5.5.23

Sobre a inutilidade da guerra:

 


A Leste, nada de novo!” Apenas mais morte e destruição, até ao apocalipse?

O romance que relata as últimas ofensivas da I Guerra Mundial e este título evoca, em que o comando alemão envia os seus regimentos para uma última batalha, já com a guerra perdida e o armistício a ser negociado pelos social-democratas alemães, deve estar presente no pensamento do general Mark Alexander Milley, presidente do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas dos EUA, quando observou que a recusa inicial em negociar na Primeira Guerra Mundial agravou o sofrimento humano e levou a milhões de baixas. "Então, quando houver uma oportunidade de negociar, quando a paz puder ser alcançada... aproveitem o momento", disse Milley, no Economic Club of New York.

A ocidente, a situação dos 8 milhões de ucranianos russos e mais de um milhão de ucranianos de outras nacionalidades, nunca esteve presente no discurso dos líderes políticos ucranianos e europeus. No entanto, e segundo as Nações Unidas, eles constituem hoje o maior contingente  de refugiados, primeiro durante a guerra civil de 2014/21 (2,5 milhões evacuados para a Rússia), e agora, durante a invasão russa e a disputa do Donbass, onde predominavam, mais 2.852.395 pessoas (em final de 2022) procurou refúgio na Rússia, segundo a Agência das Nações Unidas para os Refugiados, representando hoje um número superior a 5 milhões, sobretudo mulheres, crianças e idosos, oriundos das 4 províncias anexadas pela Federação Russa, mas também das cidades e regiões que resistiram efemeramente ao golpe de estado. Ucranianos de todas as nacionalidades,  que foram privados, primeiro do uso público e do ensino das suas línguas e cultura, depois da totalidade da sua representação política, como aconteceu em Odessa e Kharkov, e de um modo geral em todo o sudeste da Ucrânia

A situação política e económica da Ucrânia e da Federação Russa, nunca serviu de base ao debate político sobra a origem da guerra e os caminhos para a paz. No entanto, é impossível que os líderes ocidentais desconheçam a resolução que o partido de Putin levou ao Senado, na véspera da invasão, em cumprimento de um preceito constitucional, que obriga o presidente a pedir autorização a este órgão para usar as forças armadas russas em território estrangeiro. Nessa resolução não está escrito o objetivo de conquistar a Ucrânia e de avançar para outros países, mas sim a defesa do Donbass e a retoma de mais de metade do seu território que a ofensiva do exército e da guarda nacional ucraniana  reconquistou durante a guerra civil, precedido, na mesma data, pelo reconhecimento como repúblicas independentes pela DUMA, onde os partidos de oposição de centro-esquerda ao governo de Putin, representavam pela primeira vez 33% do eleitorado (2019).

A continuação e escalada da guerra militar e económica, atingindo a totalidade dos povos da Federação Russa, após o fracasso das negociações de paz iniciais, permitiram ao governo de Putin alargar o objetivo inicial às duas novas províncias, invocando razões de natureza político-militar e consumar a sua anexação, com o apoio renovado e ampliado das duas câmaras, e de cerca de 80% da população russa, segundo as sondagens oficiais.

O Comandante-em-Chefe das Forças Armadas da Ucrânia, General Valeriy Zaluzhny, entrevistado pelo Economist, declarou então que a sua guerra começara em 2014, e que necessitava de imediato, por imperativo estratégico de defender a linha da frente,  de 300 tanques, 600-700 viaturas de combate de infantaria e 500 obuses.  Colocou também como segunda tarefa estratégica, uma nova onda de mobilização, para substituir os soldados ucranianos caídos ou feridos em batalha, que a vice-ministra da Defesa apontou para 2023 e o governo ucraniano reconheceu situar-se já na escala das centenas de milhar. Para a contra ofensiva, seriam necessários muitos outros  recursos militares e concluiu, que sem eles, lutariam até ao fim, mas…sem aviação, com um nível de baixas ainda mais elevado, que sorte esperar da contraofensiva?

Admitamos que as tropas russas e os mercenários do grupo Wagner vão ser derrotadas e expulsas das 4 províncias e da Crimeia. Com elas serão esmagadas as forças militares dos ucranianos russos do Donbass, mais de 50,000 combatentes, mas que incluem também ucranianos gregos e voluntários sérvios (recordemos que a Jugoslávia foi bombardeada e desmembrada pela NATO em 1999, durante a guerra separatista do Kosovo, sem a aprovação do Conselho de Segurança das Nações Unidas, durante 68 dias, incluindo instalações civis e militares, com um custo de mais de 6.000 mortos, maioritariamente civis e outros tantos feridos) O último gasoduto russo, que pela Ucrânia continua a abastecer a europa central e do norte, deixará de funcionar, e a Europa, que já paga quatro vezes mais por esse combustível, verá  a inflação regressar em força…Assistiremos então à maior limpeza étnica de que há memória na nossa época. E a guerra não terminará.

Os falcões de Moscovo tomarão nas suas mãos a condução da nova etapa da guerra, prevista na sua doutrina militar que prevê a “desescalada nuclear”, uma fórmula estratégica paradoxal que integra a doutrina de segurança e defesa da Federação Russa e que consiste em utilizar armas nucleares táticas para preservar a integridade da nação, sem recorrer às armas estratégicas. E a Federação Russa levantará um novo exército de um milhão de homens, conscritos e voluntários e a escalada da guerra pode avassalar a europa e o mundo.

E a Ucrânia? No caso de vitória, temporária ou de derrota, pelo colapso das suas forças armadas, a economia e os serviços sociais do estado, estarão exauridos, a imensa dívida a pagar pela ajuda militar irá transferir para as multinacionais estrangeiras, a propriedade dos campos férteis de trigo, que já foram a moeda de troca do FMI e da agência americana para o desenvolvimento, durante a guerra civil, incluindo a poderosa indústria bélica da Ucrânia,  privatizada na atual guerra.

O caos tomará conta desta nação multinacional. Os 14 partidos da oposição de centro-esquerda, foram já ilegalizados pelo Presidente Zelensky, sob a acusação de pró-russos; não sabemos até que ponto sobrevivem na clandestinidade os mais representativos, mas, nas eleições que levaram ao poder o partido do atual presidente (2017), 51% dos eleitorais abstiveram-se e entre os 49%  votantes, estavam milhões de eleitores do Partido Comunista da Ucrânia e do antigo Partido das Regiões, que em conjunto representavam 40% do eleitorado e deram o seu voto útil ao programa do atual presidente, de autonomia e pacificação.

Quem pode derrotar o partido oligárquico de Putin? O povo russo

Mas quem pode afinal derrotar o governo oligárquico e militarista do partido de Putin? A Aliança entre os povos das duas nações, historicamente irmãs, desde a fundação das suas Repúblicas Populares, na resistência e enfrentamento da besta nazi, até aos “liquidadores de Chernobil”, 500.00 voluntários de todas as nacionalidades da Federação Russa e da Ucrânia, que contiveram as fugas radioativas  e salvaram  a Europa e o Mundo, da tragédia nuclear.

O povo russo (e o povo ucraniano), as forças políticas democráticas que o representam, que não os líderes fabricados pela propaganda ocidental, que são figuras ligadas à extrema direita russa e oligarcas também, que com os oligarcas de Putin e as multinacionais do ocidente, controlavam 90% do comércio e 70% da indústria na Federação Russa e orientavam as suas instituições financeiras (sim, e não saíram da Rússia, entregaram a gestão dos negócios aos seus sócios russos, 106 saíram de facto, mais de 1500 permanecem).  

Povos e nações que a NATO, a UE e os EUA trataram como se fossem apoiantes do partido de Putin, a quem as sanções mais dano causaram, em violação também do direto internacional e dos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, porque só as Nações Unidas têm esse poder de sancionar e a discriminação por origem nacional é proibida logo nos primeiros artigos da referida Declaração.

Que as iniciativas de paz da China, da França e do Brasil, salvem a Ucrânia e a Rússia, de um banho de sangue, que manchará as mãos de todos os promotores da guerra e da sua escalada, inútil e trágica, que contribuam para o armistício e afastem o espetro da guerra nuclear.

E as duas nações, se apoiem nessas iniciativas para construir em paz, sem mais ingerência estrangeira,  o difícil caminho da reconciliação, da integridade da segurança, em reciprocidade e da cooperação, sob a égide das Nações Unidas e a bênção de todas as igrejas.

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