19.9.11

Razão e imperativo ético do bastonário da Ordem dos Médicos

"Conforme é defendido em várias revistas médicas internacionais de grande prestígio deve ser instituído um imposto sobre a fast food e outros alimentos não saudáveis como o sal, os hambúrgueres, os venenosos pacotes de batatas fritas e as embalagens de dezenas de variedades de lixo alimentar". (Expresso, 05.09.2011)
O bastonário da Ordem dos Médicos falava no contexto da cerimónia de assinatura do protocolo de cooperação entre a Direcção-Geral de Saúde (DGS) e a Ordem dos Médicos (OM) com o objectivo de assegurar a colaboração “formal” entre estas duas entidades no âmbito da qualidade no sistema de saúde, e não tem dúvidas que esta medida irá ter a oposição da indústria agro-alimentar mas defende que este “imposto selectivo” seria uma alternativa a mais cortes no sector. (Público, 05.09.2011)
Sabemos que é preciso poupar mas não é possível mais cortes sem pôr em causa a qualidade dos serviços”, afirmou José Manuel Silva, num discurso em que teceu duras críticas à classe política e aos governantes que levaram o país ao estado em que ele se encontra. (Público, 05.09.2011)
"Esta crise é uma oportunidade para a criação de novos impostos seletivos que contribuam para melhorar a saúde dos portugueses e evitar o consumo de medicamentos", afirmou José Manuel Silva. (Expresso, 05.09.2011)
Portanto, a informação que chegou aos cidadãos nacionais está muito para além de uma afirmação avulsa e supostamente irresponsável daquele profissional da saúde, investido no exercício da sua missão deontológica e ética de bastonário.
Sublinho que ele afirmou “não é possível mais cortes sem pôr em causa a qualidade dos serviços”. Ao fazê-lo, pôs em causa não apenas a política anterior dos ministros da saúde do PS e do PSD, mas também a política actual quando vai no mesmo sentido. Assim, levantou contra si o monopólio da opinião mediática que estes partidos partilham desde a consolidação do novo regime democrático e não apenas a indústria agro-alimentar, essa também poderosíssima indústria multinacional que paga a peso de ouro os anúncios da nossa comunicação social.
Os empresários do sector vieram a terreiro condenar mais um imposto, como se o perigo não viesse da ameaça de subida do IVA na restauração de 13% para 23%, em conformidade com uma estratégia das multinacionais de fast food, que, com a cumplicidade dos bancos e governos, querem pôr fim ao modelo de negócios Europeu e mediterrânico, que assenta nas pequenas unidades familiares, micro e pequenas empresas e no papel dos chefs, que viram a dieta mediterrânica ser reconhecida como alimentação saudável e símbolo da diversidade cultural e por isso património imaterial da humanidade, impondo no seu lugar o império do franchising do fast food.
E que tal significa a desvalorização dos nossos produtos alimentares mediterrânicos e consequente ruína dos seus produtores, no mundo rural e no mar, e consequente aumento da dependência externa alimentar, com agravamento dos deficits que atingem mais de 4.000 milhões de euros uma actualidade…e assim por diante.
Este médico, que não conheço pessoalmente, nem me encomendou o sermão, foi professor de Medicina do Trabalho, na área da fisiologia cardio-respiratória do trabalho. E de Endocrinologia, Medicina Interna e Clínica Geral, na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Deste modo, como clínico e docente, conhece directamente a mortandade, o sofrimento e os custos exponenciais, que o abandono da dieta mediterrânica está a provocar.
E deu exemplos: "Saberão os portugueses que o excesso diário de 120 calorias, o correspondente aproximadamente a uma bebida refrigerante açucarada diária pode produzir em dez anos o aumento de 50 quilos do peso corporal? Saberão os portugueses que uma refeição de fast food com um duplo cheaseburguer, batatas fritas, refrigerante e sobremesa contém cerca de 2.200 calorias o que obrigaria a correr uma maratona para compensar esse consumo energético?"
Não, não sabem, nem percebem que há uma correlação directa entre estes venenos alimentares e a epidemia de cancros de estômago e nos intestinos que está a minar a saúde dos nossos homens e mulheres em idade adulta e vai afectar brutalmente as novas gerações.
Ah! Mas a solução é a educação, na escola e cívica? Mais um fardo sobre os professores, eternos bodes expiatórios de todos os factores críticos da nossa civilização de enlatados, a juntar aos frequentes, em horário nobre e amplamente noticiados serviços televisivos sobre alimentação saudável e prevenção do alcoolismo, que representam…coisa nenhuma no horário nobre da nova televisão pública e privada! E têm nos canais por cabo apenas a sedutora presença das saudosas “velhas gordas”, juvenis no seu side car, da simpática Nigella e no esforçado Jamie, servindo-nos a sua gordurosa, açucarada e ultra energética comida, no desespero da última alternativa ao fast food e ao abandono do simples acto de cozinhar pelas famílias da classe média e das classes populares do mundo ango-saxónico, contra a rendição das próprias cantinas escolares ao gosto estragado dos jovens alunos.
Ah! Caros concidadãos. O bastonário conhece bem a nossa falta de cultura alimentar e o modo como nos deixamos adoecer precocemente e como já deixámos de proteger os nossos filhos e netos. No essencial ele tem razão e coragem, nós, ainda nos vamos arrepender todos, mas só depois dos bancos nos cortarem o crédito ao restaurante, ao barco de pesca, à quinta agrícola ou a cama do hospital nos avivar o remorso!



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