28.4.23

Três presidentes pelo armistício na Ucrânia, com a Coreia e Helsínquia, no horizonte




O anúncio de hoje (27 de abril) das conversações diretas entre o Presidente Zelensky e o Presidente Xi, constitui prova direta de que a notícia fabricada sobre as afirmações do embaixador da China em França, não passava de uma falácia. De facto, o canal diplomático entre a China e a Ucrânia, esteve sempre aberto e, nos momentos cruciais, como quando as Nações Unidas discutiram a anexação pela Rússia das Repúblicas dissidentes, o embaixador ucraniano recebeu, através do seu homólogo chinês, uma mensagem do próprio presidente Xi reafirmando a posição de princípio da China de defesa da integridade e soberania da Ucrânia, conforme a Carta das Nações Unidas.
Segundo a China Rádio Internacional, Xi Jinping disse que as relações Chinas-Ucrânia passaram por 31 anos de desenvolvimento e atingiram o nível de parceria estratégica (sublinhe-se), o que impulsionou o desenvolvimento das duas nações. Ele apreciou as reiteradas manifestações do presidente Zelensky sobre a importância do desenvolvimento das relações com a China. E reafirmou que a China está disposta a cooperar com a Ucrânia em benefício mútuo dos dois países.

Em relação à crise ucraniana, Xi Jinping enfatizou que a China está sempre do lado da paz e a posição essencial do país é pela promoção da paz por meio de negociações. Segundo o presidente chinês, o diálogo e as negociações são a única saída viável para a crise e que perante o risco de escalada para o confronto atómico, nunca devemos esquecer que ninguém vence uma guerra nuclear. O líder chinês comprometeu-se a enviar um representante especial do governo para assuntos da Eurásia para visitar a Ucrânia e outros países, a fim de promover a diálogo aprofundado entre as partes envolvidas, para uma solução política da crise ucraniana.

Por sua vez, Volodymyr Zelensky elogiou as conquistas extraordinárias obtidas pela China, acreditando que, sob a liderança de Xi Jinping, a China enfrentará com sucesso diversos desafios e continuará avançando. Segundo ele, a Ucrânia apoia a política de uma só China, e espera desenvolver uma cooperação abrangente com o país asiático. Zelensky também apresentou os seus pontos de vista sobre a crise e deu as boas-vindas à China para desempenhar um papel importante na restauração da paz e na solução da crise por meios diplomáticos.

O ex-embaixador da China na Rússia, Li Hui, foi nomeado para chefiar a delegação da China para a solução da crise na Ucrânia, devendo em breve partir para a Ucrânia e os países da região, em missão de paz.

Esta iniciativa, decorre depois das conversações na China entre o Presidente Xi e o Presidente Macron e o Presidente Xi e Presidente Lula, e deve ser politicamente entendida como uma ação conjunta, destas três nações, na sua zona e modo de influência, para caminhar rapidamente para um cessar-fogo, que evite o banho de sangue anunciado para as próximas ofensivas na frente de batalha e neutralize os defensores de uma guerra total, até ao confronto nuclear.

A solução coreana, o cessar de hostilidades, como condição essencial das negociações, está no horizonte e, segundo o pensamento comum dos três presidentes, a Ucrânia e a Rússia devem poder decidir autonomamente o seu futuro comum e a Europa deve construir a sua própria arquitetura de segurança e de paz, sob a égide das Nações Unidas.

O extrato selecionado da entrevista e a memória perdida de Helsínquia

Quando perguntaram ao embaixador se a Crimeia, à luz do direito internacional, é uma região da Ucrânia, ele começou a descrever o percurso histórico da Crimeia, que até ao final da II guerra mundial era uma República autónoma da União Soviética e que só em 1954 é incorporada na Ucrânia, por decisão do Comité Central do Partido Comunista da União Soviética, na altura liderado por Krutchev, ele próprio um ucraniano-russo...mas logo foi interrompido, pelo entrevistador, que o confrontou com a exigência de um sim ou não, invocando "o direito internacional". E quando o embaixador respondeu que não existe nenhum acordo internacional acerca das fronteiras nascidas do desmantelamento da URSS, logo o apresentador concluiu que está a ser posta em causa a soberania dos países que resultaram desse processo histórico. E, de facto, não existe nada que se pareça com o Acordo de Helsínquia, que reconheceu as fronteiras saídas da II Guerra Mundial da Europa, no quadro das Nações Unidas.

A prova da falta deste acordo, esteve no regresso da guerra aos Balcãs, seguida pelo ataque da NATO à Jugoslávia para impor a secessão do Kosovo, sem mandato das Nações Unidas e contra os princípios da Carta das Nações Unidas que defendem a integridade e a soberania das nações que a constituem, como reconhecem o princípio de "One China", a sua República Popular. E é a não existência desse consenso, mediado pelas Nações Unidas, que leva à tensão crescente na Moldávia (que após a II guerra reuniu numa república autónoma socialista, os territórios da Bessarábia, que fizera parte da Roménia e a região de Dniestre, que integrava a Ucrânia, habitada por ucranianos-russos) , com a Transnístria, uma República separatista que temia a incorporação da Moldávia, já separada da URSS, na Roménia e onde predominam os referidos ucranianos-russos. O que provocou na altura um confronto armado.

O desmantelamento do Pacto de Varsóvia sem o correspondente fim da NATO, que com esse facto histórico perdeu a razão de ser da sua existência e a ausência de uma nova arquitetura de segurança e de paz, para a Eurásia, levou ao regresso da guerra aos Balcãs, à guerra civil na Geórgia e a outros conflitos latentes.

O embaixador insistia que o importante é discutir um plano de paz e centrar aí o debate, mas ao entrevistador não lhe interessava que a China pudesse expor a sua posição de mediadora. Enfim, não se tratava de mais um mal-entendido sobre a política da China, tratava-se sim, de desacreditar o plano de paz da China para a Eurásia, pôr em causa a recente declaração conjunta dos governos da França e da China e dar voz e credibilidade aos governos europeus que apostam na guerra total, militar e económica, e no colapso do estado russo, que conduziria provavelmente à ascensão dos setores militaristas do partido no poder e ao uso da força nuclear.

O método de manipulação foi o mesmo que foi utilizado para desacreditar as propostas do Presidente Lula, que quer reunir os países neutrais e incluir a China no seu projeto de paz.

Conhecer a história complexa da Eurásia, para conter a guerra

Será que as lições da crise dos mísseis em Cuba em 1962 não são válidas para compreender aa guerras que ensanguentaram a Eurásia, exatamente pela falta de um acordo internacional conforme ao espírito de Helsínquia, como foi a guerra da Geórgia (que não foi mediatizada) nem para o conhecimento das causas da guerra civil na Ucrânia e, atualmente, da invasão russa?

A guerra civil na Geórgia terminou com a intervenção militar russa e a criação das Repúblicas separatistas no seu território. Aquilo que o chamado Ocidente jura jamais permitir no caso da Ucrânia, foi o que subscreveu face à inevitável reação da Federação Russa à tentativa da NATO/EUA de alargar o cerco a leste, usando a Geórgia como pivô.

A diferença é que nesse conflito a intervenção mediadora da União Europeia, liderada pela França, foi da procura do cessar-fogo imediato e da paz, pelo que o conflito durou apenas alguns dias.

As populações das repúblicas da Abecásia e da Ossétia do Sul, na Geórgia, eram maioritariamente georgianas-russas, tal como na Crimeia e no Donbass são ucranianas-russas. Sendo que os seus habitantes, votavam esmagadoramente no Partido Comunista Ucraniano e no Partido das Regiões.

Como afirmou o novo presidente Poroshenko, pós golpe de estado de 2014, quando visitou Portugal recentemente, o Partido Comunista da Ucrânia era no parlamento o maior partido da oposição (aos partidos oligárquicos), com centenas de deputados, e ficou reduzido a zero. Só não explicou que um dos objetivos do golpe foi ilegalizá-lo e não disse que, em conjunto com o Partido das Regiões, representavam 40% do eleitorado.

A base eleitoral destes dois partidos__ entretanto, o partido das regiões fragmentou/se e o partido comunista reorganizou-se na clandestinidade, votaram em massa no programa de paz e autonomia do Donbass do candidato Zelensky, o que lhe permitiu chegar a 77% dos votos, embora com uma abstenção de 51% dos eleitores, a maioria do povo ucraniano, que não se sentia representado nessas eleições de 2017.

A nova e a “velha Europa”

Em paralelo, o confronto geoestratégico entre a Rússia e os EUA agravou-se, longe da compreensão dos cidadãos europeus e do escrutínio da comunicação social. Os EUA adotaram uma estratégia dupla: continuaram a pressionar os países dominantes da UE, utilizando o Reino Unido como pivô, mas apoiaram ao mesmo tempo, usando diversas fontes de financiamento, a ascensão ao poder no leste da Europa de partidos nacionalistas e austeritários. Foram duplamente bem-sucedidos: a UE viu-se enfraquecida pelo Brexit, sobretudo no plano militar, com a saída do Reino Unido. No leste, particularmente nos estados bálticos e na Polónia, emergiram governos completamente alinhados com os interesses americanos.

A estratégia de aliança com a “nova Europa”, quando necessário contra “a velha Europa”, que o então secretário de Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, teorizou, no contexto da decisão dos EUA de invadir o Iraque, mesmo sem o aval das Nações Unidas, consolidou-se com a guerra na Ucrânia. A Polónia, xenófoba, ultramontana, militarista, já sem autonomia do poder judicial, comunicação social controlada, fronteiras cerradas aos refugiados de guerra orientais e africanos, os trabalhadores privados dos direitos laborais mínimos, transformada em quartel-general da NATO pelo governo de Biden, assistiu ao renascimento nas suas elites políticas do sonho da grande Polónia senhorial.

O que resultou, destas duas guerras, económica e política, para a Europa e os seus povos? Recordo que o volume do comércio dos EUA com a Rússia era de 60.000 milhões de dólares, contra 260.000 milhões da UE com este país. O preço do gás, é hoje 4 vezes mais caro na Europa do que nos EUA, o que, somado com os incentivos que o governo americano concede às empresas que se deslocarem para os EUA, em nome do duplo combate à inflação e pela redução dos combustíveis fósseis, está a provocar uma nova onda de desindustrialização na Europa, a somar á inflação e carestia, com o confronto nuclear no horizonte… que o embaixador chinês já denuncia, em maio de 2022:

“Quase todos os intelectuais e meios de comunicação franceses concordam que a Europa está a tornar-se a primeira vítima do conflito. Eles podem estar certos. Do ponto de vista político e de segurança, a arquitetura de segurança europeia e o cenário geopolítico europeu, que se mantiveram estáveis por trinta anos após o fim da guerra fria, estão a ser modificados. A guerra está de volta à porta da Europa, a caixa de Pandora da corrida armamentista foi reaberta e o risco de uma guerra nuclear está a emergir. Do ponto de vista econômico, as consequências das sanções maciças contra a Rússia atingiram a Europa de forma desproporcional: o preço do gás aumentou dez vezes em relação ao ano anterior, a inflação na zona do euro atingiu um novo recorde desde o nascimento da moeda única, o mercado financeiro europeu experimentou a pior fuga de capitais da história numa semana e as empresas da UE, que são grandes investidores estrangeiros na Rússia, sofreram enormes perdas. Do ponto de vista social, a Europa enfrentará o maior fluxo de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial.”


António dos Santos Queirós. Professor e investigador. U. Lisboa

Link para a entrevista:

https://twitter.com/LCI/status/1649494075358294016?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1649771216578723840%7Ctwgr%5Ed89306da23eda60708977412bb69874f0069bce6%7Ctwcon%5Es3_&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.france24.com%2Fen%2Feurope%2F20230423-F09F94B4-live-france-pledges-solidarity-with-baltic-states-as-chinese-ambassador-questions-their-sovereignty&fbclid=IwAR3_gv_prRWlskoEss2QGL79Qn0KC0pSz2UsKrmKdhK3itJV8heXMfCFqmk

Link para o discurso do embaixador

http://fr.china-embassy.gov.cn/fra/zfzj/202205/t20220514_10686143.htm

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