23.10.22

Um novo colosso dos mares

 

“…mesmo à luz de dois séculos de ingerência e intervenção militar noutros países, esta opção representa um esforço financeiro do estado americano, que não só é excessivo, mas, provavelmente insustentável. E revela um contexto político que evidencia a captura do estado e dos seus orçamentos, pelo complexo militar-industrial dos EUA, que se vai fundindo com o setor financeiro dos fundos abutre e bancos gigantes, imbricados com a especulação imobiliária (como a última crise financeira do subprime revelou), integrando também o setor dos combustíveis fósseis/nucleares, que quer prevalecer e eternizar-se, negando a gravidade da crise ambiental.”

O mais recente e avançado porta-aviões da Marinha dos EUA partiu para a sua primeira missão com aliados e parceiros nas áreas de responsabilidade da 2ª e 6ª frota do Oceano Atlântico e no Mar Mediterrâneo, para se exercitar com as marinhas de guerra  do Canadá França, Alemanha, Holanda, Espanha, mas também da Dinamarca, Finlândia e Suécia, desenhando já o novo plano de batalha da NATO alargada, com o teatro de guerra da Ucrânia no horizonte próximo.

Projetado para operar durante cinquenta anos, o seu custo de  construção atingiu 13.300 milhões de dólares. Mas é necessário adicionar-lhe o custo colossal do grupo de ataque que o apoia, composto por uma flotilha de navios de superfície e submarinos. É um monstro de 100.000 toneladas, impulsionado por dois reatores nucleares, que lhe permitirão avançar mais de 1.100 Km por dia,  uma guarnição de 4.300 operacionais e 2.600 técnicos, com mais de 330 m de comprimento, 76 de altura e um convés de voo com 78 m de largura. Transporta cerca de 80 aeronaves, entre aviões, helicópteros e aeronaves não tripuladas, servidas por um sistema de lançamento eletromagnético e protegidas por sofisticados sistemas de radar, mísseis terra ar, metralhadores e outras armas eletrónicas, capaz de realizar 270 missões diárias.

O custo real em operação tem de ser atualizado, mas foi estimado em 6,5 milhões por dia. E se considerarmos os seus sistemas de armas, os gastos elevam-se ainda mais: um míssil pode custar 1 milhão e 789.00 USD _ RIM-162 Evolved SeaSparrow Missile (ESSM). Cada avião Navy's F-35Cs, 9,9 milhões de dólares.

Os dois próximos porta-aviões desta classe, serão entregues em 2024 e 2028. Em 2019, o Congresso concordou em comprar o terceiro e o quarto porta-aviões da classe Ford.

Um gigantesco monopólio tentacular

A Newport News Shipbuilding, é o único estaleiro na América capaz de construir porta-aviões de grande porte movidos a energia nuclear. Para a grande maioria dos componentes usados ​​na construção de navios de guerra dos EUA, há apenas uma fonte doméstica qualificada. A Marinha e a indústria estabeleceram a estratégia chamada de 2-3-4 . O estado contrata duas fornecedoras de cada vez, com três anos de financiamento alocado para a compra antecipada de componentes de longa duração para cada navio, e um novo processo é iniciado a cada quatro anos. Planeamento e racionalidade na gestão, no reino do neoliberalismo, sem dúvida, mas, também financiamento garantido e em grande, às empresas beneficiadas, ausência de competição e de risco para os acionistas.

A Newport News Shipbuilding, do grupo HII, é uma das duas empresas dos EUA que fabricam submarinos nucleares, e está a produzir  os submarinos de ataque da classe Virgínia, com a parceria da General Dynamics Electric Boat. Prepara o lançamento do programa de construção dos novos submarinos de mísseis balísticos da classe Colúmbia. Com aproximadamente US$ 4 mil milhões em receitas e mais de 23.000 funcionários, é o maior empregador industrial da Virgínia e a maior empresa de construção naval dos Estados Unidos.

A Ingalls Shipbuilding é uma divisão da HII, com quase 11.000 funcionários e o maior empregador industrial no Mississippi, tal como um dos principais contribuintes para o crescimento econômico do Mississippi e do Alabama. A Ingalls desenvolve e produz navios de guerra tecnologicamente avançados e altamente capazes para a Marinha dos EUA, Guarda Costeira dos EUA, Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA e clientes internacionais e comerciais, produzindo quase 70% da frota de navios de guerra de superfície da Marinha. Ingalls é o construtor dos destroieres de mísseis guiados da classe Arleigh Burke (DDG 51), os navios anfíbios de grande plataforma da classe America (LHA 6); e o único construtor dos navios de assalto anfíbio da classe Navy San Antonio (LPD 17) e da classe Legend National Security Cutters para a Guarda Costeira.

As duas empresas do grupo estão a recrutar em 2022, mais 10.000 construtores navais, um aumento de um quarto dos seus atuais efetivos. Este crescimento e o impacto económico nos estados onde estão implantados, criam uma larga base social de apoio, para as indústrias da guerra. O seu estatuto de monopólio financiado pelo estado, atrai toda a classe de acionistas e amplia essa base social de suporte. Bill Gates, comprou no ano 2000 uma participação de 8% na Newport News Shipbuilding através da Cascade Investment LLC, a  sua empresa de investimento, no valor de 68,9 milhões de dólares. Em 2001, a gigante do armamento Northrop Grumman Corporation (NYSE:NOC), comprou a Newport News Shipbuilding Inc. (NYSE:NNS). Com a Newport News,  criou uma empresa gigante de construção naval, com 4 mil milhões de capital acionista, a HII.

Do negócio da guerra

Reler:http://portugaldiarioilustrado.blogspot.com/2022/04/em-nome-da-paz-e-da-solidariedade.html#more

São americanas as cinco maiores empresas da indústria de guerra: Lockheed Martin, Raytheon, General Dynamics, Boeing, Northrop Grumman. Durante a guerra no Afeganistão receberam contratos do governo no valor de 2,02 milhares de milhares de milhões, ou seja, 2.02 biliões de dólares. Constituem lobbies tão poderosos que chegam a absorver 1/3 do orçamento do Pentágono. Graças à sua influência, o orçamento militar dos EUA supera várias vezes os orçamentos militares de qualquer outro país e, nos últimos cinco anos, as vendas de armamento ao estrangeiro cresceram 14%, enquanto baixavam 4,6% no contexto mundial. Desde que a tensão aumentou na Ucrânia, no final de 2021, a Lockheed Martin aumentou os seus preços de venda de material militar 28,83%, tal como a Raytheon, 17,95% e a Northrop Grumman, 27,88 %, que está no centro deste artigo por ter absorvido a Newport News Shipbuilding.

Ausentes do ciclo infernal de despesas militares e sobrecarga orçamental do estado americano, estão as reflexões críticas sobre a necessidade de manter uma tão evidente superioridade dos EUA neste domínio militar, face ao poder naval  dos países a quem as estratégias de defesa e segurança nacionais dos EUA classificam como adversários ou inimigos. A China possui duas unidades concebidas para a defesa das suas águas territoriais. A Rússia, terá o seu único porta-aviões operacional apenas em 2024.

É óbvio então,  que o grupo de porta-aviões constitui não uma arma estratégica de defesa marítima dos EUA, mas sim uma arma ofensiva capaz de se projetar para qualquer área do planeta e intervir nos teatros de guerra continentais, num quadro político de intimidação, coação e intervenção imperialista e hegemonista, coberto politicamente pela chamada da NATO ao teatro de operações, como o testemunham as guerras contra a Jugoslávia, o Iraque, o Afeganistão…

Mas, mesmo à luz de dois séculos de ingerência e intervenção militar noutros países, esta opção representa um esforço financeiro do estado americano, que não só é excessivo, mas, provavelmente insustentável. E revela um contexto político que evidencia a captura do estado e dos seus orçamentos, pelo complexo militar-industrial dos EUA, que se vai fundindo com o setor financeiro dos fundos abutre e bancos gigantes, imbricados com a especulação imobiliária (como a última crise financeira do subprime revelou), integrando também o setor dos combustíveis fósseis/nucleares, que quer prevalecer e eternizar-se, negando a gravidade da crise ambiental.

A sombra dos couraçados

Essa ânsia de lucros incontroláveis, parece estar a obliterar a própria racionalidade e proficiência da estratégia militar dos EUA: os países que as suas estratégias de defesa e segurança nacional colocam no campo de opositores, optaram pelo desenvolvimento de armas submarinas, mísseis hipersónicos, uma nova geração de aviões de ataque furtivos e letais, novas armas eletrónicas, de laser  e uma sofisticada panóplia de drones, de muito menor custo e vulnerabilidade.

Terão as unidades navais que acompanham estes porta-aviões colossais, capacidade para neutralizar um ataque maciço de mísseis ou sequer de um enxame interminável de drones de última geração?

Não terão já hoje, esses monstros marinhos, símbolos da barbárie do século XXI, que abrasam os céus das cidades e países indefesos, o mesmo destino marcado dos “inexpugnáveis”  couraçados do século XX, condenados precocemente à sucata?


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