26.6.17

Eleições legislativas em França:


Os resultados, para além das aparências e um sistema eleitoral que distorce a representação do voto popular

O sistema eleitoral em França não permite uma equivalência entre o número de votos e a eleição dos deputados. Ele favorece os partidos tradicionalmente mais fortes e dificulta a representação parlamentar dos eleitores dos novos partidos.

Historicamente, foi elaborado pelas forças políticas que pertencem ao centro direita ou ao centro esquerda, gaulistas, republicanos e socialistas, para se perpetuarem no poder, mas sobretudo para não permitir grandes mudanças políticas. Esta tendência acentuou-se na última década, com a viragem dos governos europeus para a política austeritária, e no caso do PS francês, traduziu-se no incumprimento do programa eleitoral do presidente François Hollande, em todas as questões essenciais: controle dos paraísos fiscais, proteção do emprego e da reforma, reforço do sistema público de saúde, de ensino e investigação, uma fiscalidade verdadeiramente progressiva, a oposição efetiva ao hegemonismo neoliberal da Alemanha…
O presidente da República é eleito com mais de 50% dos votos, em primeira ou segunda volta. O primeiro-ministro é escolhido pelo próprio presidente, juntamente com o seu gabinete de governo (ministros). Mas o governo precisa ser aprovado por uma maioria parlamentar. A Assembleia possui 577 membros ( 1 deputado por cada distrito eleitoral de 100.000 eleitores), eleitos para um mandato de cinco anos através de círculos eleitorais. Por sua vez, o Senado possui 348 membros, dos quais 328 exercem mandato de seis anos e são eleitos pelo colégio eleitoral e 12 são eleitos pelos cidadãos franceses residentes no exterior. Os senadores são escolhidos pelos grands électeurs, nomeadamente pelos presidentes das Câmaras Municipais e outros representantes eleitos localmente.
Nas eleições legislativas o deputado é eleito com mais de 50% dos votos na primeira volta ou, passando à segunda volta os candidatos com pelo menos 12,5 da votação, só o mais votado é eleito..
Os partidos políticos
Na tradição francesa a Partido Socialista Francês identificava-se com a esquerda, tendo com parceiros menores Os Verdes (EELV) e o Partido Radical da Esquerda. O Partido Comunista, muito forte após a II Guerra Mundial, onde foi a principal força interna de resistência ao nazismo e ao governo colaboracionista e fascista de Pétain, vinha perdendo influência depois da sua adesão à linha política designada como eurocomunismo ou revisionismo.
A direita organizava-se em torno do partido Les Républicains, que perdera peso político na presidência anterior de Sarkozy.
Nas presidenciais de 2017 surgiu o denominado partido social-liberal de Macron, titulado Em Marcha, que afirma ser “nem de esquerda nem de direita”, mas na realidade reagrupou a ala direita do socialista, que o promovera a ministro de Hollande e uma fração importante da direita republicana. Macron, um jovem banqueiro, tornou-se membro do Partido Socialista entre 2006 e 2009, foi nomeado secretário-geral adjunto da Presidência da República por François Hollande em 2012 e tornou-se ministro da economia em 2014. No governo Valls, promoveu reformas reclamadas pelas associações do grande patronato e em 2016 saiu para se candidatar à presidência, que venceu com 66% dos votos contra a candidata da Frente Nacional_ FN. Macron obteve 8 437 940 votos e, Marie Le Pen, 7 564 991. ( Nas presidenciais de 2012 os 6 421 426 votos da  FN representavam 17,90%).  A FN evoluiu para uma política contrária à União Europeia, que critica pelo seu liberalismo financeiro, mas menos global no que concerne à emigração, incidindo agora na oposição ao acolhimento dos refugiados e emigrantes muçulmanos.
Ainda nas presidenciais de 2017, emergiu com uma forte representação nacional o partido político liderado por Melanchon, a França Insubmissa (FI),  uma frente de esquerda que federou a ala esquerda do PS, uma parte do partido comunista, militantes sociais e ambientais, críticos da deriva neoliberal da União Europeia e do austeritarismo. Denunciando a "deriva liberal" do partido, Mélenchon deixou o PS em 2008 para fundar a Front de Gauche_ FG. Nas presidenciais de 2012, com a sigla  FG ficou em quarto lugar com 11,1% dos votos, 3 984 822 mas em 2017 subiu para 19,6 %, isto é  7 059 951 votos.
O significado político dos resultados
A vitória de Macron, enquanto vitória do centro-direita, é acompanhada por uma abstenção histórica. Na 1ª volta, onde realmente se medem as forças em presença, os candidatos a deputados de La Republique en Marche, do presidente eleito Macron,  recebeu 6 391 269, que representam apenas 13,44% do eleitorado e 28,21% dos votos expressos! Um valor que revela um apoio político muito minoritário do povo francês. Na 2ª volta, La République en marche, com 7 689 970  votos, representando apenas  16,76% do eleitorado, obtém uma maioria absoluta de 285 deputados. Os abstencionistas elevam-se a 24 403 480, representando 51,3% dos eleitores. O sistema que distorce a representação popular, continua a cumprir a sua lógica de favorecimento do centro-direita.
E fá-lo duplamente: Les Républicains, que sucedem à Union pour un Mouvement Populaire (UMP) recebem na 1ª volta 3 573 427 votos, 7,51 dos eleitores que valem 15,77 % dos votos expressos, em vez de 7 037 268, representando 27,12%, das eleições de 2012.  Na 2ª volta, Les Républicains com 4 018 563 dos votos, representando 8,76 do eleitorado e 22,41% dos votos expressos, constituem o segundo grupo parlamentar com 108 deputados eleitos.
O centro-direita nunca foi tão forte na sua maioria parlamentar, nem tão fracamente representativo do eleitorado francês, pouco mais de 25% dos eleitores de centro-direita e de direita verão os seus líderes governar a França.
A Frente Nacional, que obtivera 7 564 991 votos nas presidenciais, baixa para 2 990 454, apenas 6,29% do eleitorado e 13,20% dos votos expressos, menos de 40% dos votos anteriores. E, se recuarmos às legislativas de 2012, onde obtivera 3 528 663 votos, a queda é de 15%.
Recordando 2002, Jacques Chirac representante do centro-direita, então presidente da França, foi o mais votado com 19.9% dos votos, 5 666 021 na primeira volta das novas eleições presidenciais. Le Pen, o candidato da Frente Nacional, com uma política de extrema direita xenófoba e racista, chegou ao segundo lugar com 16.9% dos votos, 4 804 713 votos, ultrapassando o primeiro-ministro socialista Jospin, que acabou em terceiro com 16.2% .
Assim sendo, a ascensão contínua da FN, durante os dois últimos decénios, sofre nestas eleições o primeiro revés infligido pelo voto popular, ou melhor, pela sua abstenção. A subida de 2 para 8 deputados é uma vitória de Pirro!
O Partido Socialista, que tardiamente escolheu um candidato conotado com a defesa das políticas sociais e apesar do apoio negociado com a Europa Ecologia - Os Verdes (EELV), sofre uma derrocada que o reduz a um partido de pequena dimensão: Os 7 618 326 de votos, representando 29,35 % estão agora reduzidos a 1.685.677 votos, 3,54% do eleitorado e 7,44% dos votos expressos. O sistema desproporcionado francês vira-se agora contra um dos seus criadores: dos 258 deputados em 2012 restam apenas 28, é uma hecatombe política!
O aliado tradicional do PS, o Parti radical de gauche fica pelos 106 311 votos, 0,22 do eleitorado e 0,47 dos votos expressos, em vez dos 429 059 de 2012, reduzido a  3 dos 5 deputado de 2012.
Contas feitas, La France insoumise, que sucede à Front de gauche (FG) é quem sobe realmente de 6,91%, isto é, de 1 793 192 votos  para 2 497 622  entre as eleições legislativas de 2012 e 2017, representando 5,25 % do eleitorado e 11,03% dos votos. Mas se compararmos com os 7 059 951 votos das presidenciais, a queda é abissal, mostrando a fragilidade do seu apoio popular. O sistema eleitoral concede-lhe apenas 15 deputados.
Cresce igualmente o Partido Comunista Francês, em 2012 diluído na Fronte de Gauche, com 1 615 487 votos, 1,29% do eleitorado e 2,72% dos votos expressos, alcançando 10 deputados.
Crescem os pequenos partidos do centro, o Modem herdeiro de Le Centre pour la France (CEN) 458 098 votos, 1,7% , para 932 227 votos,  1,96% do eleitorado, 4,12% da votação, o qual, na 2ª volta atinge perto de 1.083.000 votos, muito abaixo do Partido Comunista Francês, mas que lhe permitem eleger 40 deputados, demonstrando assim a incongruência democrática do sistema!  Tal como a Union des Démocrates et Indépendants, o antigo Nouveau Centre (NCE), de 569 897 votos para 687 225, também ele, apenas com uma parcela do voto dos comunistas, da França Insubmissa, ou da Frente Nacional, chega a 16 deputados!
Descem os Ecologistes, que tinham ultrapassado em 2012 os 1,6 milhões de votos, e nestas eleições  se quedaram abaixo do milhão, reduzidos a um único deputado pela perversidade do sistema.
Existem ainda outras pequenas forças políticas, mas a análise dos seus resultados nada acrescentaria a esta reflexão, como os regionalistas, diversos de esquerda e direita.
Se parece óbvio que o sistema eleitoral está concebido para facilitar a hegemonia das duas áreas políticas dominantes, que agora se viram compelidas a mudar de siglas e protagonistas, a segunda volta mostra que o seu eleitorado tradicional, agora substancialmente reduzido pela abstenção, concentra votos, não apenas contra a FN, mas também contra a França Insubmissa e o Partido Comunista Francês, limitando a sua representação parlamentar.
O radicalismo do programa liberal do presidente eleito, com uma base popular de apoio minoritária, para além das aparências que a maioria parlamentar sugere, coloca a França no caminho de uma ainda mais profunda instabilidade política, de onde pode emergir uma solução de extrema-direita reforçada ou uma frente democrática de centro-esquerda, que recoloque o Partido Socialista Francês no campo da social-democracia e na rota de aliança com a FI e o PCF. É neste contexto que o acordo política que suporta o governo atual de António Costa, constitui uma referência para os seus homólogos de França…e de Espanha.

           


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