Na Ucrânia estamos perante dois
problemas distintos, embora correlacionados: a situação da população russa que
habita historicamente as províncias de
Lugansk e Donetsk e a península da Crimeia, e a expansão da NATO para Leste.
O outro lado das
notícias sobre a Ucrânia
O desastre de Chernobyl foi um
acidente nuclear que ocorreu em 26 de abril de 1986 com a explosão do reator nº
4 da Central Nuclear de Chernobyl, Ucrânia. O sarcófago protetor só
seria concluído em dezembro de 1986. O material radioativo contaminou não
apenas aquele país, mas também a Rússia e a Bielorrússia, atingiu o Norte e o
Sul da Europa, provocou a curto e médio prazo milhares de mortos por cancro e
outras doenças que passaram para as novas gerações… mas a tragédia teria sido
incomensurável, para a Ucrânia, a Europa e o mundo, se os 530.000 “liquidadores”,
provenientes de toda a URSS, não tivessem exposto as suas vidas e sacrificado a
sua saúde para conter o desastre.
Pergunto-me e perguntou uma
jornalista americana ao seu presidente, em direto pela CNN, para que invadiria
a Rússia a Ucrânia? Ficou sem resposta.
Ucrânia, um país com a economia
despedaçada, pela corrupção e fuga de capitais dos seus oligarcas, submetida às imposições do FMI, rica em matérias primas e pão, de que o seu povo não beneficia! E a que
preço a Rússia o faria? A Rússia já mantém um nível de relações comerciais elevado com a Ucrânia, que nem a guerra civil interrompeu. Ela também
empobrecida pela anterior queda do valor do seu imenso lençol de petróleo, desvalorização manipulada pelos EUA
e a Arábia Saudita. E invadiria,
contra a memória viva da trágica invasão
do Afeganistão, bem presente entre o seu povo!?
Do outro lado, estamos perante um
sobressalto democrático e soberanista dos líderes da União Europeia _ UE,
conservadores, liberais, social-democratas, em defesa de uma nação ameaçada? Ou
face a uma gigantesca farsa montada pelos militaristas de todas a cores e os
seus complexos industriais, arrebanhando consigo políticos sem coluna
vertebral, jornalismos de propaganda, à cata também de revelações bombásticas,
sinais irrefutáveis da “guerra iminente”…numa lavagem ao nosso pobre cérebro
que faz gritar a uns que mata e a outros que esfola! Enquanto, é patético ver o presidente ucraniano e o seu
ministro da defesa, tentarem em vão chamar a turba a conter-se, que não é
preciso ir tão longe...enquanto os ucranianos seguem a sua vida quotidiana, estranhamente alheios à catástrofe anunciada
ou apenas descrentes dos seus novos senhores e amigos, que acolhem no seu país
o ucraniano geólogo como jardineiro, a
enfermeira como mulher a dias… e se surpreendem com o sentido do dever dos seus
filhos estudantes, outrora educados pelo “regime socialista”!
Os que mentiram para levar a
guerra ao Afeganistão, Koweit, Iraque, Síria, Líbia, para impor a austeridade e
o Brexit... merecem ainda confiança?
Repetem que a invasão era para ontem, e vai ser amanhã ou depois, que
vai engolir primeiro a Ucrânia e depois a Europa e o mundo...
Afirmam combater Putin e promovem o primeiro oligarca que lhe
disputa ao poder; mas escondem que nas últimas eleições para o parlamento
russo, pela primeira vez na história recente, o partido de Putin não teve a maioria
dos votos e manteve a hegemonia parlamentar graças à dispersão dessa oposição
por 11 partidos, de todas as tendências políticas_ dos nacionalistas aos
comunistas, sendo essa oposição liderada agora pelo novo Partido Comunista da
Rússia, com 20% dos sufragios! Acossar a Rússia com a NATO, não é a maior ajuda
que Putin pode ter para conservar o seu prestígio entre os povos do seu país?
Esse coro de belicistas anti
Rússia, não vêm que a guerra económica das sanções e a via militar, estão a
preparar nos EUA o regresso de Trump ao poder? Que esta estratégia de Biden, para
recuperar para si a base social do trumpismo, é suicida?
E que este estado de uma nova guerra
santa a ocidente contra a Rússia, está a
unir numa frente comum neofascistas com liberais e socialistas, em torno da
guerra, do antissemitismo, do chauvinismo, da liquidação sumária dos 30 artigos
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da proliferação da pandemia nos
países pobres, no retrocesso democrático das polónias, estónias, hungrias,
ucrânias… que alastram como uma mancha de óleo, sob a pele das suas próprias
democracias?
E mesmo que tudo termine, por
ora, em guerra nenhuma? Quem dará a mão os ucranianos, sem investimentos,
turistas, empregos, indústrias encerradas...E o que acontecerá aos farsantes?
Nada.
Os aprendizes de
feiticeiro
Mas chegou a vez do líder da Rússia
lançar lenha sobre a fogueira, alterando, após reunião do seu Conselho de
Segurança, a política de respeito pela
integridade da Ucrânia e abandonando os acordos de Minsk, que apontavam para
uma solução federalista para a crise, com a concessão pelo governo central de
um estatuto de autonomia política às regiões de Donetsk e Lugansk, habitadas
historicamente por russos.
O risco de confronto militar aumenta.
Apelando para o anticomunismo,
presente no discurso dos governantes dos dois campos. Putin, evoca a integração
destas províncias na Ucrânia em 1918 e a Crimeia em 1954, factos históricos que são verdadeiros,
classificando-os como uma perda para a Rússia e uma iniciativa tomada pela
liderança do PC da URSS para reforçar a sovietização do estado ucraniano.
Aquelas regiões e a Crimeia são
habitadas por mais de 8 milhões de russos e sempre o foram, ao longo da
história moderna, juntamente com outras minorias. Integraram-se na Ucrânia por
iniciativa do governo de Lenine em 1918 e depois de Khrushchov (que ali nasceu e foi líder), em 1954, para
servirem de base ao desenvolvimento
industrial e facultar à Ucrânia soviética o acesso ao Mar Negro e de Azov.
O presidente russo denuncia os
EUA como mentores do golpe de estado que derrubou um governo democraticamente
eleito em 2014, acusado de ser pró-russo
e que colocou no poder grupos anticomunistas (o partido Svodoba é assumidamente
pró-nazi e antissemita) e ultranacionalistas que proibiram o uso da língua
russa (tal como das minorias romena, grega e polaca) e atacaram e ocuparam metade das
regiões do leste, que recusaram aceitar a legitimidade do governo golpista. A França
e Alemanha, que tinham, em nome da União Europeia, alcançado em 2014 o acordo para cessarem nas ruas de
Kiev os conflitos de grupos armados contra o governo e resolver a situação com
eleições antecipadas para Outubro, aceitaram o golpe e legitimaram as suas
consequências. Estes são os factos da origem recente da crise, obliterados pela
contrainformação que domina os noticiários.
Putin acusa a NATO e os EUA de, a pretexto da crise na Ucrânia, terem
instalado na região mísseis e sistemas militares que colocam todo o território
russo sob ameaça direta, ampliando o cerco militar que acompanha a conquista dos mercados de leste, facto
evidente e não desmentido. O direito internacional
garante a segurança nacional a todos os países, e é reconhecido também pela Carta
das Nações Unidas: basta lembrar a crise dos mísseis instalados em Cuba (1961)
e a reação hostil americana, para o recordar.
Em suma: O abandono dos acordos
de Minsk, primeiro pelos governantes da Ucrânia, que não deram um passo para a
autonomia das Repúblicas de Leste e as cercaram e atacaram com forças militares
e agora pelo governo da Rússia, que ao reconhecer a independência das
Repúblicas, viola a integridade da Ucrânia, conduzirá provavelmente à
retaliação da UE e dos EUA com sanções económicas, que atingirão de ricochete
sobretudo a economia alemã_ estagnada antes da pandemia e depois toda a
comunidade europeia.
O complexo militar industrial
americano fará novos e grandes lucros, continuando a inundar a Europa com armas
poderosas e letais e na Federação Russa crescerão as tendências nacionalistas e
militaristas.
Os aprendizes de feiticeiro, que
não são só russos e ucranianos, e foram até agora os líderes europeus
seguidistas do governo de Biden, acordarão afinal para entender o que
verdadeiramente está em jogo?
Na Ucrânia, estivemos sempre perante
dois problemas distintos, embora correlacionados: a situação da população russa
que habita historicamente as províncias
de Lugansk e Donetsk e a península da Crimeia, e a expansão da NATO para Leste.
Enfim: A diplomacia europeia quer
lutar pela paz ou deixar-se arrebanhar para a guerra económica, que prepara o
confronto militar?
É altura de passar a diplomacia
para o Conselho de Segurança das Nações Unidas e ouvir a voz da China:
salvaguardar a paz na Ucrânia, negociando entre as partes em conflito interno,
uma solução política, que os acordos de Minsk propiciavam e a OSCE monitorizava.
Conter o desenvolvimento dos pactos militares, regressar aos tratados europeus
de segurança, aos tratados internacionais, envolvendo EUA e Rússia, para diminuir
o potencial bélico e afastar das fronteiras nacionais todos os vetores de
conflito.
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