16.11.21

De costas para o abismo

 


Existem de facto, uma crise ambiental em agravamento e uma pandemia que continuará a dar a volta ao mundo, enquanto as nações mais pobres não tiverem direito às vacinas e aos cuidados básicos de saúde, mas não há crise política em Portugal, apenas o desfazer de uma aliança política, que não era uma geringonça, seguida de eleições. 
Como é prática das democracias liberais, que, afinal, tão mal conhecemos, e, pior ainda, conhecemos as democracias socialistas e as causas profundas da nossa crise civilizacional. 
(Observando a figura, a nossa perspetiva sobre as responsabilidades de cada país na crise climática muda e mudaria ainda mais se soubéssemos que os gazes com efeito estufa se acumulam na atmosfera desde há 150 anos, pelo que a responsabilidade histórica e atual pela crise pertence, em primeiro lugar aos EUA, depois aos países ricos da União Europeia e, muito menos, a países como a China e a Índia,  empobrecida por velhos e novos domínios coloniais).

A aliança política que viabilizou na Assembleia da República os governos do PS e os seus orçamentos, resultou de uma visão política amadurecida pela direção do PCP, que foi o seu primeiro proponente e visava reverter a política da Troika, convergindo com outra visão política igualmente ponderada, da (maioria) direção do PS  de António Costa, face à crise dos partidos socialistas a leste e a ocidente da Europa.

Retomar a  tradição social-democrata, com o estado social como bandeira política e introduzir reformas democráticas na União Europeia_ da mutualização da divida à coordenação do combate às novas pandemias, foi o caminho escolhido pelo governo e a sua experiência de alianças, tomados como exemplo pela Internacional Socialista _IS, em Espanha, como agora na Alemanha. O BE, mudou então a sua tática política, que pouco antes conduzira à divergência que criou o Livre e associou-se à frente parlamentar da esquerda.

A geringonça”, um conceito político que iludiu os partidos da direita

Ainda hoje os ideólogos da direita,  que de forma precipitada e errónea,  classificaram como “geringonça”, coisa improvisada, pronta a desconjuntar-se, uma aliança que perdurou por seis anos,  fazem pagar aos seus partidos um elevado preço político por esse erro descomunal, que os poderá afastar do poder muitos e longos anos…ou não, se a crise económica e social se agravar na Europa e nos atingir mais profundamente.

A maioria social de esquerda foi o fruto da falência dos bancos, do abuso das PPP, do desbaratar de privatizações, da corrupção dos líderes e da brutalidade da troika… que mudaram a consciência popular.

Como corolário da falta de cultura política e desrespeito pelas suas ciências, que prevalece neste  “Reino Da Dinamarca”, os partidos da direita substituíram a difícil elaboração de um programa alternativo pela propaganda radical: PCP e BE, partidos constitucionalistas, rotulados da extrema-esquerda; o regime atual, de socialista, mesmo depois da troika ter obrigado o estado a vender os seus últimos anéis empresariais; o orçamento do governo, despesista...

A diabolização do Orçamento 2022

O orçamento é o instrumento económico fundamental  da política nacional e da soberania do país.

O orçamento para 2022 dava um pequeno passo para recuperar  direitos democráticos e de soberania, de trabalhadores como de empresários, esmagados pela política de austeridade (recordemos a subida do IVA na restauração): graças ao aumento das pensões e  do salário mínimo, e dos salários da função pública, embora escasso; o fim dos pagamentos por conta do IRC, de todas as empresas e não apenas das MPME; ao pequeno alargamento dos escalões do IRS; à restituição progressiva do direito à exclusividade no SNS, que um governo do PS baniu e um anterior do PSD reconhecera… num contexto em que o déficit orçamental poderia crescer em favor de maior investimento público, desenvolvendo o mercado interno! As maiores economias_ EUA e China, têm uma estratégia de crescimento baseada no desenvolvimento do mercado interno, com um peso decrescente da contribuição das  exportações para o PIB, embora com objetivos opostos: a concentração do capital e da riqueza, como condição  da hegemonia dos EUA, face à harmonização e longevidade das empresas públicas e privadas, de todas as dimensões, para uma progressiva distribuição da riqueza produzida, no caso da RPChina

A queda do governo: todos são responsáveis

Se PCP e BE se abstivessem, (o PCP fê-lo no anterior orçamento e o PAN pela segunda vez) a eles deveriam os reformados, a classe média, os trabalhadores, os empresários beneficiados pelo maior investimento público, de todas as simpatias partidárias, os magros ganhos, agora perdidos ou adiados.

Assim, vão partilhar o  ónus da ascensão antecipada no parlamento dos liberais de direita e da extrema-direita, como grupo parlamentar, com o Presidente da República, que poderia manter o governo em funções e em negociações, por meses ou anos, como é frequente na europa, ( Alemanha,  Bélgica, Espanha… ) tal como com os restantes partidos, de direita e de esquerda, à exceção do PAN.

Uma Nova Era e a impossibilidade de governar como dantes

Num mundo onde os governos dos  EUA colocam a sua hegemonia acima de tudo e a China os ultrapassou em Poder de Compra Comparado (PPP), a UE, minada pelo Brexit e novos regimes autoritários, não tem estatura política para apoiar as forças democráticas que nos EUA estão a ser desmanteladas, nem para ombrear com a China  num futuro sustentável e pacífico para a Humanidade. Mas o debate sobre a alternativa do Federalismo Democrático continua bloqueado.

Revendo seis anos de aliança política, uma questão prévia se coloca: a alegação que PCP e BE perderam votos devido à aliança parlamentar com o PS. Comparemos as eleições de 2015 e 2019 para a Assembleia da República: O  BE manteve os 19 deputados e o corpo fundamental de votos e o PAN, não obstante o seu alinhamento com a maioria de esquerda, duplicou os votos. O enfraquecimento do PCP tem outras causas.

 E chegamos à questão-chave:

A aliança política promovida pelo PS tinha apenas um valor tático conjuntural e        destinava-se a recuperar a hegemonia que as maiorias absolutas proporcionam? A resposta a esta pergunta não passa pela fulanização da  política e o estéril debate dos culpados, mas pelo programa político e o posicionamento dos partido face à questão do governo, reservado para o PS ou partilhado?

A aliança política proposta pelo PCP tinha apenas como objetivo conter a política de austeridade e não era parte de uma estratégia de frente ampla para acumular forças e conduzir à formação do governo democrático e patriótico, que já proclamou?

A mesma questão se coloca ao BE: A aliança política  em que integrou tinha apenas como objetivo conter a política de austeridade e não era parte de uma estratégia de frente ampla para acumular forças e conduzir à constituição (e participação) de um governo progressista, mais além da social-democracia?

À luz de dois grandes problemas nacionais _ a descapitalização do estado democrático, banca e empresas, e famílias e a sujeição ao Federalismo Monetário e Burocrático da UE, as disputas de liderança no seio do PSD e do CDS são irrelevantes, pois o que parece estar em causa é apenas a luta pelo poder.

Assim,  no Reino da Dinamarca, onde escrevo:

“Neste país do monólogo,

do fala-só, muitos poucos

conversatam uns co’os outros,

e é sempre uma conversata

triste e chata,

um não-ter-que-dizer que não se esgota

senão em palavras pela boca fora.”

…/…

Se estes partidos, todos eles, mais o PAN, o Livre e qualquer dos outros, não responderem na sua estratégia às nossas verdadeiras crises e problemas nacionais, então, caminharemos todos, "quase todos", como os ratos de O´Neill, de costas para o abismo!

Responde-me o poeta:

“Ó formiga operosa,

julgas-te mais do que a cigarra?” (A.O’Neill)

 

 

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