4.10.17

Miopia política e mitos de propaganda


Porque não se estudam os resultados concretos e globais das eleições?


O CDS/PP aumentou o poder autárquico?

Entre 2013 e 2017 o CDS ganhou 1 câmara, passando de 5 para 6.

Entre 2013 e 2017 as candidaturas autónomas do CDS perderam 6 vereadores, passando de 47 para 41.

Neste período, os votos para as câmaras no CDS/PP passaram de 152.073 para 134.311, uma perda de 17.772 votos, 11,68%. Aquele total representa 2,68% dos votos expressos., em 2013 era 3,04%

Esta queda repete-se nos votos, percentagens e deputados municipais eleitos: de 224 para 184, uma perda de 40 deputados.

Nas assembleias de freguesia o mesmo cenário, com os eleitos reduzidos de 725 a 628, menos 103.

Ah! Mas em Lisboa tornou-se a segunda força superando o PSD!! Ah, regressamos ao século XIX e à “parvónia de Eça”, Lisboa é o país e o resto paisagem! …e no Porto ganhou o candidato que o CDS apoia…Pergunto: estes resultados são estruturais, ou resultam de duas conjunturas locais muito específicas e irrepetíveis?

O BE, falhou os objetivos!?

Entretanto, vem o pivot da TV pública e comenta: o BE reconhece que teve resultados modestos e que não atingiu os seus objetivos, o rodapé da imagem repete a ideia e eis que chega ao ecrã o jornalistas/analista do JN que dá o golpe fatal: O Bloco não ganhou anda…A “geringonça” falhou nos concelhos…

Deixemos de lado o objetivo de combater as maiorias absolutas, que na prática nega a possibilidade de um programa de candidatura representar a maioria absoluta das aspirações populares e levaria ao absurdo político do BE, quando obtivesse uma maioria absoluta, ter de apelar ao voto contra si próprio, E vamos aos fatos objetivos: “Temos mais mandatos em Assembleias de Freguesia, mais mandatos nas Assembleias Municipais e temos vereadores em Câmaras onde antes não tínhamos, sublinhou a coordenadora do BE”, dando exemplos de concelhos da Beira e Trás-Os-Montes onde o Bloco nunca tinha apresentado candidatura , como em Carregal do Sal (Distrito de Viseu) 8,2%_ 1 deputado municipal, Mesão Frio, 12,78%_ ou Alijó, 9,3% _ 2 deputados municipais (Distrito de Vila Real). Percentagens notáveis num mundo rural onde o BE, em regra, nunca gastou meias solas ( estou a citar Aquilino).

Nas eleições autárquicas de 2017, o Bloco de Esquerda elegeu 12 vereadores, quando antes tinha 8: Portimão, Amadora, Lisboa, Vila Franca de Xira, Abrantes, Entroncamento, Salvaterra (2 vereadores), Torres Novas, Almada, Moita, Seixal e na votação nacional para as Câmaras Municipais, passou de 120.958 para 170.027 votos, 3,29% …

Na votação nacional para as Assembleias Municipais, o Bloco de Esquerda passou de 100 para 125 deputados municipais, que correspondem ao crescimento de 157.661 para 216.327 votos

E nas Assembleias de Freguesia subiu de 138 para 213 eleitos, de 115.191 para 169.560 votos.

É certo que não conquistou nenhuma câmara, mas pode lá confundir-se a gestão empresarial por objetivos com a gestão das causas públicas.

O PCP é o segundo derrotado e a causa está no acordo para o Governo do PS!?

A desvalorização e mesmo a manipulação dos resultados eleitorais  do BE é uma das condições para alimentar a ideia que existe uma correlação de causa efeito entre a aliança parlamentar que o PCP estabeleceu com o governo PS e a perda de 10 municípios. Se esta lógica fosse verdadeira, deveria aplicar-se também ao BE, mas não se aplica, como acabamos de demostrar.

Mas não só. Observemos de perto os resultados para a Cãmara de Lisboa: O PS perde mais de 10.000 votos e a maioria absoluta: desce de 50,91% e 116.425 votos para 42,02% e 106.110 votos.

A CDU sobe de 22.519 votos para 24.138 votos e mantém os dois vereadores. Mas em percentagem desce ligeiramente, de 9,85% para 9,56%, o que parece indicar que pouco beneficiou dos cerca de 25.000 novos votantes, retirados à abstenção e novos eleitores.

 O BE sobe de 4,61%  e 10.533 votos para 7,13% e 18.003 votos, e elege um vereador.

Ninguém negará que é em Lisboa que a consciência política é mais elevada entre os cidadãos e os resultados mostram o contrário da análise que pretende, afinal, levar os comunistas a questionar a sua estratégia frentista.

Há outras causas para a descida da CDU a nível nacional. Na sua busca, continuemos em Lisboa, olhando agora para os resultados globais da direita: Em 2013 24,07 % e 53.970 votos, se somarmos á coligação PSD/CDS o PPM; em 2017, a soma destes três partidos alcança 80.309 votos, 31,8% dos votos.

Entre 2013 e 2017 Lisboa perde mais de 10.000 eleitores, descendo abaixo da faixa de 500.000, mas no escrutínio atual sobe de 228.682  para 252.525 votantes.

Torna-se óbvio, mesmo considerando o crescimento da CDU e do BE, que os mais de 30.500 votos obtidos em conjunto pela direita, vêm da diminuição da abstenção e da base eleitoral anterior do PS.

Por outro lado, se adotássemos o quadro de análise política dos que estabelecem uma relação mecânica entre a aliança parlamentar do PS, o BE e o PCP com os resultados eleitorais, teríamos de concluir que ela foi penalizadora dos resultados do PS, fazendo perder não apenas uma parte da base de simpatizantes mas também de outros eleitores.

Ora, os resultados nacionais do PS são claros: não apenas mais 8 municípios, mais mandatos em Assembleias de Freguesia, em Assembleias Municipais e Câmaras, como mais votos: os 36,26%  e 1.812.029 votos em 2013, passam a  37,82% e 1.956.703 votos em 2017 ou, se incluímos as coligações,  39,06 % e 2.022.303.

Quanto à direita, incluindo todas as coligações, em 2013 obtemos 33,95% e 1,649.490 votos, para 31,38%  e 1.767. 643 dos votos em 2017.

Ou seja, a direita vai buscar mais 110.000 votos, sobretudo à abstenção e provavelmente a novos eleitores.

Mas, ainda assim, a distância entre o PS e a coligação de direita eleva-se de 162.539  para 254.660 votos e de  3,87% para  7,68 %dos votos.

Prossigamos de novo com o questionar dos resultados do PCP, à luz dos resultados concretos:

Em Almada, a CDU desce de 38,73% e 23.466 votos, para 30,81% e 20.497 votos. Mas o BE também cresce, de 5,36% para 3.250 votos, praticamente o mesmo que a CDU perde.

O PS conquista a Câmara com uma subida de 25,72% e 15.586 votos para 30,81% e 20.497 votos.

Mas os dois partidos da direita também conhecem um ligeiro aumento: o PSD de 13,93% e 8.440 votos para 14,07% e 9.362 votos. O CDS de 2,48% e 1.502 votos, para 2,78% e 1.848 votos.

Daqui resulta que só o aumento do número de 60.593 votantes para 66.526, entre 2013 e 2017, parece explicar este crescimento múltiplo.

Apesar de conservar o essencial da sua base eleitoral, a CDU perde por apenas 313 votos. Na nossa opinião, o PCP sofre sobretudo com a mudança sociológica que alastrou lentamente pelo concelho nos últimos trinta anos, com o desaparecimento de parte substancial da sua base operária, assente nas grandes empresas e também aqui, como no resto da Europa, os ideais socialistas e comunistas dos partidos anteriormente alinhados com a URSS e a sua queda, perderam capacidade de atração junto das novas gerações.

Julgo que podemos observar os mesmos fenómenos no Barreiro, em Beja e em geral nos concelhos perdidos pelo PCP, em regra por margem escassa de votos. Escolhemos o Barreiro, para não alongar a análise e porque nele se podem comparar os votos de todos os partidos: a CDU passa de 44,89% e 14.380 votos em 2013 para 33,27% e 11.448 votos, perde portanto cerca de 3.000 votos; o PS cresce de 27,71% e 8.877 votos, para 37,52% e 12.913 votos, um crescimento de mais de 4.000 votos. O BE aumenta de 6,12% e 1.961 votos, para 6,74% e 2.318 votos, 357 votos. Tal como os dois partidos da direita: o PSD sobe de 8,89% e 2.848 votos para 11,37% e 3.912, mais de 1.000 votos; o CDS de 1,29% e 413 votos para 1,61% e 554 votos. O PCTP vê os seus mil votos reduzirem-se para metade e emerge o PAN com 2,74% e 943 votos, quase o dobro do CDS.

Há mais de 2.300 novos votantes, que se distribuíram maioritariamente pelo PS, o PSD, o BE e o PAN. O Barreiro deixou de ser um enorme centro fabril antes de Almada e tornou-se mais acentuadamente uma cidade de serviços, dormitório de Lisboa. Aqui, as perdas da CDU devem representar sobretudo o desaparecimento de muitos eleitores, pela ordem natural da vida e da morte, tal como a captação do voto dos anteriormente abstencionistas e novos eleitores pelo PS, o PSD, o PAN e o BE.

O PCP, que é o único partido que poderia reclamar-se dos triunfos do socialismo e da governação do partido comunista chinês, que tirou da pobreza 800 milhões de cidadãos  (UNESCO) e cujo progresso económico mantém a economia mundial acima da recessão (Banco Mundial),  tem na sua tradição internacional um problema mal resolvido: acreditou até ao fim na fidelidade dos dirigentes da URSS ao socialismo, como o faz hoje com o Partido do Trabalho da Coreia, mesmo depois deste partido ter substituído a sua ideologia pelo nacionalismo extremo ( alteração dos estatutos e da constituição em 1975). E assim se posiciona perante outros partidos que no passado lideraram revoluções democráticas e socialistas, movimentos de libertação e hoje são uma sombra do que foram…

Sem essa mudança de perspetiva, o PCP continuará a ser identificado com o pior que os regimes socialistas trouxeram ao século XX e os seus ideais serão incompreensíveis para as novas gerações.

A consolidação da derrota da direita

O PSD perdeu 8 câmaras. Perdeu também, nas suas candidaturas sem coligação, 38 vereadores, 97 deputados municipais e 302 lugares nas Assembleias de Freguesia.

O CDS em candidaturas próprias ganhou uma câmara, mas perdeu 6 vereadores, 43 deputados municipais e 103 lugares nas assembleias de freguesia. Quando contamos os votos nacionais nas suas candidaturas próprias, constatamos que ficaram abaixo, em dezenas de milhar de votos, do próprio BE, nas câmaras, assembleias municipais e assembleias de freguesia, sendo que em 2013 era ao contrário e, se comparados com os da CDU, representam menos de um quarto dos votos. Claro que há as coligações e o CDS vale mais do que este valor, tal como o BE que ainda não concorreu em muitos dos municípios.

Vimos também como a direita, todos os votos somados, recuou mais face ao PS, ficou à distância de 254.660 votos, que representam 7,68%.

No total nacional, tomando as câmaras como referência, a soma dos votos do PSD e CDS representa 32,38% do eleitorado.

A aliança parlamentar do PS, BE e PCP representa agora 52,59%.

A aliança parlamentar e o futuro

A direita conserva uma ampla base popular e, se coligada, poderá ainda disputar a primazia nos votos. A vitória de Pirro do CDS, que, como vimos não representa qualquer crescimento nacional e é circunstancial em Lisboa e no Porto, torna-se agora, paradoxalmente, um obstáculo de difícil ultrapassagem à futura coligação PSD/CDS, qualquer que seja o sucessor de Passos Coelho.

A aliança parlamentar dos três partidos, essa continuará até às próximas legislativas e depois delas, e o seu laboratório de ensaio será a Câmara de Lisboa: a governação do  PS acordada com o BE, com o apoio crítico da CDU.

A corrente de direita que historicamente tomou o PS e foi contida pela vitória do grupo dirigente liderado por António Costa, perdeu entretanto todas as eleições europeias, em França reduziu o PSF à dimensão de um pequeno partido e na Alemanha enfraqueceu o SPD. Em breve, na Itália, poderá repetir-se a derrocada europeia dos partidos socialistas da terceira via, a liberal.

O Governo de António Costa tem cada vez menos aliados na União Europeia para aplicar a sua estratégia de esperar para renegociar a dívida a partir de Bruxelas, a qual, só em juros, leva toda a receita anual do turismo (8.000 milhões de euros)! Enquanto podia fazê-lo a partir da frente comum dos países que mais sofreram e sofrem com as suas condições usurárias.

Embalado pelo pragmatismo de Bruxelas e o intervalo de crescimento económico entre os ciclos de crise financeira, pressionado por todos os falantes da comunicação social contra o perigo do “desvio esquerdista”, o governo do PS português vai esquecendo a reversão das PPP ruinosas para o estado, o desagravamento fiscal e da TSU das PMEs, o abandono do mundo rural, a salvaguarda da independência económica de juízes e magistrados e o reforço técnico e científico do sistema judicial, o pagamento justo e a melhoria das carreiras de médicos e enfermeiros do Sistema Nacional de Saúde ( a postura autoritária do ministro é um péssimo sinal, que lembra o passado recente), dos militares e das forças policiais, para os quais de fato, não sobram os recursos financeiros, esgotados pelo serviço de dívida, a salvação da banca, o financiamento indireto dos negócios privados da educação e da saúde sobredimensionados para o pequeno mercado nacional…

A crise da Catalunha, que nunca será resolvida pela ocupação e repressão, criará instabilidade e porventura recessão no nosso principal mercado…

A Europa continuará sob o estado de guerra de baixa intensidade.

…e a nova crise financeira continua a gerar-se no bojo de um sistema financeiro desregulado que controla o mercado e o poder político e mediático, criando artificialmente valores especulativos e perpetuando dívidas ( a dívida privada é o triplo da dívida pública em todos os países, e se considerarmos a "dívida oculta" dos seus estados, a Alemanha é o país mais endividado da Europa) que estão muito acima da economia real.

Se a esquerda não percecionar este quadro, sobretudo o PCP, que é o mais nacionalista dos partidos portugueses, se na direita portuguesa não emergirem novos dirigentes patriotas e democráticos, os fantasmas autoritários, chauvinistas e militaristas que assolam as democracias europeias, encarnarão também em Portugal, como já o fizeram na Hungria e na Polónia, os elos fracos de uma União Europeia que pratica internamente o semicolonialíssimo económico e internacionalmente tem apoiado todas as intervenções militares em países soberanos, deixando-se assim arrastar para uma situação de guerra de baixa intensidade que nos atinge através do terrorismo.

A comunicação social portuguesa, sobredimensionada e depois falida e tomada de assalto pelos fundos abutre e capitães da finança sem pátria, continuará a dar-nos uma visão superficial da realidade, a manipular o debate político e a alienar consciências. Os seus mandantes são os responsáveis pela nossa miopia política e os beneficiários da sua propaganda.
Nas suas emissões  se concentra o poder de fabricar e promover a classe política do país.

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