com o suporte popular dos que nada têm.

Quando o Ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, disse que seu país imporia um “cerco completo” ao enclave há muito bloqueado e enfatizou o que isso significava para seus 2,1 milhões de habitantes: “Sem eletricidade, sem comida, sem água, sem gás – está tudo fechado." O Secretário-Geral da ONU interveio: “Esta violência mais recente não surge no vácuo”. “A realidade é que surge de um conflito de longa data, com uma ocupação de 56 anos e sem fim político à vista…Embora reconheça as legítimas preocupações de segurança de Israel, também lembro a Israel que as operações militares devem ser conduzidas em estrita conformidade com o direito humanitário internacional”, disse Guterres.

Tal não aconteceu: O governo atual de Israel já não pertencia ao grupo das democracias liberais e os seus líderes foram condenados, pelos tribunais de Israel, e pelo seu povo nas ruas, como criminosos corruptos e autoritários. Há também uma pesada responsabilidade no radicalizar do conflito, com a construção ilegal de colonatos no território que os acordos de paz conservaram como palestiniano: são 700.000 colonos, financiados pelo lobby judaico americano e apoiados pelos governos israelitas; foi sobre eles que se concentrou a ferocidade dos ataques terroristas do Hamas.

O Hamas, que, na sua origem,  era um dos ramos da Irmandade Muçulmana, radicalizado pela ocupação israelita e a sua resposta violenta à Intifada,  foi financiado pelos serviços secretos de Israel e dos seus aliados, para dividir e enfraquecer a unidade e autoridade palestinianas, representada pela OLP ( e alargar a frente de combate ao regime sírio), a quem ganhou as eleições em 2006, e não apenas em Gaza, e entrou em conflito militar, expulsando-a daquele território; prevaleceu depois um acordo de reconciliação com a Fatah, que mantém dois governos autónomos na Palestina. A partir de 2005 o Hamas abandonou os ataques suicidas contra Israel e assumiu a sua oposição ao estado israelita, numa base política, aceitando ambiguamente  o projeto de dois estados étnicos, sob algumas condições. Apesar dos EUA e a União Europeia classificarem o Hamas como terrorista, países como a Austrália e o Reino Unido  consideram como organização terrorista apenas o braço militar da organização - as Brigadas al-Qassam. Outros países, como a África do Sul, a Rússia, a Noruega e o Brasil não consideram o Hamas como organização terrorista.

Tal como no Afeganistão, quando estava sob influência da Rússia, o governo dos EUA apoiou a Al Qaeda, a criatura virou-se contra o criador e, se apoiada pela Arábia Saudita e  pelo Irão, é o próprio Secretário de Estado dos EUA quem afirma:  “Não vi evidências do envolvimento do Irão”: Antony Blinken, sobre o Hamas

Sua Excelência, o chanceler da bruta Alemanha, vestido com a farda social-democrata, decidiu agora suspender o apoio humanitário à Palestina. E do fundo século passado, ergue-se um grito de aplauso: “Viva, la muerte!”

A guerra como solução política é uma farsa trágica para Israel

Na Constituição da República Israelita, Israel é classificado como um estado religioso judeu e democrático, só que na prática política dos partidos dominantes, os árabes palestinianos, que constituem 20% da sua população, continuam a ser privados do usufruto pleno da cidadania democrática.

Já não se trata da defesa de Israel. O ataque do Hamas constitui, do ponto de vista militar, uma sangrenta mistura de terrorismo e incursão militar, que rapidamente se esgotou, sem constituir uma ameaça existencial para o estado israelita. O governo autoritário de Israel conduz os seus soldados para uma batalha sangrenta que não visa uma solução política e a paz entre as duas nações.

Com a continuação da guerra, o governo pretende fazer esquecer a sua política de falsa segurança, assente na demagogia militarista_ “a cúpula de ferro” e na escalada da repressão e o seu projeto de desmantelamento da democracia em Israel. A declaração de guerra coloca nas mãos do primeiro-ministro e do ministro da defesa, todo o poder de decisão.

O governo comete às suas forças armadas, protegidas por um exército blindado e o domínio dos ares, o equivalente papel político da blitzkrieg que devastou a Polónia e as fronteiras da URSS, ou como aconteceu no massacre de Nanquim pelos imperialistas japoneses, com bombardeamentos sem quartel sobre cidades e civis e uma vaga de monstros mecânicos que arrasavam tudo à sua passagem. Sob o pretexto de salvar os reféns e exterminar a ameaça militar do Hamas.

Mas, até o dilúvio não foi eterno, e as águas recuaram! As privações e o massacre de crianças e idosos, mulheres desarmadas, crimes de guerra (onde está o Tribunal Penal Internacional?), levantará contra o estado de Israel todo o mundo muçulmano, mas também todas as nações democráticas, não importa o que digam e desdigam os seus líderes, e sobretudo, manchará para sempre a memória do holocausto e ocupará na história uma nova página, a do holocausto palestiniano, como o preço incomensurável a pagar pela sua libertação,  após mais de meio século de ocupação e  guerra, imposto pelo estado israelita, das antigas vítimas!

E arrastará consigo a queda, já em curso, do modelo imperial da democracia e da hegemonia americanas: “ vencerão (?), mas não convencerão “, respondeu Unamuno, ao berro do general fascista, para sempre.

A falência da União Europeia, como mediadora da paz 

Os membros do Conselho Europeu, que representa os governos da UE, ao omitirem o apelo ao cessar-fogo e a uma solução negociada da guerra, tal como ao fim do bloqueio dos bens essenciais à sobrevivência dos palestinianos de Gaza, tornaram-se cúmplices de uma guerra de genocídio que enlutará ainda mais as duas nações, perdendo qualquer possibilidade de mediar a paz e reconciliação entre o povo palestino e o povo judeu. Invocando a libertação dos reféns, colocam-os em maior risco de morte e aniquilamento, seja pelos bombardeamentos que já teriam custado a vida a 22, quer pela violência incontrolável da guerra de extermínio que se anuncia.
Uma vez mais, afirmam a ausência de uma política autónoma internacional face aos interesses estratégicos dos EUA, que lhes dita o seu alinhamento na guerra ao lado de um governo que se preparava para subverter a democracia no seu próprio país e desrespeita as resoluções das Nações Unidas sobre a coexistência pacífica de dois países na Palestina.

O governo social democrata (?) da Alemanha lidera os belicistas, oferecendo a Israel armas e munições, numa deriva militarista e cínica que parece ser também motivada pelos cálculos eleitorais e a perda de apoio interno, dando o exemplo europeu de alargamento e escalada do conflito, que o governo dos EUA já assumiu. 

A paz no Médio Oriente só é possível com a independência da Palestina – Erdogan. O Presidente turco referia-se à implementação da resolução da ONU de 2012 sobre a criação de um Estado palestiniano independente dentro das fronteiras de 1967. É preciso, a ocidente, esperar pelo presidente turco, para ouvir uma voz em defesa da solução política do conflito, conforme o direito internacional e as resoluções das Nações Unidas!?

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