2.9.23

A guerra na Ucrânia e as minorias nacionais. O cessar-fogo, condição essencial da negociação da paz



     Foto das negociações de paz de Fevereiro de 2014,
     inicialmente bem-sucedidas e logo denegadas
Foto que ilustra a notícia: Donetz.
O Governo ucraniano afirma ter recuperado o controlo da cidade de Avdiivka.... Durante a tentativa de tomar a cidade, vários prédios civis acabaram destruídos pelos ataques das forças do Governo (TVI, 30.07.2014).

A Ucrânia é um país multinacional, esconder esse facto leva a que a visão da guerra seja deturpada. Este artigo, vem chamar a atenção para a importância das minorias nacionais, no quadro da guerra civil e da invasão russa.
Por outro lado, os ucranianos são a terceira etnia mais numerosa da Rússia, com três milhões de pessoas.
Os russos étnicos vivem em toda a Ucrânia e são a mais numerosa minoria étnica neste país. Representam também a maior comunidade russa fora da Rússia. No censo ucraniano de 2001, o último realizado, foram identificados 8.334.100 ucranianos de etnia russa (17,3% da população); em 48.457.000 cidadãos da Ucrânia; mas em 1979 chegaram a ser 10.471.602, 21,1% entre os 49.609.333 ucranianos. Atualmente, a população da Ucrânia poderá já ser inferior a 30 milhões.

Nikita Khrushchov, criou-se e viveu como ucraniano. Nascido numa aldeia fronteiriça entre os dois países, herói de Stalinegrado, tornou-se líder do governo soviético da Ucrânia até ser escolhido como primeiro-secretário do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética e Presidente do Conselho de Ministros de 27 de março de 1955 a 14 de Outubro de 1964. Leonid Brezhenev, nascido ucraniano, foi secretário-geral do Partido Comunista soviético de 1964 a 1982 e presidente da URSS entre 1977 e 1982. Konstantin Chernenko, igualmente de origem ucraniana, foi Presidente do Soviete Supremo da URSS e Secretário-Geral do Partido Comunista de 1984 até sua morte em 10 de Março de 1985, e Chefe Supremo do Politburo, o segundo mais alto cargo na hierarquia soviética, de 1971 até 1984, quando assumiu, de facto, o mais alto cargo do país.

O oeste e o centro do país apresentam uma percentagem mais elevada de russos nas cidades e centros industriais e uma percentagem muito menor nas áreas rurais. Devido à concentração dos russos nas cidades, bem como por razões históricas, a maioria das maiores cidades do centro e sudeste do país (incluindo Kiev, onde os russos representavam 13,1% da população), permaneceu em grande parte russófono. No início do século 20, os russos eram o maior grupo étnico nas seguintes cidades: Kiev (54,2%), Kharkov (63,1%), Odesa (49,09%), Mykolaiv (66,33%), Mariupol (63,22%), Luhansk (68,16%), Berdiansk (66,05%), Kherson (47,21%), Melitopol (42,8%), Yekaterinoslav (41,78 %), Kropyvnytskyi (34,64%), Pavlohrad (34,36%), Simferopol (45,64%), Feodosiya (46,84 %), Yalta (66,17%), Kerch (57,8%), Sebastopol (63,46%), Chuhuiv (86%).

Atualmente, os russos constituíam a maioria na Crimeia (71,7% em Sebastopol e 58,5% na República Autônoma da Crimeia), a península que o governo soviético de Khrushchov transferiu da RSFS russa para a RSS ucraniana em 1954.

Fora da Crimeia, os russos constituíam o maior grupo étnico em Donetsk (48,2%) e Makiyivka (50,8%) no Oblast de Donetsk, Ternivka (52,9%) no Oblast de Dnipropetrovsk , Krasnodon (63,3%) e Sverdlovsk (58,7%) e Raion Krasnodonskyi (51,7%) e raion Stanychno-Luhanskyi (61,1%) no Oblast de Luhansk , Izmail (43,7%) no Oblast de Odesa , Raion Putyvl (51,6%) no Oblast de Sumy…

No Oblast de Zaporizhzhya, 24,7%, no Oblast de Kherson, 14,1%.

A guerra civil: do massacre de Odessa à investida militar contra o Donbass

Partidos como o Partido das Regiões, o Partido Comunista da Ucrânia e o Partido Socialista Progressista, eram particularmente populares na Crimeia e nas regiões sul e sudeste da Ucrânia. Nas eleições parlamentares de 2012, o Partido das Regiões conquistou novamente 30% e o maior número de assentos, enquanto a Pátria (sucessora do Bloco Yulia Tymoshenko) ficou em segundo lugar com 25,54%. O Partido Comunista da Ucrânia aumentou a percentagem de votos nesta eleição para 13,18%.

A guerra civil, que resultou do golpe de estado de 2014 contra o governo do Partido das Regiões, eleito democraticamente em 2012, neutralista face à NATO e defensor da equidistância entre as relações com a EU e a Federação Russa, não foi no início uma guerra entre russos e ucranianos, mas sim entre os defensores da ordem constitucional e o golpismo, apoiado nas milícias de extrema-direita e abertamente pelos EUA, mais tarde, também pela cumplicidade dos governos da Alemanha e da França, que tinham negociado a realização de eleições antecipadas para a RADA, parlamento e cederam à pressão americana. Uma das primeiras medias do governo golpista foi a proibição do uso público da língua russa, do seu ensino nas escolas e do seu uso social, numa nação onde mais de 30 milhões de cidadãos falavam esse idioma e partilhavam a sua herança cultural. Ao mesmo tempo, a história da Ucrânia foi revista, os colaboradores da invasão nazi, liderados por Bandera reabilitados, eles que foram os exterminadores de mais de um milhão de judeus ucranianos e bielorussos. Os monumentos soviéticos, a libertação da Ucrânia custou ao Exército Vermelho, composto por soldados de toda URSS, mais de um milhão de mortos, foram banidos.

Se os protestos foram esmagados em cidades como Odessa e Kharkov, no Donbass e na Crimeia, transformaram-se numa rebelião popular com a formação de milícias armadas. Se os protestos foram esmagados em cidades como Odessa e Kharkov, no Donbass e na Crimeia, transformaram-se numa rebelião popular com a formação de milícias armadas.

Recordemos o massacre de Odessa, onde 42 pessoas foram queimadas vivas e 200 ficaram feridas, na Casa dos Sindicatos. No dia 2 de maio, dois meses após o golpe de estado da Praça Maidan, a Praça Kulkova estava ocupada por manifestantes que protestavam que reclamavam um referendo sobre a federalização das regiões do Leste e do Sul da Ucrânia, opositores do governo golpista, onde pontificava o partido Svoboda, neonazi. Este conclamava ao expurgo da “máfia moscovita-judaica” e “outra escória”, incluindo gays, feministas e aqueles que integram a esquerda política. Um numeroso e armado bando neonazi invadiu a Praça Kulikovo, incendiou as tendas do acampamento em favor do referendo, espancou e abriu fogo, perseguindo depois os manifestantes em fuga, que procuraram refúgio no prédio da Casa dos Sindicatos. Neutralizada a polícia e bloqueados os bombeiros, a Casa cercada foi incendiada com Coquetéis Molotov e aqueles que em desespero, saltaram pelas janelas tentando escapar, foram linchados a pauladas e pontapés. Entre as vítimas da Casa dos Sindicatos, deputados e vereadores, mulheres, garotos do Konsomol [Juventude Comunista] e até crianças. A comunicação social aplicou a regra da inversão de Orwell, tal como os líderes do novo regime, noticiou os incidentes, à procura do rastro russo’. Mas a barbárie tinha uma testemunha ocidental, jornalista, correspondente de muitas guerras e escritor premiado, o australiano John Pilger, radicado no Reino Unido. É dele que vem a denúncia sobre o golpe de Maidan. “Em Fevereiro, os EUA montaram um dos seus golpes ‘coloridos’ contra o governo eleito da Ucrânia, explorando protestos genuínos contra a corrupção em Kiev. A secretária de Estado assistente, Victoria Nuland, selecionou pessoalmente o líder de um ‘governo interino’. Ela alcunhou-o como ‘Yats’. O vice-presidente Joe Biden veio a Kiev, tal como o diretor da CIA John Brennan. As tropas de choque do seu putsch foram fascistas ucranianos”. E a acusação da presença em Kiev do diretor da CIA John Brennan, “com ‘unidades especiais da CIA e do FBI a instalarem uma estrutura segura que supervisione ataques selvagens àqueles que se opõem ao golpe de Fevereiro”. Mas havia outros testemunhos do massacre: O chefe da polícia de Odessa, punido como bode expiatória, os médicos e bombeiros impedidos durante muito tempo de assistir as vítimas, sobreviventes e inúmeros registos de vídeo.


O exército ucraniano, apoiado por batalhões de extrema-direita, integrados no Ministério do Interior e que foram financiados pelos oligarcas ucranianos mais poderosos, avançaram sobre o Donbass e conquistaram mais de metade destes territórios, que foram bombardeados com todo o tipo de armas modernas, do mesmo tipo que a Rússia empregaria depois na altura da invasão. Mas foram contidos, mesmo sem o recurso a armas pesadas: as milícias não dispunham de regimentos de tanques e artilharia, aviões e drones, baterias de mísseis ou outras armas sofisticadas, o exército russo avançou para a Crimeia, mas não entrou nas Repúblicas do Donbass, enviou armas ligeiras, voluntários e mercenários, mas o corpo de milícias foi a força principal da resistência, atingindo. cerca de 45.000 efetivos. Os denominados acordos de Minsk foram celebrados para pôr fim ao conflito, trocar os prisioneiros e garantir a unidade territorial da Ucrânia, assente também na autonomia das repúblicas do Donbass. O atual presidente foi eleito com base neste programa, mas já nessas eleições de 2017, a sua percentagem de votação, dada a abstenção de 51%, só representava 37% do eleitorado e no seu partido, cerca de 26%. Acresce que uma parte dos eleitores do Partido Comunista e do Partido das Regiões, votaram útil no seu programa de reconciliação nacional. Com a ilegalização, já durante a fase da invasão, de 11 partidos do centro-esquerda, o parlamento ucraniano e o presidente, ficaram politicamente reféns da direita extremista e chauvinista. A integração plena, com comando militar autónomo, dos batalhões nazis na Guarda Nacional, eles próprios exaltados como os conquistadores de metade do Donbass, concederam a este setor político minoritário na sociedade multicultural da Ucrânia, um efetivo predomínio dentro do próprio estado. Ainda é possível encontrar notícias dos crimes de guerra cometidos por esses batalhões, nos julgamentos efetuados pelos tribunais ucranianos após os acordos de Minsk, mas também eles, como a comunicação social, foram colocados sob a dependência do governo e depois da lei marcial. Os relatórios das Nações Unidas denunciam a existência de crimes de guerra também do lado dos insurgentes do Donbass, mas, dada a desproporção de forças militares, nesta fase o lado bárbaro da guerra pende mais para as forças negras ucranianas.

Segundo as Nações Unidas, mais de 2 milhões e 700 mil ucranianos de etnia russa, procuraram então refúgio na Federação Russa e foram acolhidos pelas suas famílias de origem. Apenas um pequeno grupo de 40.000, permaneceu em campos provisórios.

A invasão russa e a resposta ucraniana que intensificou os bombardeamentos de retaliação sobre o Donbass, juntou-lhe mais 2 milhões e 500 mil refugiados, pelo que os ucranianos russos constituem hoje o maior contingente de refugiados das duas guerras e invasões, mais de 5 milhões, muito acima da Polónia e outros países, que chegou a registar mais de um milhão de deslocados.

Ainda segundo as Nações Unidos, entre os 14.000 mortos e mais de 30.000 feridos, dois terços eram militares e civis russos do Donbass.

Recentemente, só a República de Donetsk contabilizou, desde o início da guerra civil, 9.000 falecidos, entre os quais centenas de crianças.

Cessar-fogo, para negociar a paz e a reconciliação

O golpe de estado destroçou o Partido das Regiões e ilegalizou o Partido Comunista, que representavam 43% do eleitorado. As eleições parlamentares de 2014, que pretenderam legitimar o novo regime, não tiveram a participação da maioria dos eleitores, tal como todas as eleições seguintes. Por causa da guerra no Donbass e da anexação da Crimeia pela Rússia, as eleições não foram realizadas na Crimeia e também em grandes partes do Donbass, ambas redutos do Partido das Regiões e do Partido Comunista da Ucrânia. Ganhou-as o Bloco Petro Poroshenko, com 132 dos 423 deputados

A solução política da guerra na Ucrânia tem de passar pelo reconhecimento dos direitos das suas minorias nacionais.

Tomemos a Crimeia como exemplo: Um censo populacional efetuado pouco antes da anexação da Crimeia pela Rússia indicou que viviam na península cerca de 1,5 milhões de russos (67,9% do total), 344.515 ucranianos (15,7%), 245.000 tártaros da Crimeia (12,6%), 35.000 bielorrussos (1,4%), 13.550 de outros tártaros (0,5%), 10.000 arménios (0,4%) e 5.500 judeus (0,2%).

Após o golpe de estado de 2014, o governo da Ucrânia reforçou a política de "ucranização" proibindo e censurando nas escolas, nos meios de comunicação e nos cinemas, na administração e nos locais públicos, a aprendizagem e o uso da língua e cultura russas, apesar de mais de 30 milhões de ucranianos falarem russo. Medida que se aplica a todas as outras etnias, privadas da aprendizagem e do uso da sua língua e cultura: gregos, romenos, polacos...
Ao contrário, e de acordo com a Constituição da República Autônoma da Crimeia, o ucraniano é a única língua oficial. No entanto, a Constituição da República reconhecia especificamente o russo como a língua falada pela maioria da população e garantia o seu uso "em todas as esferas da vida pública". Ela também garantiu que o idioma tártaro da Crimeia (falado por 11,4% da população da Crimeia) tenha especial proteção do Estado, assim como as "línguas de outros grupos étnicos", sem especificação desta última norma. Os falantes de russo constituem a esmagadora maioria da população da Crimeia (77%), enquanto falantes do ucraniano compreendem apenas 10,1% e falantes do tártaro da Crimeia 11,4%.

Porque se deixam matar milhares de soldados russos?

Onde encontram a sua motivação patriótica? Na defesa dos seus irmãos russos, que nasceram e vivem em comunidades espelhadas por todo o antigo território soviético, que vai da Geórgia aos Países bálticos e têm também na Ucrânia a sua mãe-pátria, multinacional.

Quanto mais sangue e destruição enlutar as duas pátrias, mais difícil será a reconciliação. Cessar-fogo e início de negociações não significa aceitar a anexação. É o único caminho para que os ucranianos russos e de outras nacionalidades possam encontrar a solução política para a guerra.

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