Quem responde ao apelo do povo ucraniano pela fim imediato
da guerra e a construção da paz?
Apenas o povo russo, que
desceu à rua em 53 cidades, contra a guerra e já sofreu a repressão policial.
Cada um dos beligerantes e os
seus aliados, deve tomar a iniciativa de cumprir o seu dever para com a paz e a
segurança dos seus povos
É dever dos partidos de
oposição do Parlamento russo resistir à chantagem do partido de Putin, exigir que a guerra pare, e que o povo russo
possa livremente manifestar-se pelo fim da guerra, que o governo de Putin mande
parar e retire as suas forças e as confine no perímetro das Repúblicas de
Donbass que juraram defender.
A iniciativa de
fornecer/vender mais armas aos beligerantes, não altera a trágica realidade que
os ucranianos foram conduzidos a esta situação por aliados poderosos que não
mediram corretamente o perigo de conflito com a Rússia e servirá apenas que mais ucranianos e russos
se façam matar. O resultado é de duvidoso valor moral e militar: “lutem e
morram sozinhos, com as armas que vos vendemos/entregamos”.
A NATO deve anunciar que
aceita resolver através da negociação o diferendo sobre a sua expansão a leste.
A impotência e os riscos das
sanções.
Se todas as partes
reconhecerem a sua quota de
responsabilidade, os governos da Ucrânia e da Rússia poderão sentar-se à mesa
negocial, com base num cessar-fogo imediato, sem outras condições, sob a égide
da ONU.
A indignação popular contra a
invasão russa, não pode confundir o povo russo com os seus governantes e precisa
de conhecer a realidade política deste país, que os políticos e a comunicação
social dominantes, resumem ao confronto de um “ditador” com o “principal” líder da
oposição, Navalny. Este, também um oligarca, utilizou as denúncias de corrupção para se
tornar popular, aderiu ao partido liberal Yabloko, entre 2000 e 2007, ano em
que foi expulso pelas suas posições chauvinistas e contra os imigrantes. Associou-se depois ao Movimento
Contra a Imigração Ilegal e a Grande Rússia, de extrema-direita. O ocidente
concedeu-lhe o título de principal opositor por ter obtido 27% dos votos nas
eleições para a Câmara de Moscovo, e fez dele um mártir quando sobreviveu a uma
controversa tentativa de envenenamento.
O panorama político da oposição
na Rússia é afinal muito mais vasto e complexo, e pode ser representado pelos 14
partidos que concorreram às eleições de novembro de 2021. O partido do governo,
Rússia Unida manteve a liderança nas eleições parlamentares (Duma) com 49,82%
dos votos, seguido pelo Partido Comunista da Federação Russa (CPRF) com cerca
de 20% e o Partido Liberal Democrático da Rússia, de extrema-direita com 7,49%,.A
lista de partidos políticos que ultrapassam o limite de 5%, que permite o
acesso ao parlamento, também inclui o
partido Rússia Justa – Pela Verdade com 7,42%, social-democrata e o partido Novas
Pessoas, comunitarista de esquerda, com 5,35%. A Duma do Estado é eleita para
um mandato de cinco anos sob um sistema eleitoral misto – 225 parlamentares são
eleitos em listas partidárias e outros 225 em círculos eleitorais de mandato
único, num só turno. Votaram cerca de 51%
dos eleitores.
O que estas eleições trouxeram de
novo é que, pela primeira vez na história recente da Rússia, o partido de Putin,
Rússia Unida, não recebeu a maioria dos votos expressos, perdendo mesmo 19
deputados. A queda do partido de extrema-direita, que usa a sigla de Partido
Liberal Democrático é ainda mais significativa, com uma perda de cerca de 40% e
de 18 deputados. O partido social-democrata ganhou mais 4 deputados e o novo
partido de esquerda 13. Mas o partido
Rússia Unida manteve a maioria absoluta de deputados, beneficiando da dispersão
dos votos da oposição, com 324 dos 450 mandatos.
A estratégia político-militar que
conduziu à invasão da Ucrânia, por iniciativa do partido de Putin, foi
determinada não apenas pelo confronto com a estratégia dos EUA de fazer avançar
a NATO até às fronteiras da Rússia, mas também pelo crescimento desta oposição
interna. Vejamos mais de perto, a influência política do novo Partido Comunista da Federação Russa e a sua posição
face à questão da Ucrânia.
A ascensão do Partido
Comunista da Federação Russa _PCFR, como principal força da oposição e a
questão da Ucrânia
Desde 1993, data da sua
refundação, o PCRF está representado na Duma da Federação Russa, agora com 92 deputados em 450. O PCRF está também presente nos órgãos
legislativos de 79 territórios dos 81 constituintes da Federação Russa, sendo
maioritário num quinto da sua área geográfica.
Em 7 de fevereiro de 2022, quando
as posições já se extremavam, o PCFR dirigiu ao povo da Ucrânia uma mensagem
com o título Ao Povo Irmão da Ucrânia (https://cprf.ru/2022/02/to-the-fraternal-people-of-ukraine-%ef%bf%bc/).
No seu conteúdo, invocam a história
comum que permitiu conquistar a independência da Ucrânia e derrotar o nazi-fascismo,
exaltam o progresso social atribuído ao regime socialista. Evocam depois a
queda da URSS como causa da divisão entre as duas nações, já que o referendo nacional que em 1991 optou
por criar um estado independente foi
acompanhado pela sua integração numa nova Federação com a Rússia, o Cazaquistão
e a Bielorrússia; rejeitam nesse documento
qualquer solução para a crise que passe pela invasão da Ucrânia e denunciam a
intervenção dos EUA nos assuntos internos dos países da antiga União Soviética,
acusando-os de serem os responsáveis pela implosão da República do Cazaquistão e
de empurrar a Ucrânia para o mesmo destino.
No dia 16 de fevereiro, o PCFR apelou aos deputados da Duma Estatal, independentemente da sua filiação partidária, que
apoiassem a sua iniciativa de “reconhecimento oficial das Repúblicas Populares de
Donetsk e Lugansk pela Federação Russa”. (https://cprf.ru/2022/02/recognition-of-the-dpr-and-lpr-must-be-russias-firm-answer-to-us-provocations/)
Esta posição é justificada pela convicção
de que estava iminente uma nova ofensiva no Donbass (Províncias de Luganksk e Donetz). Metade deste território foi
ocupado pelo exército ucraniano, onde predominam os batalhões Azov controlados pela extrema-direita, em 2014, quando essas províncias
se recusaram a reconhecer o governo saído do golpe militar promovido pelos
EUA. Afirmavam então que o governo ucraniano terá concentrado 125.000 soldados
e equipamento pesado para nova ofensiva contra as duas Repúblicas e que este
confronto obedecia à estratégia dos EUA “… travar guerras por procuração. Desta
vez, os americanos querem usar os ucranianos como “carne para canhão”. Cobertura política, suprimentos de
armas, envio de instrutores ocidentais – tudo isso está empurrando abertamente
as autoridades de Kiev para uma aventura militar”… Diz a resolução citada. E
continuam: “Os estrategas americanos têm na mira não apenas a Rússia e a
Ucrânia, mas também a Europa. Os EUA estão a incentivar sanções duras contra o nosso
país usando a “cartada ucraniana”. Isso marca uma nova etapa na luta contra o seu
rival econômico, a União Europeia. O nível de comércio dos EUA com a Rússia é
muito baixo. Mas a Europa tem laços comerciais e econômicos extensos e
lucrativos com o nosso país. Um conflito militar com a Rússia permitiria a
Washington expor os países europeus a sanções econômicas ainda mais prejudiciais.”
E concluem: “Defender a Ucrânia
não é o objetivo dos globalistas americanos. Eles desejam obter vantagens
competitivas ao torpedear o gasoduto Nord Stream-2 e tornar a economia da UE
dependente do dispendioso gás liquefeito”. Esta é a causa subjacente da atual
crise militar em torno da Ucrânia… Estamos cercados por estados hostis. É
impossível recuar, não há para onde recuar. O Ocidente deve tomar consciência
da determinação da Rússia em defender os seus interesses nacionais e dos seus
amigos.”
A estratégia político-militar
do partido de Putin, alterou a direção do seu golpe principal
Em 22 de fevereiro, a Duma do
Estado (o Parlamento russo) ratificou por unanimidade os tratados de amizade,
cooperação e assistência mútua com as autoproclamadas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk (DPR e LPR). Após a aprovação pela
Duma do Estado, os tratados celebrados com as repúblicas do Donbass foram
apoiados pelo Conselho da Federação, que é a Câmara Alta ou Senado do poder
legislativo. Cada um dos 85 distritos eleitorais da Federação Russa envia dois
senadores ao Conselho, formando um total de 170 membros. O Senado, em reunião
de portas fechadas, concedeu permissão ao presidente russo, Vladimir Putin,
para usar as forças armadas russas no exterior, na noite de 22 de fevereiro.
O seu embaixador nos EUA continuava
a garantir que não haverá invasão da Ucrânia, mas no dia 23, o exército russo passou
à ofensiva à escala do país, ultrapassando o mandato político do parlamento
(DUMA) e colocando a oposição entre a
espada e a parede: opor-se à ação militar de larga escala, e ser acusada de antipatriótica,
ou tornar-se cúmplice duma agressão que rasga definitivamente os acordos para a
paz de Minsk.
O discurso político de Putin,
justificativo da invasão, também mudou: deixou de ser apenas hostil aos EUA, e,
simultaneamente, tornou-se anticomunista.
Ataca a memória histórica da independência da Ucrânia alcançada com a fundação
da URSS em 1918, quando se construiu como uma das Repúblicas federadas (1922), classificando esse facto como usurpação
do território da Rússia Imperial; despreza a unidade de todas as nações da URSS
na resistência à invasão nazi e o seu sacrifício em favor da liberdade de cada
país escolher o seu regime político (27 milhões de mortos); condena, como uma
segunda amputação da Rússia imperial, a integração da Crimeia na Ucrânia em 1954,
iniciativa do governo central soviético para fortalecer este país com mais uma base
industrial moderna e abrir a sua economia ao Mar Negro e de Azov…
O partido de Putin afirma-se agora,
não como o herdeiro do poder e das políticas da URSS, mas como o continuador da
Rússia imperial. Ele representa os oligarcas da nova economia capitalista
nascida da privatização selvagem das empresas estatais que a URSS contruiu. O
regime constitucional que em 1993 substitui a constituição soviética, copiou o
modelo da democracia liberal e tem servido para perpetuar o seu poder.
A história contemporânea da Ucrânia é semelhante, mas com duas caraterísticas singulares, que conduzirão este país para a guerra civil e o confronto com a Rússia: Na estratégia de hegemonia dos EUA_ que projeta a sua segurança e a defesa nacional para a Europa, a Ucrânia é o pivô que falta para reduzir a Rússia ao estatuto de pequena potência. A segunda singularidade, é a sobrevivência de duas Repúblicas autónomas, historicamente habitadas pelos russos, que, apesar de atacadas e cercadas militarmente na sequência do golpe de estado de 2014 que depôs o presidente eleito que mantinha um equilíbrio político entre o ocidente e o leste, conservavam ainda metade do seu território.
A interferência
dos EUA
Escrevemos antes do início da
invasão (https://philoetichal.blogspot.com/2022/02/visao-ucrania-tudo-se-perde-quando-se.html)
: A velha doutrina americana sobre a Guerra Fria (Kennan, Spykman,
Brzezinski) criou a teoria dos pivôs geopolíticos. Controlar a Ucrânia, a
Geórgia ou a Bielorrússia, permitiria isolar a Rússia e reduzi-la ao estatuto
de país menor.
Os EUA intervieram abertamente
nas convulsões políticas da Ucrânia com esse objetivo, promovendo a ascensão do
presidente pró-EUA Yushchenko (2005). Por iniciativa da Administração Bush, na
Cimeira de Bucareste em 2008, a NATO convidou a Ucrânia e a Geórgia a aderirem
à aliança. Os presidentes dos EUA, Ronald Reagan e George Bush, tinham assumido
o compromisso de não expandir a NATO e da neutralidade permanente da Ucrânia.
Citemos agora o major-general
Carlos Branco: “Dirigentes e analistas políticos russos – incluindo reformistas
liberais – têm vindo ao longo dos anos a avisar, que tornar a Ucrânia ou a
Geórgia clientes securitários dos EUA ou membros da NATO seria cruzar uma linha
vermelha, que resultaria um perigo de guerra…advertências ecoadas por Kennan,
Kissinger...”
Esses analistas, tal como o major-general
que os cita, um alto oficial da NATO que acompanhou o desenvolvimento dos
principais conflitos estratégicos entre os EUA e a Rússia_ do Afeganistão à
Europa, estavam certos. O facto de visualizarem um conflito militar confinado de
imediato ao Donbass não altera em nada a validade desta visão estratégica.
O que terá precipitado uma
invasão em maior escala? O partido de Putin, que representa o capitalismo russo
e a sua oligarquia, avaliou a sua capacidade militar e a sua resiliência
económica e financeira como capaz de enfrentar as sanções económicas e qualquer
ameaça militar, pondo fim pela força à expansão da NATO para leste, como já o
fizera, numa escala menor, face à crise da Geórgia. Transformou, ao mesmo tempo,
esta invasão numa arma política interna contra a ascensão do PCFR e dos outros
partidos da oposição, com o objetivo de os comprometer e dividir internamente e
de aumentar a sua base social de apoio.
A Rússia já terá recuperado da grave
crise económica e demográfica que se desenvolveu na primeira fase da liberalização
da sua economia e, mais recentemente, da perda de receitas petrolíferas
provocada pela ação conjugada da Arábia Saudita apoiada pelos EUA, que para
recuperar a hegemonia e arruinar os seus competidores, inundou este mercado com
excesso de oferta, não se importando de perder biliões de dólares. Hoje, o país é autossuficiente em alimentos e energia, que exporta para toda a
Eurásia e o Médio Oriente, países como o Egito dependem dos seus grãos para o
abastecimento e outros, como a Alemanha e a sua indústria, do fornecimento de gás.
A Rússia detém US$ 620 milhares de
milhões em reservas cambiais.
De acordo com o site militar Sina,
os sistemas russos de guerra eletrônica Murmansk-BN implantados nas regiões de
Murmansk e Kaliningrado, bem como na Crimeia, podem desativar sistemas
eletrônicos que são comumente usadas por navios de guerra e a última geração de
aviões furtivos, em distâncias a mais de 3.000 quilômetros; a defesa aérea da
Rússia para a costa do Mar Negro está a
ser reequipada com a nova geração de mísseis
S-300PM-2…
Os primeiros dias de guerra
parecem demonstrar que o anúncio de Putin sobre o “…desenvolvimento de sistemas de armas
de última geração, incluindo armas hipersônicas e armas baseadas em novos
princípios físicos, para expandir o uso de tecnologias digitais avançadas e o
uso de inteligência artificial”, não eram mera propaganda. A Rússia volta a
dispor de capacidade militar para rivalizar com os EUA na guerra convencional e
mantém operacional a sua capacidade
nuclear.
Os objetivos políticos declarados
da invasão já não são apenas de restabelecer as fronteiras das Repúblicas de
Donbass e de conter a expansão da NATO, mas de impor um regime que garanta a
neutralidade militar da Ucrânia, a sua descomunização (?), desmilitarização, e
desnazificação_ segundo o porta-voz
presidencial, citado pela Agência oficial, TASS. E acrescenta-lhe uma nova tese.
o atual regime político e constitucional, que saiu do golpe de estado de 2014,
estaria ferido à nascença pela ilegitimidade democrática, pelo que o seu presidente
poderia ser descartado e preferencialmente substituído por militares, no retorno
ao processo negocial . A que se refere Putin?
A situação
política na Ucrânia
Na Ucrânia, a correlação de
forças mudara com a eleição em 2010 de Yanokovitch, um presidente que logo foi
diabolizado como pró-russo. Lideradas pelo partido neonazista Svoboda,
manifestações violentas substituíram os protestos populares contra os efeitos
da crise econômica e a corrupção, e criaram uma situação de quase guerra civil. A diplomacia
conjunta da França e da Alemanha conseguiu em 2014 estabelecer uma trégua e um
acordo que marcou eleições antecipadas para outubro, com vista a encontrar uma
solução política.
“Mas o presidente foi derrubado
em 2014 através de um golpe de estado orquestrado por Washington, perpetrado
por grupos paramilitares neonazistas, colocando no poder grupos nacionalistas
ucranianos anti russos”, como reconhece o analista militar citado, o Major
General Carlos Branco.
O presidente e os seus deputados
fugiram para salvar a vida, e num parlamento semivazio autonomeou-se um governo
integrando grupos neonazistas. Sinalizando a sua política, decretaram a
proibição do uso da língua russa e das minorias polaca, grega e romena. A diplomacia
europeia reconheceu os golpistas como governo legítimo.
Os partidos de extrema-direita e
de ideologia nazi-fascista, Svodoba e Setor Direito, nunca tiveram grande expressão
eleitoral, mas ganharam influência e
poder nacional com o movimento Azov, que fundiu a extrema-direita parlamentar
do Svodoba (que conta atualmente com um deputado na Rada) e os grupúsculos
paramilitares ultranacionalistas e neonazis, como os Patriotas da Ucrânia, passando
a constituir o corpo de elite da Guarda Nacional. A ofensiva dos batalhões
Azov e outros semelhantes, como o batalhão Dnipro, financiados por oligarcas ucranianos, , que estiveram na base da preparação do golpe de estado e foram transformados
em heróis nacionais depois da reconquista da cidade portuária de Mariupol, destruiu
a base industrial e a economia do Donbass, que representava 1/3 da produção industrial da Ucrânia, provocando mais de 45.000 vítimas, entre as quais mais de 14.000 mortos e o êxodo de milhões de russos. Os seus militares usam as insígnias
nazis e embora integrados na Guarda Nacional, dispõem de um comando
autónomo e de armas pesadas ofensivas..«
A proibição de usar a língua
materna, ainda hoje está em vigor nos territórios das Repúblicas de Donetsk e
Lugansk (DPR e LPR) controlados por esta tropa, mas habitadas por mais de 80% de
russos. Ensinar e falar russo nas escolas foi proibido. Tal como usar o russo
nos espaços públicos. A mesma proibição afeta as minoras grega, romena e polaca (6º da população).
Os acontecimentos posteriores ao
golpe militar foram, pois, marcados pelo confronto militar nas províncias do
leste, que receberam apoio militar da Rússia face à ofensiva do exército
ucraniano: pela separação da República da Crimeia, após referendo com 97% de votos a favor, que
regressou à Rússia e pelos acordos de Minsk (2014/2015). Alcançado o
cessar-fogo, o governo ucraniano não concretizou nenhuma das medidas de
autonomia prometidas às autoproclamadas Repúblicas de Lugansk e Donetsk e foi a
própria Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) que
supervisiona o cessar-fogo, que denunciou os preparativos militares do atual
governo da Ucrânia para uma ofensiva militar em fins de 2021, a que a Rússia
respondeu com a concentração de tropas na fronteira.
O atual presidente foi eleito em
2019 com com base num programa de pacificação
e unificação da nação ucraniana_ “Vocês conhecem as nossas principais
prioridades: acabar com a guerra, trazer de volta os prisioneiros e derrotar a
corrupção”, com 73% dos votos, à segunda volta. Logo a seguir, o partido
que fundou, "Servo do Povo", ganhou
as legislativas com cerca de 44% dos votos, contra 12% do partido identificado
como pró-russo "Pela Vida". O partido do presidente que ocupou o
poder após o golpe militar de 2014 e se designava a si próprio como pró-europeu,
caiu para 8,5% dos votos e os outros quatro partidos que tinham constituído a
aliança da sua legislatura, igualmente auto proclamados pró-europeus, e onde se
incluía o partido Frente Popular de extrema-direita, caíram com ele. Votaram menos de 50% dos ucranianos e obviamente, não votaram os russos ucranianos das Repúblicas de Donbass. A vontade de paz e
reconciliação do povo ucraniano, eis o que demonstravam os resultados
eleitorais. Mas o atual presidente não realizou esse programa. A opção de adesão à NATO (e à UE) ganhara o estatuto de
norma constitucional, desafiando a postura da Rússia, que reclama uma Ucrânia neutral, contudo a Alemanha e a França bloquearam a sua concretização, opondo-se aqui ao
desejo dos EUA.
No 1º dia da invasão, o seu discurso
dramático era de desilusão e censura à NATO: "Fomos deixados sozinhos para defender o nosso
Estado", disse Volodymyr Zelensky num vídeo emotivo dirigido à nação
depois da meia-noite. "Quem está pronto para lutar ao nosso lado? Não vejo
ninguém. Quem está disposto a dar à Ucrânia uma garantia de adesão à NATO?
Todos têm medo", acrescentou.
Na Ucrânia estávamos perante dois
problemas distintos, embora correlacionados: a situação da população russa que
habita historicamente as províncias de
Lugansk e Donetsk e a península da Crimeia, e a expansão da NATO para Leste. A guerra
põe em causa a própria existência da República como país independente e vai
deixar a sua economia num caos. os seus resultados podem ser devastadores
para toda a Europa. Incluindo a Rússia.
Aparentemente, já existe um
vencedor: Segundo as doutrinas de Mackinder. e Spykman, o controlo político e
militar da Eurásia, por parte da Rússia, representaria o domínio dos seus recursos
demográficos e naturais. Por conseguinte, a possibilidade de disputar a
hegemonia dos EUA. Deve concluir-se, portanto, que na logica da hegemonia sobre o mundo, a política intervencionista
que os Estados Unidos puseram em prática foi adequadamente concebida como parte
da defesa da sua soberania e de sua segurança estratégica.
Só que, é a União Europeia que
atualmente prevalece na Eurásia. Os EUA estão afinal a disputar à Rússia. mas
também à União Europeia a sua Heartland,
uma massa terrestre contínua, que se estende da Europa Oriental ao Extremo
Oriente, território riquíssimo em minerais estratégicos e energia que,
articulados às potencialidades industriais da Alemanha e do conjunto da UE,
tornaria possível a exploração desses recursos em benefício do desenvolvimento
e da manutenção do poder militar estratégico dos seus países. Conforme
argumentou Spykman, o imperativo estratégico americano deveria ser voltado para
uma política externa intervencionista, para que tal nunca viesse a suceder. E assim fizeram e continuam a fazer os líderes americanos.
A NATO não possui uma organização
democrática. Nem sequer constitui uma instituição de cooperação entre pares. O
Secretário-Geral é uma figura decorativa e veículo de propaganda, o governo dos
EUA decide da guerra e da paz. Mas a história depois da queda da URSS é feita
de guerras, travadas em nome da democracia, da segurança ou da paz, a partir de
falsas informações e encenações políticas, com trágicas consequências para os
países agredidos e ocupados, mas também para a Europa: o terrorismo globalizou-se,
atingiu a Europa e expandiu-se em África. Milhões de refugiados abandonaram o Afeganistão,
o Iraque, a Síria, o, a Líbia, e procuraram asilo nos países vizinhos, algumas
centenas de milhar marcharam para as fronteiras da União Europeia…O governo de
Trump apoiou abertamente o Brexit, que retirou da UE o maior exército europeu e
a ascensão
de partidos autoritários dentro do espaço comunitário. Estes problemas não
desapareceram com a bárbara invasão da Ucrânia pelo partido de Putin, que já
não representa a maioria dos seus concidadãos, tal como o partido de Trump,
nunca representou a maioria do povo americano.
Mas os partidos dominantes na UE, conservadores, liberais, social-democratas,
abdicaram de uma política de defesa própria e viram a economias dos
seus países enfraquecida por crises financeiras, políticas protecionista e discriminatórias,
tentativas de condicionar o seu desenvolvimento, com origem nos governos
americanos, que não podem ser desvalorizadas, sob o pretexto de combater o inimigo
comum. A extrema-direita tomou o partido republicano e o partido democrático
parece não ter forças para ganhar o apoio do seu povo para uma nova política democrática
e progressista.
A União Europeia não pode enfrentar a
crise ambiental e as suas crises pandémicas, a concorrência dos EUA ou da China,
o terrorismo, a segurança e a paz, senão a partir de um balanço crítico do Federalismo
Monetário e Burocrático dominante e da abertura do debate sobre a alternativa do
Federalismo Democrático e a defesa conjunta da Europa.
A impotência e os
riscos das sanções
Quem
responde ao apelo do povo ucraniano pela
fim imediato da guerra e a construção da paz?
Apenas
o povo russo, que desceu à rua em 53 cidades, contra a guerra e já sofreu a
repressão policial.
Cada
um dos beligerantes e os seus aliados, deve tomar a iniciativa de cumprir o seu
dever para com a paz e a segurança dos seus povos.
É dever dos partidos de oposição do
Parlamento russo resistir à chantagem do partido de Putin, exigir que a guerra pare, e que povo russo
possa livremente manifestar-se pelo fim da guerra; que o governo de Putin mande
parar e retire as suas forças e as confine no perímetro das Repúblicas de Donbass
que juraram defender.
A NATO deve anunciar que aceita
resolver através da negociação o diferendo sobre a sua expansão a leste.
A União Europeia deve
oferecer à Rússia a possibilidade de suspender as sanções, em troca de
um cessar-fogo imediato e o início, sem outras condições prévias, das
negociações.
Os discursos inflamados de ambas
as partes, multiplicando a lista das
sanções e anunciando contra sanções, ajudam
os políticos a ganhar a simpatia dos eleitores, mas são inúteis para parar a
guerra e, ao contrário, são perigosos para a conquista da paz e para a ultrapassagem da crise
económica e pandémica.
O deslocamento de tropas e
materiais para os países vizinhos da Ucrânia não passou de um logro propagandístico, pois
nada indicava que a Rússia pudesse construir para eles uma ameaça imediata e os
factos demonstraram a sua inutilidade. Devem cessar, pois só servem para
acirrar a desconfiança mútua.
Os EUA devem deixar de interferir
nesta contenda e de agir por interposta pessoa para fazer valer os seus
interesses. A suspensão do gasoduto North Stream2 e a exclusão do sistema Shwift
da Rússia, são exigências políticas interesseiras há muito denunciadas pelos
próprios, que não encontram saída para o excesso de produção de gás e petróleo de xisto por
fracking, altamente poluente, que querem exportar liquefeito para a Europa. A
exclusão da Rússia do sistema Shwift não terá implicações para os EUA, que têm
com a Rússia relações comerciais pouco significativas, mas porá em risco a sustentabilidade
de milhares de pequenas, médias e grandes empresas que têm quotas do mercado russo
de valor crítico. Conduzirá, provavelmente, a apressar o fim do monopólio de
transações que aquela empresa possui.
Igualmente grave e preocupante, são
os efeitos imediatos do prolongamento da
guerra sobre o preço dos combustíveis e a inflação, a redução dos fluxos
comerciais entre a Europa e a Rússia, sobretudo para as empresas mais frágeis e
os países com economias mais vulneráveis. E a paralisação do esforço comum
europeu para levar até ao fim o controle da pandemia. E, o pior de tudo, o crescimento do número
de mortos, feridos e refugiados. Os
traumas e feridas que a guerra abre entre povos irmãos.
Os governos dos EUA e os seus
governos aliados, nunca explicaram porque é que o alargamento da NATO através
do leste europeu a até às fronteiras da Rússia contribuiria para a paz e a
segurança. Se a segurança dos países de leste fosse ameaçada, as Nações Unidas têm
autoridade para mobilizar forças internacionais para fazer a guerra em nome da
paz e, sobretudo, para a dissuadir.
Que a ONU e os representantes de duas nações irmãs avancem e que a desescalada comece, que se se retirem
de cena os que contribuíram e lucram com esta guerra.
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