13.6.17

Para compreender a crise política na Venezuela

E exorcizar a guerra civil




A Venezuela antes das vitórias eleitorais de Hugo Chaves e do PSUV


Desde a década de 40, quando surgiu a "Ação Democrática (AD)", a Venezuela foi governada em alternância por este partido e pelo partido democrata-cristão “COPEI”, intercalada pela ditadura do general Pérez Jiménez, derrubado em 1958. A Venezuela era uma democracia formal, tutelada por uma hierarquia militar acusada de corrupção e sujeita ao controle dos EUA, uma democracia oligárquica que representava os interesses dos latifundiários e grandes empresários. 

Esta minoria social enriqueceu com a exploração do petróleo venezuelano, deixando morrer a agricultura e não desenvolvendo outros setores da economia. Só entre 1976 e 1995 as exportações de petróleo renderam ao Estado venezuelano 270 biliões de dólares. Mas, em 2001, 71% dos venezuelanos ainda viviam na pobreza, o desemprego atingia 21% da população ativa, e 48% da população dependia da economia "informal". A pobreza infantil atingia 2 milhões de crianças e, na capital, Caracas, viviam nas favelas 60% dos habitantes da cidade. No início do governo Chávez, o país importava 70% dos alimentos e a atividade rural não representava sequer 5% do PIB.

A revolta popular de 1989. O “Caracazo”

Violentas manifestações populares contra estes governos vinham-se intensificando ao longo dos anos anteriores, reclamando perante  a miséria e o desemprego. 

Em 27 de fevereiro de 1989, o aumento do preço dos autocarros em Caracas, desencadeou uma insurreição popular violenta, dos favelados vindos dos cerros e dos ranchos, que se estendeu a todo o país. 

Foi uma revolta dos setores mais pobres da população, com quem se misturaram os gangues criminosos, provocando a destruição dos veículos e assaltos às lojas; as manifestações foram reprimidas violentamente pela polícia e as forças armadas, contabilizando-se trezentos a mil mortos, conforme as fontes oficiais ou outras. 

O golpe “revolucionário” contra o governo da AD

A ação repressiva das forças armadas, o agravamento da crise económica, sobretudo da inflação e desemprego, provocaram a reação de um grupo de oficiais de baixa patente, liderados pelo então tenente-coronel Hugo Chávez, que protagonizou a 4 de fevereiro de 1992 um golpe de Estado contra o presidente Carlos Andrés Pérez, da Acción Democrática. O golpe foi contido e Chávez viria a cumprir dois anos de prisão. Entretanto, o presidente da República e chefe do governo foi afastado do cargo um ano depois, acusado de corrupção. Hugo Chaves seria logo a seguir amnistiado e, num quadro de crise agravada, optou pela via democrática para a conquista do poder. Em 1997, após passar à vida civil, Chávez fundou o Movimiento V República (MVR) e, candidatou-se às eleições presidenciais de 1998, apoiado por uma coligação de esquerda e centro-esquerda - o Polo Patriótico, que as venceu.

A história das eleições na Venezuela (incluindo o golpe de estado contra Chávez) e o epiteto de ditador atribuído a Hugo Chávez

Hugo Chávez e após a sua morte, Nicolas Maduro, chegaram ao poder e renovaram os seus mandatos presidenciais e as suas maiorias parlamentares ( do PSUV, sigla do Partido Socialista Unificado da Venezuela) através de eleições, consideradas livres e democráticas pelas instituições internacionais que as supervisionaram. Aceitaram sempre os seus resultados, mesmo quando as perderam!

Sigamos a sequência histórica:

- 06/12/1998: Eleições presidenciais. Com 56,2% dos votos, Hugo Chávez é eleito presidente da Venezuela para o período 1998-2003. O sistema político confere ao presidente a formação e direção do governo, que não emana da Assembleia Nacional de deputados, com um mandato que há época era de cinco anos e teve início no ano seguinte.

- 25/04/1999: Fazendo uso dos seus poderes legais, o presidente convocou para 25 de abril do mesmo ano, um referendo para outorgar uma nova Constituição; 87,75% dos venezuelanos aprovaram a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte para redigir a Constituição Bolivariana que irá substituir o texto de 1961.

- 25/07/1999: Nas eleições para a Constituinte, a coligação de Chávez, o Pólo Patriótico - conquistou 120 dos 131 lugares.

- 15/12/1999: Com uma participação de 46% e 71% dos votos, os venezuelanos aprovam a nova Constituição Bolivariana. A Constituição da Quinta República da Venezuela (mais tarde denominada República Bolivariana de Venezuela) outorgou maiores poderes ao presidente. O parlamento tornou-se unicameral, com a extinção do Senado. Aumentou a participação do Estado na economia e foram reconhecidos os direitos culturais e linguísticos das comunidades indígenas.

- 30/07/2000: Conhecidas como as "mega-eleições", foram convocadas para legitimar os novos poderes definidos na nova Constituição. Com 59% dos votos, Chávez ganha as eleições presidenciais para o período 2000-2006. O chavismo também conquista a maioria da Assembleia Nacional (Parlamento), os governos estaduais e os municípios.

2002. O Golpe de Estado da Fedecámaras contra o presidente eleito

Fedecámaras é a federação nacional dos empresários venezuelanos. Pedro Carmona Estanga tornou-se o seu presidente em 2001 depois de derrotar o empresário Alberto Cudemus, que representava o setor favorável às reformas constitucionais de 1999. Após um período de diálogo entre a Fedecámaras e o governo de Chávez, a rotura acontece quando este promulga em 13 de Novembro a Ley Orgánica de Hidrocarburos, la Ley de Pesca, la Ley Especial de Asociaciones Cooperativas, la Ley General de Puertos, mas sobretudo la Ley de Tierras y Desarrollo Agrario, entre outras. Esta postulava o direito do governo a expropriar os latifúndios abandonados ou sub explorados, em razão da necessidade de superar a crónica dependência alimentar da Venezuela face ao exterior, diversificar a economia e reduzir a fatura das importações. Visava também apurar a legitimidade legal dos grandes proprietários, organizados na Fedenaga, já que a história da Venezuela estava cheia de esbulhos violentos, sobretudo contra os indígenas, apropriação de terrenos públicos e abusos contra os camponeses, concedendo aos proprietários um prazo legal para apresentar os seus títulos de propriedade ( o Miami Herald estimava que 95% dos grandes proprietários não possuíam títulos firmes!).

O golpe foi preparado durante seis meses, com um conjunto de ações destinadas a destabilizar a economia e a situação política: Em Dezembro, a Fedecámaras convoca uma greve geral, que divide o mundo empresarial, pois a Fedeindustria recusa participar, em conjunto com la Confederación de Trabajadores de Venezuela_CTV, a principal central sindical, cuja direção fora tomada por opositores políticos do governo; mas os partidos políticos de oposição permaneciam divididos sobre a estratégia a seguir_ desde a reclamação de uma Junta Médica que comprovasse a sanidade mental do presidente, à convocação de um referendo ou de uma nova Assembleia Constituinte. Fedecámaras e CTV conseguem o apoio da hierarquia da Igreja e a comunicação social amplifica esta campanha, figuras militares fazem pronunciamentos golpistas, na empresa petrolífera nacional levantam-se oposições e no plano internacional começa a campanha pela destituição de Chavez. A Fedecámaras subscreve um pacto político com a Confederación de Trabajadores de Venezuela, como base de um futuro governo que revertesse a política de Chávez e do PSUV, e lança as primeiras manifestações de rua culpando o governo por mais desemprego e maior inflação; em 9 de abril a Confederación de Trabajadores de Venezuela e a Fedecamaras convocam nova greve geral, os gestores e administradores da empresa nacional de petróleo encabeçam a paralisação e obtêm o apoio dos partidos políticos da oposição e da própria igreja: a paralisação é agora por tempo indeterminado, até obter a renúncia de Chávez. 

As manifestações de rua tornam-se violentas e são orientadas para o cerco do palácio presidencial, onde se concentram os populares que defendem o governo; após a confrontação sangrenta, e apesar do apelo televisivo de Chávez contra a violência, o Alto Comando das Forças Armadas e os golpistas civis anunciam na comunicação social a sua renúncia, prendem-no e levam-no em segredo para a prisão de Fuerte Tiuna. À revelia da Constituição, Pedro Carmona, o líder da Fedecámaras autoproclama-se Presidente, logo apoiado pelos partidos e forças da oposição. Ele dissolve e demite de imediato o parlamento e todas as autoridades eleitas, os órgãos e as representações internacionais do estado e revoga as 48 leis que conduziram ao conflito, tal como a própria Constituição da República Bolivariana.

Mas a grande massa da população resiste nas ruas, cerca as televisões e envolve os militares golpistas; os paraquedistas, camaradas do presidente, intervém a tempo de lhe salvar a vida e libertam-no, os golpistas são derrotadas ao terceiro dia. O governo denunciaria então a cumplicidade dos EUA e o apoio da CIA ao golpe.

Esta estratégia golpista e as suas táticas marcariam de futuro todos os enfrentamentos entre a oposição e os governos do PSUV, nomeadamente a transformação de manifestações pacíficas em tentativas de cerco às sedes institucionais do poder, procurando o confronto violento; o encerramento de bancos, supermercados e empresas; a manipulação da informação levada a cabo pela comunicação social privada, dominante na Venezuela… o que mudou, entretanto, foi o papel da Igreja Católica, que sob a iniciativa direta do papa Francisco assume hoje o papel de mediadora na procura de uma solução política que evite a violência e a guerra civil e, paradoxalmente, é o governo de Nicolas Maduro quem avança para uma nova Assembleia Constituinte, uma das alternativas da oposição antes do golpe. Prossigamos a história…

- 15/08/2004: Referendo revogatório contra Chávez. Registando 69,92% de participação, ele vence com 59,10% dos votos e mantém-se no poder. Este resultado foi contestado pela oposição, que alegou fraude e exigiu uma contagem manual dos votos. Mas o Centro Carter e a Organização dos Estados Americanos, que participaram nas eleições como observadores, ratificaram o seu resultado. 

Em finais de 2004 realizaram-se eleições para o cargo de governador de estado, tendo ganho a maioria os partidários de Chávez.

- 31/10/2004: Eleições regionais. Com a participação de 35% do eleitorado, os candidatos do governo ganham 20 dos 22 governos estaduais mais o distrito capital.

- 07/08/2005: Com participação inferior a 29,4%, o governo esmaga a oposição nas eleições municipais.

- 04/12/2005: Eleições parlamentares. Com 24,17% de participação (a mais baixa desde 2000), o chavismo e seus aliados conseguem os 167 assentos da Assembleia Nacional (Parlamento), porque a oposição decidiu não apresentar candidaturas e boicotar o ato eleitoral.

- 03/12/2006: Eleições presidenciais para o período 2006-2013. Com 75% de participação, Chávez vence com 62,84% dos votos Manuel Rosales, que teve 4.292.466_ 36,90%. 

- 02/12/2007: Referendo sobre a proposta de reforma constitucional. O projeto obtém 50,7% dos votos a favor e 51,05% contra. 

Chávez perde uma eleição pela primeira vez, mas a sua derrota resulta de dois fatores novos; uma parte do PSUV opôs-se às mudanças e o movimento estudantil tomou a rua.

A proposta trazia maiores direitos sociais, como a semana de 36 horas e o alargamento da Segurança Social aos trabalhadores independente, às donas de casa e aos motoristas do transporte público. 

Mas punha fim aos limites ao número de vezes permitidas para a reeleição do presidente, colocava o Banco da Venezuela sobre a sua tutela e atribuía-lhe poderes acrescidos de nomeação dos vice-presidentes, criação de entidades administrativas… desprotegia-se a propriedade intelectual e enfatizava a propriedade socialista… 

Apesar de ajuda financeira da USAID, U.S. Agency for International Development, que desde 2003 financiou em 216 mil USD atividades e organizações oposicionistas sob a capa de programas de "solução de conflitos", "promoção da democracia" e outros, os líderes estudantis deixaram claro, nos discursos proferidos nas grandes manifestações da época, que não pretendiam o derrube do presidente.

- 23/11/2008: Eleições regionais. Quase 17 milhões de venezuelanos elegeram 603 cargos de governadores, presidentes de Câmara deputados estaduais e vereadores metropolitanos, que consagraram a hegemonia do PSUV.

- 15/2/2010: Aprovação, em novo referendo, de uma emenda à Constituição que permite a reeleição indefinida para todos os cargos de eleição popular, incluindo o de presidente.

- 26/09/2010: Eleições legislativas. O PSUV vence, mas não alcança dois terços dos lugares no parlamento, o que obrigará Chávez a negociar as leis mais importantes e as nomeações de alguns dos mais altos funcionários do Estado com a oposição.

Quadro 1. Eleições legislativas de 2010




* Aproximadamente

- 07/10/2012. Presidenciais. Hugo Chávez 7 860 982_ 54,84%_ PSUV, vence Henrique Capriles Radonski 6 386 155 _ 44,55%_ PJ. Participaram 80,85% dos 17.772.866 eleitores. 

- 14/04/2013. Presidenciais. Nicolas Maduro. 7 586 251_ 50,62%_PSUV volta a vencer Henrique Capriles Radonski 7 361 512_ 49,12%_PJ. Participaram 79,69% dos 18.806.630 eleitores.

- 06/12/ 2015. Eleições legislativas. Os membros da oposição representada pela Mesa da Unidade Democrática (MUD), acusavam o presidente Nicolas Maduro de querer suspender as eleições, mas este, não obstante denunciar a existência de um conluio entre a oposição e a Federação empresarial para aumentar a falta de bens essenciais no mercado e a interferência económica e política do governo dos EUA, respeitou o seu calendário constitucional. 

O MUD ganhou por larga margem ao Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), que perdeu a maioria da Assembleia Nacional pela primeira vez desde 1999.


Quadro 2. Eleições legislativas de 2010

Partido
Votos
%
Cadeiras
+/–
Mesa da Unidade Democrática (MUD)
7.707.422
56,3
112
Aumento48
Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV)
5.599.025
40,9
55
Baixa44
Outros
392.756
2,9
-
-
Inválido/votos brancos
686.119
4,7
Total
14.385.322
74,17
167
+2
Eleitores
19.540.000
100
Os resultados comparados das eleições legislativas de 2010 (Quadro 1) e 2015 (Quadro 2), mostram que o PSUV aumenta cerca de 150.000 votos, num quadro eleitoral em que o número de eleitores cresce 1.860.000.
O MUD oposicionista soma mais 2.300.000 votos, parecendo indiciar que incorporou todos os votos oposicionistas (os 350.000 do Pátria para Todos, de 2010) e ganhou o apoio dos novos ( e porventura da maioria dos jovens) eleitores. O elevado número de votos nulos e brancos, 686.119, deverá ter penalizado sobretudo o PSUV, registando-se uma queda do número de abstencionistas, de 6,4 para 5,1 milhões.

Quem controla a comunicação social na Venezuela?

O "controle dos Media" pelo governo venezuelano é outro dos fundamentos da classificação do atual regime constitucional da Venezuela como uma ditadura. Na realidade, 80% da comunicação social na Venezuela é privada. Os três jornais de circulação nacional (El Universal, El Nacional e Últimos Noticias) são oposicionistas do governo, especialmente os dois primeiros, os quais detêm, sozinhos, 90% dos leitores. Dos quatro canais de TV com cobertura nacional, três deles (Venevisión, Globovisión e Televen) são oposicionistas, representando 90% da audiência, de acordo com informações fornecidas pela empresa AGB.

O papel desta comunicação social no golpe anticonstitucional de 2002 é a prova maior do seu alinhamento partidário, refletido igualmente no tratamento desigual das candidaturas em todos os processos eleitorais.

Na vizinham-se da Venezuela a situação não é mais favorável. No Peru, cujo governo é pró-EUA, 78% da imprensa escrita pertence a um só grupo. No Brasil, a comunicação social de massas, totalmente pró-Washington e anti bolivariana, encontra-se mais concentrada que à época da ditadura: pertence a cinco famílias oligárquicas. 

O New York Times vem publicando, regularmente, editoriais críticos do regime constitucional venezuelano, que depois ecoam em toda a comunicação social internacional. 

Na crise atual, nem uma entrevista, nem uma manifestação favorável ao governo de Maduro passa no alinhamento nobre das televisões internacionais. Veja-se a cobertura da nossa televisão pública, a RTP! É como se não existisse povo do lado do governo democraticamente eleito, nem manifestações populares a seu favor, nem vítimas inocentes entre os seus apoiantes (A vítima mais recente dos conflitos é uma mulher de 47 anos, que foi atingida na cabeça por uma garrafa de água congelada enquanto voltava de uma manifestação em apoio ao presidente Maduro. “Infelizmente, a cidadã Almelina Carrillo Virguez faleceu, outra vítima da direita terrorista, cheia de ódio”, escreveu na sua conta do Twitter o Ministro do Interior, Néstor Reverol), nem análise das causas da crise, das carências básicas da população, e, em caso nenhum, a simples apresentação da história política e da prática social do PSUV e dos seus líderes históricos!

A omissão da história é um dos atributos essenciais do pensamento único. E quando os Saddan, Kadaphy, Bashar Al-assad constituem um obstáculo aos interesses da liberdade dos mercados, a sua diabolização exige lavar a imagem dos adversários, que passam a ser aliados e combatentes pela democracia! Conhecemos as consequências, no Iraque, na Líbia, na Síria…

O que representa politicamente a oposição, o MUD?

A direita radical, golpista e violenta

COPEI (acrónimo de Comité de Organización Política Electoral Independiente): Sem deputados. Foram relegados para suplentes do MUD. 

Reclama-se da doutrina social cristã e, entre 1958 a 1978, monopolizou o poder em alternância com a AD. Afirma hoje seguir a linha neoliberal dos conservadores alemães da CDU e do PP espanhol. Diversas cisões, mais radicais ou mais moderadas, levaram à criação dos partidos Voluntad Popular e Convergencia, Proyecto Venezuela e Primera Justicia. 

Vontade Popular (VP): 14 parlamentares. Surge em 2009 como movimento social e político e em 2011 como partido. 

Junto com o Aliança Bravo Povo, Vente Venezuela, Projeto Venezuela e COPEI representam a ala mais dura da MUD, que preconiza a radicalização do confronto com o governo presidencial para provocar uma saída antecipada de Nicolás Maduro. O seu principal dirigente é Leopoldo López, antigo presidente do município de Chacao, que foi um dos signatários, junto com Maria Corina Machado (VV) e Antonio Ledezma (ABP), do plano conhecido como “A Saída”.

Teve uma participação destacada no golpe de Estado de 2002 ( ao lado de Henrique Capriles) e no episódio de cerco à embaixada de Cuba que o acompanhou. 

Nas eleições presidenciais de 2006 compartilhou a sigla Primeira Justicia com Henrique Capriles.

Em 2014 foi condenado pela justiça a quase 14 anos de prisão, acusado de ser um dos principais autores morais das manifestações violentas de fevereiro de 2014, conhecidos como “guarimbas”, que deixaram um saldo de 43 pessoas mortas. Goza de uma relação privilegiada com o presidente colombiano Álvaro Uribe, país onde se estabeleceram as principais bases americanas na região.

O partido VP defende a economia de mercado contra a nacionalização da PDVSA (empresa petrolífera nacional), assim como rejeita o controle dos preços pelo governo. 

Convergência (Conv): um parlamentar. É um partido conservador, baseado na ideologia democrata-cristã, defensor da propriedade privada e da família. Surge a partir de uma cisão da COPEI. O seu presidente atual é Juan José Caldera. 

Aliança Bravo Pueblo (ABP): um parlamentar. É um partido que surge em 2000 a partir de uma cisão da AD que apoiava Antonio Ledezma, e chegaria a ser, em 2008, o presidente da Cãmara de Caracas. Atualmente Antonio Ledezma está preso, acusado de participar com Leopoldo López (ABP) e Maria Corina Machado (VV) no plano “A Saída”, que visava derrubar o presidente Nicolás Maduro pela sedição. 

Vente Venezuela (VV): um parlamentar. É uma organização que ressalta a figura do indivíduo, da propriedade e fortemente crítica ao que define como “populismo”. Propõe-se superar a polarização “esquerda e direita” por considera-la obsoleta. A sua principal dirigente é Maria Corina Machado, ex-deputada que foi deposta em 2014 depois de aceitar o cargo de “representante suplente” do Panamá, na cúpula da OEA. Junto com Antonio Ledezma e Leopoldo López foi signatária do plano “A Saída” que visava destituir o presidente Nicolás Maduro. Maria Corina foi a dirigente da oposição que mais sobressaiu nas manifestações violentas de fevereiro de 2014. 

Projeto Venezuela (PRVZL): um parlamentar. É um partido político social-cristão, fundado em 1998 por Henrique Salas Römer, um dos que impulsionaram o referendo contra Chávez em 2004. O partido defende a propriedade privada e o mercado. Em muitas ocasiões teve uma atitude crítica contra o resto da oposição face às carências de um projeto de ação conjunta.

Cuentas Claras (CC): 2 parlamentares. É um partido regional que surge em 2004 por iniciativa de “Enzo” Scarano Spisso, com forte presença no estado de Carbobo. Enzo Scarano foi prefeito de San Diego e em 2014 foi condenado pelo Tribunal Supremo de Justiça Venezuelano a 10 meses de prisão e destituição do cargo por desacato à ordem de proibição de barricadas na sua jurisdição e por colaborar com os protestos estudantis violentos que procuravam destabilizar o governo de Nicolás Maduro.

Do Centro Direita ao Centro-Esquerda?

Primeira Justiça (PJ): 33 parlamentares. Surge no ano de 2000 no âmbito regional, e nacional em 2003. Os seus principais dirigentes são Henrique Capriles Radonski, atual governador do estado de Miranda, que concorreu às eleições presidenciais com Hugo Chávez e Nicolás Maduro em 2012 e 2013 respectivamente; Julio Borges, deputado de 2005 a 2015 e Carlos Ocariz, presidente do município de Sucre. 

Ainda que no congresso realizado em 2007 os membros do Pj o tenham definido como de “centro-esquerda”, defende a economia de mercado sem restrições e o partido teve uma participação ativa tanto no golpe de Estado contra Hugo Chávez em 2002, como na greve do petróleo de 2002-2003. 

É financiado por diversas fundações e organismos internacionais, entre eles a Fundação Nacional para a Democracia (NED, em inglês), e a Usaid, e tem uma relação próxima com o Partido Popular Espanhol. Junto com Um Novo Tempo, Ação Democrática e Avançada Progressista, o PJ forma o bloco “moderado” dentro da MUD.

Ação Democrática (AD): 26 parlamentares. Foi o partido, junto com o COPEI, que alternou por mais de quatro décadas no poder; filia-se atualmente na socialdemocracia de cunho liberal comprometida com as políticas pró austeridade que dominaram a Internacional Socialista.

Um Novo Tempo (UNT): 20 parlamentares. É um partido criado em 1999 no estado de Zulia – que governa desde 2000 – a partir de uma cisão da AD, e que em 2006 consegue implantação nacional, reclamando-se da social democracia. Um de seus fundadores foi Manuel Rosales, que em 2002 assinou o decreto que proclamava Carmona como presidente da Venezuela, dando suporte ao golpe contra Hugo Chávez. Concorreu à presidência contra Chávez em 2006. Em 2009, depois de ser acusado por atos de corrupção, Rosales pediu asilo político no Peru. 

Avançada Progressista (Ap): 3 parlamentares. É um partido fundado em 2012, com base numa cisão do PSUV, auto definido como progressista, solidário e humanista, identificando-se com a linha do PT de Lula, defendendo uma economia mista, estado e iniciativa privada, contra a estatização “exagerada” .

A Causa Radical (LCR, pela sigla em espanhol): 4 parlamentares. O partido foi fundado em 1971 a partir de uma cisão do Partido Comunista da Venezuela. A sua doutrina é definida como “democracia radical”. 

Movimento Progressista da Venezuela (MPV): 4 parlamentares. O Movimento Progressista surgiu como uma divisão do partido Pátria Para Todos (PPT), que enfrentou Chavez nas presidenciais; após a ruptura da coaligação com o governo de Hugo Chávez, o partido dividiu-se, num grupo denominado PPT-Maneiro (simpatizante do governo de Chávez) e outro, o PPT, alinhado na oposição. Defende uma “economia mista” onde “o Estado seja proprietário das indústrias básicas fundamentais, manejadas com critérios técnicos adequados. Mas ao mesmo tempo o Estado deve garantir regras claras à iniciativa privada e garantias jurídicas a longo prazo com o propósito de promove-la”. Um de seus principais dirigentes é Liborio Guarulla, líder indígena e atual governador do estado Amazonas. Em 2015 decidiram formar parte orgânica da MUD.

Gente Emergente (GE): um parlamentar. É um partido de tendências de centro-esquerda que em 2008 rompeu com o PSUV. Para as eleições de 2010 decidiu  aliar-se ao MUD. 

Força Cidadã: um parlamentar. Força Cidadã é um partido político que se afirma social democrata, implantado unicamente no estado de Apure. Foi fundado em março de 2003 por Luis Lippa, fruto de uma cisão com a Ação Democrática. 

Henrique Capriles e as divisões no MUD

É o rosto político do candidato da oposição à presidência do governo. 

Teve uma participação destacada no golpe de Estado de 2002. Logo depois das eleições presidenciais de abril de 2013 assumiu o posicionamento de não reconhecer o resultado e convocou a população a “expressar a raiva” nas ruas (essa convocatória deixou um saldo de sete mortos), mas foi assumindo uma posição mais moderada e negou-se a participar na tentativa de destituição do presidente em fevereiro de 2014, não apoiando as manifestações violentas impulsionadas pela ala radical, que acabaram por se esgotar.

A controvérsia interna no MUD para escolher os candidatos às legislativas de 2015, prosseguiu com a eleição do presidente da Assembleia Nacional, onde os radicais de direita impuseram o seu candidato. o deputado Henry Ramos Allup da Ação Democrática, contra o candidato da Primeira Justiça, Julio Borges.

Com esta escolha, a estratégia da “Saída”, que não aceita respeitar os prazos constitucionais para a eleição do novo Presidente do Governo da República, marcada para 2019, passou a utilizar o parlamento como um instrumento para alcançar esse objetivo, acompanhado pela tática das “guarimbas”, as manifestações de rua dirigidas para o cerco e a pressão sobre as instituições do poder, acompanhadas por barricadas e organizadas para conduzirem ao confronto violento.

Os radicais de direita proclamaram a intenção de revogar de imediato os decretos presidenciais, regressando às privatizações, revogar as Leis do Trabalho e da Reforma Agrária…

Os partidários de Henrique Cabriles e o seu partido PJ lideram a outra corrente oposicionista, colocando a ênfase na construção de um alternativa real de governo, com propostas para resolver a situação económica e afirmam respeitar os benefícios sociais promovidos pelos governos anteriores. 

As causas da crise económica e política na Venezuela

A decadência histórica da agricultura num país onde as classes dominantes se tornaram as únicas beneficiárias da exploração petrolífera, durante mais de meio século, justificaram a promulgação da Lei de Terras e Desenvolvimento Agrário, aprovada no final de 2001. A nova legislação passou a proibir a posse de mais do que cinco mil hectares por proprietário, estabeleceu impostos progressivos sobre as propriedades, adotou mecanismos para expropriação de latifúndios improdutivos e determinou a recuperação de áreas públicas ilegalmente ocupadas. Os quatro eixos principais dessa política, foram a distribuição de terras, o apoio finaceiro ao setor agrícola através dos rendimentos do petróleo, a assessoria técnica e a distribuição de alimentos, visando diminuir a dependência alimentar e os gastos com a importação de alimentos. Apesar do golpe militar falhado e de atos de violência criminosa que ceifaram dezenas de vidas, mais de 6,4 milhões de hectares foram distribuídos entre 168 mil famílias e a reforma agrária prosseguiu. A banca, pública e privada, passou a ser obrigada a oferecer crédito para o financiamento dos camponeses. Os fundos financeiros da renda do petróleo viabilizaram programas de alimentação escolar e de distribuição subsidiada de alimentos nas cidades, obrigatoriamente abastecidos pelas terras da reforma agrária.

O Banco Agrícola da Venezuela, de capital público, emprestou aos produtores rurais 1,22 biliões de bolívares em 2010, cifra 60 vezes maior maior que em 2006. Desde a criação do Fundo para o Desenvolvimento Agrário Socialista (Fondas), em 2008, mais de 3,7 biliões de bolívares foram emprestados aos agricultores do país.

As fazendas privadas produtivas não foram objeto de expropriações, mas o Estado passou a ser o grande vetor da atividade agrícola.

Apesar da quota de importação alimentar continuar próxima aos 70%, sobretudo para permitir o apoio alimentar aos 71% dos venezuelanos pobres, que os governos do PSUV herdaram, e também por isso, o consumo energético por habitante subiu de 2,2 mil calorias em 1998 para 3,2 mil em 2011, sem aumentar as compras no exterior. A produção nacional de carne bovina, passou a cobrir 78% da procura. A de arroz, 96%. A de leite, 64%. A estratégia política governamental combinou a expansão da agricultura familiar com o enquadramento e apoio por grandes corporações estatais. Essas empresas, além de terem a sua própria produção, compram a safra dos pequenos agricultores e das cooperativas locais, além de fornecerem crédito e assistência. Tal é o caso de empresas como a Los Andes, de engarrafamento de leite, sucos e água; Café Fama da América; Café Venezuela; Cacao Oderi, de chocolates.

Também distribuem os alimentos nas cidades, tanto através da rede privada quanto do sistema Mercal, controlado pelo governo e com preços subsidiados. Vários desses projetos contam com apoio e sociedade da PDVAL, o braço agrícola da gigantesca empresa estatal do petróleo, que canaliza parte de seus lucros para os programas de reforma agrária.

Segundo dados oficiais, a produção de alimentos na Venezuela, entre 1988 e 1998, cresceu 8%, de 15,9 milhões de toneladas anuais para 17,1 milhões. Em 2010, esse volume tinha subido para 25 milhões de toneladas, representando um aumento de 44% da produção agrícola nacional durante a era Chávez.

Mas este caminho foi bloqueado com o emergir da crise de preços no mercado mundial do petróleo.

Causas e consequências políticas e económicas da queda global dos preços do petróleo


A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) anunciou em 2010 que a Venezuela se tonou o número um do mundo em volume de reservas de petróleo cru, com 296,5 biliões de barris, aumentando em 40% o número de suas jazidas. A Arábia Saudita caiu para o segundo lugar, com 264,5 biliões de barris. Em terceiro lugar aparece o Irão, com 151,1 biliões de barris e, em quarto, o Iraque, com 143,1 bilhões de barris, seguido do Kuwait 101,5, Emirados Árabes Unidos 97,8, Rússia 79,4 e Líbia 47,0 biliões de barris. Ao olharmos para o nome destes países logo percebemos a sua ligação aos mais recentes conflitos militares, pelo controle do combustível que faz mover a economia mundial.

O petróleo começou a ser explorado em grande escala na Venezuela a partir de 1922, substituindo o café como principal exportação e o gás natural em 1946. Durante a II Guerra Mundial (1939 - 1945) a Venezuela forneceu 60% das necessidades de combustível dos Aliados. Em 1943 o Estado venezuelano legislou sobre a divisão das receitas obtidas pelas empresas que exploravam o petróleo, ficando a Venezuela com 50% dos lucros.

No pós-guerra o petróleo consolidou a sua importância como produto estratégico no desenvolvimento industrial dos países. Os Estados Unidos, como grandes importadores, procuraram garantir o seu controle geopolítico e manter o barril com preços baixos e estáveis, entre 12 a 16 dólares. Nesse período, a Venezuela experimentou algum avanço social nas infraestruturas rodoviárias, saúde e educação. 

Em 1960 a Venezuela tornava-se um dos países fundadores da OPEP, mas foi preciso esperar pela guerra Israelo-Árabe do Yom Kippur (06 a 26 de outubro de 1973) para que o petróleo se valorizasse no mercado mundial; em protesto pelo apoio dos EUA e dos seus aliados europeus a Israel, os países árabes da OPEP declararam embargo total das exportações, que durou cinco meses. O resultado foi um salto no preço do petróleo, de 11 para 30 dólares o barril. 

Em 1976, começou a nacionalização da produção (estatização) do petróleo na Venezuela, portanto, muito antes do Chavismo. Anteriormente o produto era explorado por concessão, a partir de então, as empresas privadas foram fundidas na estatal Petróleos da Venezuela S.A. (PDVSA). Somente em 1996 é que o governo venezuelano abriu novamente a produção de petróleo ao investimento de capital externo e novas licitações foram feitas.

A eleição de Hugo Chavez em 1999 e a sua política “nacionalista e anti-imperialista” leva-o a apostar na transformação da OPEP numa organização liberta da tutela dos EUA. As primeiras viagens internacionais de Chávez demandaram os países membros da OPEP: Irão, Líbia e Iraque. Em 2000 Chavez obtém uma vitória diplomática de significado mundial: a cúpula da OPEP reuniu-se em Caracas e decidiu regular o volume de produção dos seus membros, de modo a manter o preço do barril estável, entre 22 e 28 dólares; o preço do barril que em 1999 era de 9,00 USD passou de imediato a mais de 20,00 USD e aí se manteve até o 11 de setembro de 2001, quando os preços do petróleo dispararam no mercado mundial devido ao ataque ao World Trade Center, em Nova York, crescendo então para os 30 USD por barril. 

As sucessivas intervenções militares dos EUA e dos seus aliados, primeiro no Afeganistão e o reacender do conflito israelo-palestino, conservaram o preço naquele nível, aumentando o receio no mercado mundial da carência de oferta; já em 2003 o anúncio da intervenção no Iraque eleva-o para os 40 USD por barril; em 2006 o conflito entre Israel e o Hezbollah e a tensão entre o Irão e os EUA levam-no ao pico de 78,40 dólares. Em 2008, o ano da crise financeira internacional faz ultrapassar a barreira de 100 USD; alimentado por novas ameaças e incertezas que resultam da intervenção na Líbia (2011) e depois na Síria ( apoiando todos os chamados rebeldes, incluindo o DAESH no início) sobe acima dos 110 USD e aí se mantém até 2014.

Internamente, na Constituição Bolivariana de 1999, referendada pelo voto popular, a maioria de deputados do PSUV, eleitos pelos seus concidadãos, fez inscrever que a PDVSA não poderá mais ser privatizada. É criado o Plano de Desenvolvimento Económico e Social da Nação 2001-2007, que prevê a passagem dos lucros da PDVSA para o Governo e para a sua política social e de desenvolvimento da Reforma Agrária, válida para os novos contratos. Mas a medida que procurava moralizar os previlégios da hierarquia e da aristocracia operária da companhia petroleira, foi a separação da contabilidade interna e externa da PDVSA, que passou a ser feita fora da empresa e de forma pública. Além disso, a legislação limitou as atividades comerciais da PDVSA, retirando-a da área de especulação financeira. 

Essa política do governo  para a PDVSA foi um dos motivos para o mal sucedido Golpe de Estado sofrido por Chávez em 2002, apoiado na greve geral do setor petroleiro, que fez a produção baixar quase até ao zero. A demissão de 17 mil, dos 40 mil empregados da empresa e o recurso a técnicos cubanos permitiu então, em 2002, manter o nível da produção de petróleo.

Para desenvolver a política social, em maio de 2004 criou-se o Fundo para o Desenvolvimento Econômico e Social do País (FONDESPA), diretamente ligado aos lucros da PDVSA, como um mecanismo de transferência para a população da riqueza gerada pelo petróleo. No primeiro ano de funcionamento este fundo dispôs logo de 2 milhões de USD. Desde 2005, este novo mecanismo permite que a empresa retenha no máximo 26 USD por barril, para financiar o seu funcionamento e infraestruturas, sendo o valor de venda acima desta quantia canalizado para o governo presidencial, que o divide entre o FONDESPA (obras sociais) e o Fundo Nacional do Desenvolvimento, o FONDEM (obras de infraestrutura nacional). Uma quantia imensa, se considerarmos os valores médios do mercado acima de 110 USD,

A Guerra do petróleo

Esta guerra não declarada, mas que concertou a Arábia Saudita com os EUA ( do presidente Obama) numa aliança sem princípios contra os seus concorrentes e inimigos políticos, mas também contra os seus aliados, está a destruir a economia de países como a Venezuela, o Brasil, Angola ou a Rússia. Analisemos as duas estratégias convergentes.

A Arábia Saudita quer manter a sua quota de mercado a todo o custo

A Arábia Saudita possui grandes reservas de petróleo e muitos poços que não operam no limite da sua produção. Portanto, aumentou com custos muito baixos o volume de crude colocado no mercado, provocando a baixa de preços. 

Mas mesmo com um défice orçamental recorde de 89,2 mil milhões de euros em 2015 devido à queda do preço do crude, a Arábia Saudita, que dispõe também de gigantes reservas financeiras (é o terceiro credor da dívida soberana dos EUA) continua determinada a continuar a produzir mais e não menos. O objetivo principal dos sauditas é arruinar os concorrentes e manter a quota do mercado. 

Estes, com preços baixos, investimentos em poços com novas tecnologias como o "fracking" (EUA) e em águas profundas (Brasil) deixam de ser rentáveis. Com a saída do mercado destes produtores concorrentes, a Arábia Saudita assumiria de novo um papel de país dominante.

Os EUA, que apostaram no "fracking", não seriam praticamente afetados, pois toda a sua produção é para consumo interno e o seu objetivo estratégico é ser autossuficiente, as exportações são residuais.

A ascensão dos EUA como produtor autossuficiente

Entre 2012 e 2015, os Estados Unidos da América aumentaram a sua produção de petróleo de 10 para 14 milhões de barris por dia e tornaram-se o maior produtor mundial, ultrapassando a Rússia e a Arábia Saudita.

A quantidade adicional que chega aos mercados através do aumento da produção nos EUA é gigantesca: Os quatro milhões de barris adicionais,  por dia,  equivalem à produção conjunta da Nigéria, de Angola e da Líbia, três dos maiores produtores de petróleo em África.

O aumento foi possível graças a novas tecnologias inovadoras, como o fraturamento hidráulico, o chamado "fracking". Este tipo de extração tem um impacto ambiental tremendo no meio ambiente por se tratar de um processo que consiste na perfuração e injeção de fluídos químicos no solo para elevar a pressão, fazendo com que haja fratura das rochas e a libertação do gás natural. Nos fluídos usados existem cerca de 600 produtos tóxicos, incluindo agentes cancerígenos. Cada poço pode ser fraturado até 18 vezes e são necessários de 400 a 600 caminhões tanque de água para cada operação. O fluído usado é deixado a céu aberto para evaporar, contaminando o ar e contribuindo para o surgimento de chuvas ácidas. Durante o processo, os lençóis freáticos subterrâneos, que são a origem da água potável e para fins agrícolas, também ficam irremediavelmente poluídos. Nos EUA existem 500 mil poços ativos. 

Esta tecnologia é relativamente cara, mas num ambiente de preços altos, tornou-se lucrativa. Deste modo, a economia americana ganhou autossuficiência em matéria de combustíveis fósseis e os seus inimigos políticos, como os governos da Venezuela, do Irão, e da Rússia, ficaram sob pressão política e social. Tal como o próprio Brasil, onde as companhias americanas perderam quota de marcado em favor da China, que assim é pressionado para que favoreça de novo as companhias estadunidenses.

A Arábia Saudita já desempenhou um papel importante na estratégia dos EUA para conseguir a queda final da URSS; quando anunciou, em 1985, que deixaria de proteger o preço do petróleo, os preços caíram a pique. A Rússia perdeu então 20 biliões de USD por ano em receitas de exportação. 

A política do novo presidente dos EUA, de abandono dos acordos climáticos, encontra aqui a sua principal razão de ser, revelando que o candidato representa de fato os planos e interesses das grandes companhias americana do setor petrolífero e é muito mais que um empresário ignorante da crise ambiental. 

A estratégia americana de aumento da produção no Iraque

O segundo maior aumento de produção em 2015 foi o do Iraque. Apesar da guerra civil com o DAESH, o país passou de uma produção diária de 3,3 milhões de barris por dia, em 2014, para 4,3 milhões de barris por dia no final de 2015.

Ao aumento de um milhão de barris junta uma oferta adicional nos mercados que equivale aproximadamente à produção da Argélia, terceiro maior produtor africano. E o Iraque já produz mais petróleo do que antes do início da guerra com os Estados Unidos da América em 2003. O crude iraquiano é extraído principalmente na região autónoma dos curdos, no norte do país, onde a presença americana prevalece.

Irão e Brasil pesam mais no mercado

Com a entrada em vigor do acordo nuclear entre o Irão e o grupo "5+1" (Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, China, França, mais Alemanha), foi levantada uma grande parte das sanções internacionais e o país deve aumentar a sua produção, que atualmente é de cerca de 3 milhões de barris por dia.

O Brasil, de 2013 a 2015, aumentou a produção de 2,6 para 3 milhões de barris por dia. tornando-se líder na exploração "offshore" em águas profundas.

Sem a China, a economia mundial estaria em recessão

A afirmação em título é do FMI, segundo relatório do Banco Mundial e é de agora. Com taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) superiores a seis por cento, o desenvolvimento da economia chinesa, desde 2003 sob o signo da transição ecológica, fomentou em grande parte o "boom" dos recursos naturais em África, na América Latina e Austrália. Nos últimos dez anos, a China aumentou o seu consumo de petróleo de 7 para 11 milhões de barris por dia. Portanto, consome tanto petróleo como toda a América Latina e toda a África subsaariana em conjunto. 

A estratégia da Arábia Saudita é benéfica para a procura chinesa, pelo que apesar do seu contributo determinante para a economia global, este não é suficiente para inverter o ciclo de queda do preço do petróleo. Mas sem o seu contributo, o valor do crude afundar-se-ia com consequências trágicas para a economia mundial.

O paradoxo do aquecimento global

Os invernos mais amenos de 2015 e 2016 no hemisfério norte fizeram diminuir a procura de gasóleo para aquecimento nos EUA, na Europa e no Japão. Menos procura que faz descer os preços.

A agonia da OPEP

Os 13 países membros da OPEP – entre eles a Arábia Saudita, o Iraque, o Irão, a Nigéria e Angola – são responsáveis por 32,3 milhões de barris por dia, um terço da produção global de 97 milhões de barris. 

A política da Arábia Saudita de reconquista isolada da hegemonia, apoiada pelos EUA, conduz à queda de preços por tempo indeterminado.

O ministro do Petróleo da Venezuela, Eulogio del Pino tenta em vão reunir consenso para diminuir a produção e inverter a descida dos preços. O objetivo da Venezuela é um "preço justo", que deveria rondar os 70 dólares por barril, quase o dobro do preço médio atual. 

O ciclo recessivo atinge os governos do PSUV: os seus erros e dificuldades

O efeito na economia venuzuelana da queda do preço do petróleo, foi devastador, pois é a sua venda que fornece ao país 90% das divisas estrangeiras em dólares. Em 2013, o preço médio do petróleo venezuelano foi de 100 dólares, em 2014, baixou para 88,42 dólares e, em 2015, para 44,65 dólares. Em fevereiro 2016, o petróleo chegou ao nível mais baixo, com um preço médio de 24,25 dólares. Em consequência o PIB caiu 3,9% em 2014 e 5,7% em 2015. Em junho de 2016, as reservas representavam 41% do montante correspondente no final de 2012. Contudo, a dívida externa foi controlada e reduzida.  Mas porque conservou o PSUV um apoio eleitoral próxima de 6 milhões de venezuelanos?

Entre 2004 e 2014 o PIB da Venezuela cresceu 2% ao ano, iniciando um ciclo de progresso que o país não conhecia há décadas, e essa riqueza foi distribuída por todo o povo, empresários incluídos, sobretudo os mais carenciados: a pobreza diminuiu 49%, e a pobreza extrema, 63%. O número de pensões de reforma triplicou, e milhões de venezuelanos passaram a ter acesso à saúde e educação.


Unificar a taxa de câmbio no mercado real

Um dos erros apontados ao governo, no período recessivo, foi a política estabelecida para a taxa de câmbio oficial, pela qual o governo vendia a maior parte dos dólares obtidos com as vendas de petróleo, na relação de 6,3 Bolivares Fuertes (Bf) por dólar, tendo mais tarde ajustado o preço a 10 Bolivares.
Ora no mercado negro esse valor era muito superior elevando-se progressivamente a mais de 1.211 Bf por dólar, o que fez disparar a inflação dos produtos essenciais importados. 

Também o preço dos produtos alimentares subsidiados cresceu em 2015 em 300%, enquanto no mercado negro esse aumento era de 180 %. A gasolina, a eletricidade e o gaz também são fortemente subsidiados, pesando, no seu conjunto, no orçamento depauperado do governo em mais de 13% do PIB. 

Este ciclo de depreciação do Bolivar-Espiral Infacionista, foi ampliado pelas maiores empresas de comércio que viram nesta situação uma oportunidade de obter lucros fabulosos e enfraquecer a base social de apoio do governo, envolvendo neste processo centenas de milhar de venuzuelanos sem alternativa e aumentando os fatores de corrupção generalizada e de atividades marginais criminosas. Só o contrabando de combustível representa um rombo de 2,2 biliões de USD anuais aos cofres da estatal petrolífera PDVSA, motor da economia do país.

O governo procurou combater este ciclo criando um novo mercado cambial, permitindo que o preço do dólar subisse num terceiro mercado, a taxa SIMADI ou DICOM, reduzindo a taxa paralela em cerca de 640 Bf por dólar, isto é, a 60% da taxa do mercado paralelo.

A União das Nações Sul-Americanas (Unasul) reuniu uma equipe de economistas, liderada pelo ex-presidente da República Dominicana Leonel Fernández, que propôs a unificação do sistema de taxas de câmbio, deixando flutuar o seu valor no mercado real, onde colocaria a sua oferta de divisas.

Essa equipa, propôs ainda a redução progressiva dos subsídios à energia, acompanhados pela indexação dos salários à inflação e a criação de um programa temporário de obras públicas para a criação de emprego. Medidas financiadas por um imposto sobre o património e por um imposto sobre transações financeiras. Estas medidas começaram a ser parcialmente implantadas.

Os cidadãos venuzelanos, que beneficiam de um cartão bancário que lhes permite obter descontos na compra de produtos e serviços essenciais diversificados, a tarjeta Missión Socialista, seriam compensados futuramente com o aumento dos créditos disponíveis, logo que o orçamento do governo o permitisse.

O governo deveria ainda ajudar a financiar a transição através da venda de alguns de seus ativos estrangeiros. E iniciar a reestruturação da sua dívida para reduzir os 17 biliões de dólares em pagamentos (juros e principal) a serem pagos no prazo de ano e meio. É por aqui que se continuam a esgotar os rendimentos do petróleo, já que o governo conseguiu reduzir em 50% as importações desde 2012.

Em março de 2016, o presidente Obama declarou mais uma vez que a Venezuela representava uma "ameaça incomum e extraordinária à segurança nacional" dos Estados Unidos e impôs sanções económicas. As sanções em si não são economicamente relevantes, mas uma ameaça aos investidores. O governo Obama também pressionou instituições financeiras norte-americanas a não negociar com a Venezuela, sabendo que esta necessita de se financiar pelo menos em 20% do seu orçamento anual. E o novo ocupante da Casa Branca pode criar dificuldades à PDVSA que comprou a refinaria CITGO sediada em Houston na década de 1980. 

As quebras de produção da PDVSA e da agricultura e a diversificação de mercados

Em 2014, a Venezuela diversificou os seus mercados exportadores e de aquisição de divisas, através de dois contratos de troca de dólares pelo fornecimento do crude e combustível, com a China no valor de 50 biliões de dólares da China e com a Rússia estimado em 5 biliões. 

Mas a PDVSA baixou a sua produção para 2,5 milhões de barris por ano e parece ter problemas no seu processo de desenvolvimento tecnológico, carecendo ainda de importar petróleo fino para maquiar o seu crude pesado. Igualmente se verifica uma quebra na produção agrícola, sendo que esta também está associada a uma grave seca, com impacto paralelo na produção de energia.

Este quadro, leva a questionar o balanço dos gastos do governo entre políticas de apoio social e de investimento na diversificação e modernização das forças produtivas, e conduz à crítica do excessivo assistencialismo, apesar da pobreza extrema que teve de enfrentar.

Enfim, qual é o balanço da situação em termos de estratégia e ação política. neste quadro de crise, destabilização e risco de guerra civil?

As alternativas em presença, a ação mediadora do Papa Francisco e a ameaça de guerra civil

Viajando entre o Egipto e o Vaticano, o Papa Francisco pronunciou-se em defesa do reatamento do processo de diálogo, mediado pelo grupo constituído por quatro ex-presidentes ibero-americanos que serviram de “facilitadores” do anterior processo de conversações, entre Outubro e Dezembro do ano passado. Reafirmou que estão disponíveis para retomar o seu papel e dirigir novas conversações que permitam pôr fim à “grave crise humanitária, social, política e económica que está a esgotar a população”. E sublinhou: “Creio que é urgente conversar, mas tem de ser com condições muito claras. A oposição está dividida, parte da oposição não quer, mas os conflitos estão a agudizar-se mais e mais e portanto já há algum movimento”, revelou Francisco.

A coligação que reúne os partidos de oposição, após negar através de Capriles as divisões a que nos referimos anteriormente_ entre os golpistas e os “moderados”, publicou então uma Carta Aberta dirigida ao Papa, onde enumera as suas próprias condições para regressar à mesa negocial, criticando ao mesmo tempo a ação medidora de Zapatero, um dos 4 presidentes referidos.

A Mesa de Unidade Democrática exige a abertura de um canal humanitário e a desmobilização das chamadas forças paramilitares do regime (os “coletivos”). Mas reclama principalmente a realização de eleições: municipais e estaduais, que já deveriam ter acontecido em 2016, e, sobretudo a antecipação das presidenciais, que constitucionalmente só deveriam realizar-se em 2019. O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, anunciou em resposta que, no fim de 2017, serão realizadas as eleições locais e regionais.

Em alternativa, Nicolas Maduro avança para a solução constitucional de uma nova Assembleia Constituinte, proposta que já foi da oposição contra as 48 leis bolivarianas de Chávez. No processo de candidatura a uma Assembleia deste tipo, não são os partidos que concorrem, mas as entidades que representam os diversos setores sociais, com base em listas subscritas pelos cidadãos. Os cidadãos venezuelanos agora estão diante de um novo escrutínio popular que vai eleger 545 deputados constituintes, dos quais, 364 representando os municípios e outros 181 representando setores da sociedade, divididos entre camponeses e pescadores, comunas e conselhos comunais, estudantes, aposentados, empresários, povos indígenas e pessoas com deficiência.

Os partidos da MUD, reunidos em Assembleia, consideram a assembleia uma "fraude eleitoral" e exigem de seus filiados que não se inscrevam para concorrer ao cargo de deputado constituinte.

"A dita convocação é ilegítima e inconstitucional por não ser resultado de consulta prévia ao povo venezuelano, tal como exige os artigos 5 e 347 da Constituição da República Bolivariana da Venezuela. Só o povo pode decidir, mediante referendo, se quer ou não convocar uma Constituinte", diz um trecho do comunicado do MUD.

A argumentação do PSUV é que o artigo 348 diz que "a iniciativa de convocatória da Assembleia Nacional Constituinte poderá ser tomada pela presidente da República em conselho de ministros, pela Assembleia Nacional, mediante acordo de dois terços de seus integrantes", os conselhos municipais e 15% dos eleitores do país.

E o seu líder, Nicolás Maduro, garante que o texto constitucional será sempre apresentado a referendo de todos os cidadãos.

Neste quadro, a democracia venezuelana pode transformar-se num caos institucional com uma Assembleia Nacional nascida das eleições de 2015 e uma Assembleia Constituinte boicotada pelo MUD. 

Ao contrário do que afirmou Capriles à RTP, nos dois campos estão grandes massas populares de milhões de cidadãos e uma terceira força abstencionista que a elas se equipara. O PSUV tem um programa de governo, o MUD nunca o apresentou e representa um tal grau de conflitualidade interna que a sua subida ao poder não garante à partida qualquer estabilidade e coesão institucional. 

Para evitar a guerra civil, gerada pelo golpismo ou pela dualidade de poderes na Venezuela, como para solucionar qualquer guerra, é necessário encontrar uma solução política e chamar as partes ao diálogo e ao livre compromisso.

Entretanto, um comunicado conjunto assinado pelos governos de oito países latino-americanos – Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Peru, Paraguai e Uruguai, dirigidos por governos conservadores ou de centro-direita veio apelar ao fim da violência política e a uma saída negociada da crise, destacando a libertação dos presos políticos e a definição de um cronograma eleitoral entre essas condições. Esta posição mereceu de Maduro uma crítica à influência estrangeira.

Que estranho mundo é este, onde se houve apenas a voz solitária de um Papa que, melhor que a legião dos democratas encartados, conhece a realidade da Venezuela e clama pela não ingerência nos seu assuntos internos, em nome do direito das nações a escolher o seu próprio caminho e, acima de tudo, em razão do valor da paz, porque “…tudo se perde onde se perde a paz e primeiro que tudo se perde a liberdade..!? (JS)” 



1 comentário:

acmc52 disse...

Desde sempre, houve quem manda, quem impõe e quem obedece.
A origem desta trilogia, começa com o aparecimento de 2 humanos à superfície do planeta.
Apenas os que mandam, que deveriam ser os mais aptos, para dirigir os outros, têm o poder de dialogar, estudar, planear e gerir, as Nações (seja lá ele em que regime).
Por tal facto, a partir de certos períodos históricos, bem definidos, as políticas deixaram de ser produzidas por Homens de Bem, o que levou ao descrédito, e, à assumpção de ditadores, quer em nome das ideologias, quer do poder económico.
Assim vivemos o período actual da civilização, porventura, muitas das vezes chamados de DEMOCRACIA.
Umas vezes o voto legitima os ditadores, noutras são os ditadores que recusam o voto.
O Povo sempre arca com as consequências.
(Americanos, russos, venezuelanos, africanos, sírios, portugueses e se calhar tantos quantos os países que existem à face da Terra).