7.11.11

Entre o caos e a reforma, o “perdão” é uma “meia culpa”

Perdão ou meia-culpa?

O primeiro-ministro e o presidente da República afirmam que estão contra um eventual” perdão da dívida” a Portugal, por extensão do que vai ser concedido à dívida grega, porque, enquanto houvesse memória, os mercados financeiros continuariam a desconfiar de Portugal e a não querer financiar a dívida portuguesa.
Discordo do conceito de perdão, que pressupõe, do outro lado uma entidade íntegra, perfeita e omnisciente, detentora da verdade e das virtudes em economia, isto é, os “mercados financeiros”. Ora, a dívida grega a 10 anos chegou a atingir um juro de 75%, e não me parece que haja na economia real nada que justifique este nível de juros, do valor do dinheiro no mercado, a não ser a “culpa” da mais desenfreada especulação.
Na realidade, “os mercados financeiros” são completamente despojados de preocupações económicas e morais, e evoluíram nas últimas décadas para dois tipos de instituições:
Há neles grandes investidores e uma multidão de pequenos aforradores. A amoralidade dos primeiros impôs-se à ética dos segundos. Nas assembleias-gerais a moral de cada um, católica, calvinista, evangélica, laica, fica à porta. Há bancos poderosos, mas ainda mais formidáveis sociedades financeiras anónimas. A especulação das segundas, fascina, associa nos negócios obscuros e arrasta, os primeiros, para o abismo. Existem também os banqueiros, que gerem os seus depósitos, capitais e acções. Eis pois os bancos modernos, que são os órgãos vitais impulsionadores da economia: o capital circula nas suas veias e artérias, financiando obras, projectos, fábricas, a administração pública. Esta engrenagem funciona “a sangue”, isto é, alimenta-se do esforço do trabalho social.
Mas nos últimos anos surgiu uma nova classe de homens temerários. São os fundadores e investidores das sociedades financeiras sem rosto, alojadas nos paraísos fiscais, sem controle do Estado e do direito.
O sistema bancário está ligado ao modo de produção social, à indústria, ao comércio e aos serviços. A sua amoralidade não significa que não preste um serviço social.
Já a teia das sociedades financeiras vive da especulação, captura e manipula o preço do trigo, do petróleo, da soja ou os títulos de dívida ( o seu rosto indefinível cobre-se então com a máscara do “mercado financeiro”), com o único propósito de alargar a sua margem de lucro, explora, à escala do mundo, as quebras na oferta dos bens essenciais ou a escassez de recursos financeiros.
Todo o sistema, não apenas os bancos, se alimenta dos excedentes gerados pelo trabalho social, mas estes especuladores e os seus colaboradores, materializam o sonho irracional dos vampiros.
Até à generalização das sociedades financeiras, alojadas no coração dos estados de direito e das suas democracias _ na inglesa Gibraltar, na Suíça e no Liechtenstein, em Andorra e no Mónaco francês, na americana Libéria, na Madeira, em Hong Kong, o outro lado dos dois sistemas, e não apenas nas longínquas Ilhas Caimão, os bancos controlavam o sistema financeiro.
Depois, sujeitos à concorrência desleal das sociedades financeiras sem sede física, quadros de pessoal, nem leis, nem estado, os bancos, não rejeitaram receber e fazer circular esta riqueza incontrolável e de seguir os seus métodos para obter maiores ganhos financeiros, quer readquirindo as próprias acções, assim inflacionadas, introduzindo no mercado carteiras de produtos duvidosos, ou comprando barato e vendendo caro as dívidas públicas dos (seus próprios) países mais frágeis. Colocaram-se assim, no centro dos conflitos políticos da globalização e dividiram profundamente a sociedade democrática.
A “renegociação da dívida”, pois é disso que se trata, com juros mais próximos do valor do capital na economia produtiva e não um falseador perdão que esconde outro “pecado”, o da especulação financeira, é um processo comum no mundo dos negócios e um imperativo de reequilíbrio económico e financeiro da zona euro. Quem o diz é Pat Rabbitte, ministro da Irlanda para a Comunicação, Energia e Recursos Naturais, que perante a previsão da dívida soberana irlandesa chegar aos 250 mil milhões de euros até 2014, conduzindo à falência nacional, afirma que é "inevitável" para a União Europeia admitir alguma forma de “perdão da dívida para amenizar a crise irlandesa”.
Esta medida atinge os interesses e os lucros dos bancos, sociedades financeiras e especuladores financeiros, mas defende a economia das nações, das empresas e das famílias. No caso português, são detentores dos títulos de dívida grega, em milhões de euros, o BCP 700, o BPI, 400 e a CGD 300.
No início da crise financeira, os governos europeus gastaram uma fortuna para ajudar os seus bancos privados: o alemão, só em empréstimos e aumentos de capital o equivalente a 70% do PIB português_ Fonte: FMI; o governo irlandês, nacionalizando a falência dos seus 3 maiores bancos, viu o deficit anual do país elevar-se a 32 mil milhões de Euros; na Islândia, a falência dos bancos especuladores levou à sua nacionalização com custos equivalentes a ¼ do PIB, que os cidadãos, em sucessivos referendos, se recusam a pagar; agora, o maior banco belga, também insolvente, foi nacionalizado…E, em Portugal, a falência do BPN custou ao estado português vai para 5 mil milhões de euros ( também é preciso guardar esta memória!) E estas outras: O episódio de distribuição antecipada dos dividendos da PT, da Jerónimo Martins, do BES, da Sonae e de outras empresas, inseriu-se nesta lógica política e da gestão empresarial despojada de qualquer princípio de ética social. Assim sendo, rasgou profundamente o tecido social e abre em Portugal uma era de risco absoluto para a coesão e a solidariedade nacionais. Invocando o medo da saída de capitais, para consentir e dar cobertura legal a esta monstruosa fuga aos impostos, o Presidente, o governo e os partidos do chamado arco do poder, subverteram então o princípio organizador da democracia, a subordinação do poder económico ao poder político e transformaram-se, eles próprios, na clientela política dos maiores empresários (Exemplifiquemos: Fernando Gomes, PS_ Presidente de Câmara-Ministro-Administrador da Galp, de 47.901 € /ano para 515.000 €/ ano; António Mexia, PSD_ Administrador-Ministro-Administrador, de 680.360 €/ano a 3.103.448 €/ano, Fonte: Expresso).
Na Europa, caminhamos agora para um novo refinanciamento da banca, que pode ir até 1 bilião de euros, para cobrir os buracos que os mesmos banqueiros e especuladores criaram com a bolha imobiliária, os produtos-lixo financeiro e o assalto incontrolado das agências de rating às dívidas soberanas, desencadeando a reacção em cadeia que conduz à banca rota internacional. E em Portugal? Qual é a dívida dos bancos privados? Ainda é possível evitar o seu controle pelos seus credores internacionais? O passo seguinte vai ser o de garantir, primeiro com 12 mil milhões e depois até 35 mil milhões de Euros provenientes do empréstimo da CE-FMI-BCE, o aumento de capital e as responsabilidades financeiras dos bancos portugueses, sobretudo o seu serviço de dívida e o lançamento de novos negócios? Ou seja, as garantias dos empréstimos internacionais da banca já foram nacionalizadas, cada cidadão contribuinte transformado em seu avalista, de novo sem nenhuma contrapartida, nem mais fundos disponíveis para as empresas, nem menores taxas de juro para as famílias, nada?

Reformar para salvar o sistema financeiro: Que farão os socialistas?

As últimas eleições presidenciais nos EUA deram início a um novo ciclo político, favorável aos partidos democráticos e socialistas reformadores. A Europa anestesiada por mais de 30 anos de oligarquia conservadora e liberal e pela governação socialista com o mesmo tipo de política, desperta agora para a mudança. Em Portugal, como antes na Inglaterra e em breve em Espanha, o contra ciclo político só se explica porque os socialistas governaram como se fossem conservadores e liberais. Mas nos países que decidem do futuro económico e político da Europa, Alemanha, França e Itália, a direita está de saída dos seus governos. Tal já aconteceu na Dinamarca. Na França a esquerda é, em 50 anos, pela primeira vez maioritária no Senado. Na Alemanha, como na Itália, a esquerda venceu todas as eleições intercalares. E, de novo em França, 2 milhões de eleitores, filiados e não filiados, votaram para a escolha do candidatado socialista às presidenciais, subscrevendo um compromisso político e pagando para o efeito um euro! Este é o grande paradoxo da actual cimeira europeia, os velhos políticos, partidários de políticas condenadas, ainda fingem poder controlar o futuro. Merkel, Sarkozy e Berlusconi estão para a política europeia como Sócrates estava para a política nacional antes das eleições iminentes. Em breve Passos Coelho será uma voz solitária e ainda mais insignificante na arena política europeia. E Durão Barroso, pela primeira vez, um protagonista liberto dos seus tutores.
Que apelo insane ao suicídio político nacional impele pois os nossos governantes a estigmatizar a Grécia, a fechar os olhos aos inomináveis sacrifícios que o povo grego tem feito em vão e a reclamar a nossa diferença, quando do outro lado, e contra a nação grega, irlandesa, belga, italiana, espanhola…portuguesa, estão os mesmos especuladores financeiros, apátridas e amorais?
Chegou a altura do sistema financeiro pagar os seus débitos e ser politicamente responsabilizado pela catástrofe económica e social que tem vindo a provocar. Sabemos hoje, na Europa como em Portugal, olhando para a evolução da dívida soberana portuguesa e das dívidas do estado às empresas e aos bancos, que a prosperidade da banca nacional e das grandes empresas se fez à custa dos negócios com o governo, sobretudo das grandes obras públicas. O estado gastador foi-o sobretudo em obras faraónicas e investimentos improdutivos, dos quais a construção de 10 estágios de futebol para o Euro 2004 é o mais vergonhoso emblema e vamos sabendo que o maior problema reside nas 83 Parcerias Público Privadas contratualizadas desde 1995 pelos governos PSD-CDS e PS. As PPP atingem, entre despesas com concessões rodoviárias, ferroviárias, de saúde e segurança, denunciadas pelo juiz do Tribunal de Contas jubilado, rendas a pagar pelo estado até 2050 de 49 mil milhões de euros. Os seus contratos leoninos, sobretudo ligados às grandes obras públicas, representam não apenas risco zero para o parceiro privado mas também taxa de lucro garantida pelo esforço do Estado contra a lógica do mercado… Só este ano de 2011 a factura a pagar por estas parcerias entre a administração pública e o sector privado ascende a 841,9 milhões de euros. Vão ter que ser renegociadas.
Na sua origem está uma política agressiva e de alto risco da banca nacional que apostou no seu financiamento a crédito, endividando-se internacionalmente para o ampliar e obter assim maiores ganhos.
Não sabemos hoje qual é o diferencial entre o valor real, medido pela quantidade de trabalho social realmente incorporado na mercadoria e o valor especulativo de sectores fundamentais da economia que foram o alvo privilegiado das manobras especulativas do capital financeiro, como é o caso da imobiliária e das empresas das novas tecnologias. Daí o risco da deflação. A queda dos preços nas habitações decai na ordem dos dois dígitos. E, nos produtos financeiros, oscila até um quinto dos valores especulativos ou reduz-se a zero.
Os especuladores financeiros não têm rosto, mas possuem uma dupla face: sem abandonar a sua cobertura, jogam também no plano legal e continuam a empurrar a banca para uma política de parasitagem das grandes obras públicas, que a conjuntura actual tornou consensuais. Protegida pelo Estado e pela comunicação social, a banca tradicional eleva as suas taxas junto das pequenas e médias empresas e face às famílias endividadas, exigindo-lhe maior esforço financeiro do que antes do início da crise.
A democracia económica enfraquece e na mesma escala cresce a marginalidade e a insegurança, mas também se renovam as lutas sociais. É um perigoso balanço entre a democracia política e o autoritarismo.
Uma enorme barragem de propaganda associa as despesas excessivas do estado à sua política social e escamoteia a dimensão da dívida privada e os benefícios que a banca e as grandes empresas colheram dos gastos excessivos dos governos do PS, PSD e CDS.
Mas as despesas com a saúde e a educação públicas, com a segurança social e a segurança da comunidade e a defesa da soberania nacional, com o acesso e eficácia da justiça, que devem ser racionalizadas e os seus rácios de gestão melhorados, não pertencem à categoria das despesas improdutivas, são os custos da democracia social e significam investimentos estratégicos para o desenvolvimento global e sustentável do país, sem os quais a democracia se transforma num conceito vazio e não haverá progresso económico. E como tal devem ser suportados pelo estado democrático, aumentando e não diminuindo os descontos e impostos com esse fim das entidades patronais e dos trabalhadores, sobretudo agora que cresceu a esperança de vida dos reformados e diminui a população activa, mas também cresce a produtividade do trabalho e aumenta o volume bruto dos lucros do capital. E assim tem sido no devir histórico da democracia, a geração activa sacrificando-se em favor dos seus velhos e dos seus filhos, em todos os estados democráticos liberais ou socialistas que crescem e progridem não só nos direitos civis como na moral comunitária, da Dinamarca aos próprios EUA, do Brasil à Índia ou ao Vietname e à China.
Que estranha ilusão é essa, do governo e da oligarquia que monopoliza todos os poderes em Portugal_económico, financeiro, político, comunicação social_sobre a necessidade de ganhar a “confiança dos mercados”? Mas são eles fiáveis esses entes misteriosos e infinitamente poderosos e justos, únicos guardiões da verdade na economia e nas finanças? Quando hoje não há um único banco internacional que empreste capital a outro banco? Quando as acções desses bancos caem para mais de metade do seu valor nominal, sujeitas finalmente à mão de ferro do mercado que inflacionaram e endeusaram (veja-se as 60 sociedades financeiras que “o nosso” BCP criou nos paraísos fiscais com esse propósito e quanto valem hoje realmente as suas acções, inflacionadas por esse modo ilícito até 7 € e hoje reduzidas ao seu miserável e real valor de – de 20 cêntimos!)? No dealbar do século XXI, a máquina económica perdeu o seu volante regulador: ele passou, sucessivamente, das mãos do grande industrial, para o banqueiro, deste para o Estado, neo-liberal ou socialista, depois para gigantescas multinacionais, e, actualmente, prevalecendo sobre as nações e os tratados internacionais, para a nebulosa das sociedades financeiras, que não têm, não precisam e não querem respeitar qualquer manual de condução.

Que reformas?

Foi no período da governação de José Sócrates que a dívida se tornou insuportável, mas neste quadro global, a responsabilidade política pela nossa crise, pertence, em primeiro lugar, à maioria democrata cristã e liberal, onde se filiam o PSD e o CDS, que domina as instâncias de poder europeu desde há mais de 30 anos e não enfrenta a oligarquia financeira.
O presidente da França, Nicolas Sarkozy, e a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, tomaram a iniciativa de promover uma redução da dívida grega em 50% atingindo os interesses dos bancos internacionais, mas compensando-os com o seu refinanciamento comunitário, veremos em que condições!?
Os governos europeus, mesmo os mais conservadores, o FMI, os milionários e banqueiros, reconhecem a necessidade de conter a voracidade dos especuladores financeiros anunciam a sua adesão, com 30 anos de atraso, às propostas “esquerdistas”, como a Taxa Tobin ( Em 1971, o então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, anunciou o fim da conversibilidade do dólar em ouro, liquidando assim o sistema vigente desde os Acordos de Bretton Woods. Tobin sugeriu então um novo sistema para a estabilidade monetária internacional no qual estaria incluída a taxação entre 0.1% e 0.25% das transacções financeiras internacionais). E estamos a referir-nos de novo ao presidente da França, Nicolas Sarkozy, e à primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel,
As obrigações de dívida da zona euro “eurobonds” são agora reclamadas pelo ministro italiano das Finanças, Guilio Tremonti, do governo de Berlusconi!
Alguns líderes socialistas, seguindo propostas elaboradas mais à esquerda, mas também pelos peritos das Nações Unidas, reclamam o fim dos paraísos fiscais, a criação de agências de rating certificadas e tuteladas pelas instituições democráticas internacionais e, ainda em privado, admitem substituir o dólar por uma moeda mundial de referência…Falamos de reformas e não de revolução.
Outra questão, é a do lugar da economia de Portugal no quadro da divisão internacional do trabalho e da sobrevivência da nação portuguesa perante a globalização, com um deficit externo brutal, que espelha não apenas a dependência financeira, mas também alimentar, atingindo 80% dos consumos de bens essenciais. E este é o problema maior e a fonte de todas as dívidas. Sem a sua resolução, o controle do deficit financeiro será uma ilusão precária. E é aqui que o governo de Passos Coelho e os seus ministros da economia e das finanças, de costas voltadas para a estratégia do mar, para o mundo rural, para a defesa das pequenas e médias empresas, para o ambiente, a cultura e turismo cultural e de natureza, parecem não ter qualquer projecto nacional de desenvolvimento sustentável, nenhuma medida estrutural, nenhum plano, que nos devolva a esperança de progresso e prosperidade geral, nem sequer de salvaguarda dos direitos democráticos garantidos pela constituição, para as quais os fundadores do PSD, do CDS e do PS também contribuíram e bastante.
Apenas uma fé política cega no milagre da multiplicação em Portugal dos investimentos privados estrangeiros graças à compra barata das participações do estado nas empresas mais rendáveis, que eram os seus últimos anéis, conjugada com o efeito da diminuição dos direitos laborais. Supõem que esta profecia acontecerá, mas nenhum projecto nacional de desenvolvimento está na ser preparado para materializar essa proposta. O mercado decidirá! É pouco, arriscado e muito doloroso para a nação portuguesa!
A maioria eleitoral do PSD-CDS é tão volátil como o foram os seus discursos eleitorais que anunciavam baixa de impostos, menos estado e melhor estado e serviços públicos, apoio ao tecido empresarial e mais emprego, protecção da maternidade e dos mais velhos, apoio aos jovens: em seu lugar, o modelo de liberalização da economia que empurrou a Grécia e a Irlanda para a depressão e a falência_ privatizações cegas, desregulação financeira, redução do estado social e recessão económica, ainda mais longe do que o programa imposto pela troika.
A esquerda que se reclama do passado revolucionário e do socialismo (s), tem de assumir a responsabilidade histórica de lutar directamente pela partilha do poder, por razões políticas e éticas, pois o dever dos revolucionários, dos socialistas, comunistas e de todos os progressistas e patriotas, quando a sua utopia está longe, é lutar pelas reformas políticas e sociais realizáveis hoje e no seu próprio país, minorando o sofrimento do seu próprio povo.


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