15.1.21

Crítica ao relatório (2021) da Human Rights Watch Inc. como falácia política


“Tradicionalmente, estes (Os direitos humanos) são vistos como apenas direitos civis e políticos, como liberdade de expressão, direito a um julgamento justo, direito a não ser torturado. Mas acaba aí.(nos EUA)”

Consequentemente e face aos princípios enunciados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU em 1948, deveria a Human Rights Watch denunciar que os EUA não cumprem os seus princípios ( e nunca cumpriram) nem nenhum dos seus 30 Artigos.

Human Rights Watch Inc. and Subsidiaries é uma organização atualmente implantada em 90 países, que teve origem na fase final da Guerra Fria.

Apresenta-se publicamente nos seguintes termos:

“A Human Rights Watch foi fundada em 1978 como “Helsinki Watch”, quando começamos a investigar abusos de direitos em países que assinaram os Acordos de Helsinque, principalmente aqueles por trás da Cortina de Ferro”. (Anote-se a permanência deste conceito, criado pelo discurso anticomunista de Churchill))

Recordo que estes acordos  foram vistos como um passo significativo para reduzir as tensões da Guerra Fria (a chamada détente), porque, devido às cláusulas de inviolabilidade das fronteiras nacionais e  de respeito pela integridade territorial, reconheciam pela primeira vez a nova geografia política do Leste da Europa, saída da II Guerra Mundial. Mas permitiram também criar o denominado Grupo de Helsínquia em Moscovo, com o estatuto de uma ONG independente, estabelecida para vigiar o cumprimento dos Acordos de Helsínquia

Continuando a citar

“Ao destacar os holofotes internacionais sobre as violações dos direitos humanos na União Soviética e na Europa Oriental, o Helsinki Watch contribuiu para as dramáticas transformações democráticas do final dos anos 1980.”

Quando a derrocada dos regimes de Leste se tornou irreversível, a organização começou a expandir-se pelos cinco continentes, mudou de nome e autoproclamou-se como a representante civil mundial da causa de defesa dos Direitos do Homem: Americas Watch (1981), Asia Watch (1985), Africa Watch (1988) e Middle East Watch (1989) adotaram formalmente o nome abrangente Human Rights Watch.

Como e porquê ocorreu tal processo? Quem o financiou? Nos seus estatutos está inscrita a independência de fundos governamentais, mas entre os principais financiadores encontramos a Fundação Ford, desde sempre um instrumento da política imperial dos governos dos EUA, a par de outras, como a holandesa Dutch Postcode Lottery. Os seus ativos alcançam atualmente mais de 216 milhões de $, recolhendo anualmente, em donativos e receitas, incluindo investimentos, verbas da ordem de 96 milhões (em 2020).

O discurso em prol dos direitos humanos passou a incorporar os direitos das minorias ou dos emigrantes e até a crítica aos regimes mais repressivos e às intervenções mais agressivas do imperialismo americano, mas com o recurso à falácia. Volto a citar:

“… o Americas Watch também examinou criticamente o papel desempenhado por governos estrangeiros, especialmente os Estados Unidos, no fornecimento de apoio militar e político a regimes abusivos.”

Mas não, não denunciou os governos dos EUA como os mentores dos golpes de estado sangrentos no continente americano, mas apenas os regimes abusivos e  apoiou processos contra lideres abusivos, incluindo Augusto Pinochet do Chile (sic ).

Se saltarmos daqui para a entrevista sobre o Relatório de 2020, encontramos uma linha de continuidade no discurso político e no uso da falácia:

“Uma dúzia de democracias latino-americana e o Canadá juntaram-se no chamado “grupo de Lima” e foram muito eficazes, conseguindo que o conselho de direitos humanos da ONU condenasse e investigasse a Venezuela, conseguiram enviar o caso ao Tribunal Penal Internacional… e na América Latina os governos tradicionalmente não se criticavam por questões de direitos humanos, porque isso era o que os EUA faziam.”

A Human Rights Watch nunca juntou a sua voz á denúncia e ao apelo da Comissão de Direitos Humanos  da ONU para o levantamento do bloqueio a Cuba, á Venezuela ou ao Irão,  agravado pela apropriação dos seus fundos depositados na banca ocidental, que viola o Direito Internacional e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (Artigos 2º, 17º, 28, 30, entre outros) e é uma das causas fundamentais das carências e sofrimento dos seus povos. E faz por ignorar os apelos e atos concretos de apoio humanitário que a ONU promove, através de um programa específico criado pelo Secretário-Geral, e que tiveram eco nos governos de países como a Espanha e a Alemanha.

O grupo de Lima reúne os governos que seguiriam na América latina a política de Trump.

Sobre o COVID 19:

“Pequim censurou os médicos que tentaram avisar-nos que a fonte das infecções não era apenas o mercado e que havia transmissão entre humanos. E em três semanas, o vírus tornou-se global e foi um desastre.” Trump não diria melhor! A Organização Mundial de Saúde já desmentiu essas notícias falsas vezes sem conta!

Merkel tem sido inconsistente, o acordo ( de investimento China -EU) não tem sequer uma promessa para acabar com o trabalho escravo, apenas uma promessa para trabalhar para a ratificação de um tratado contra o trabalho forçado.” Nem Trump se atreveu a atacar a China como esclavagista! Quando já passaram 9 anos (de 2011), sobre a data em que o FMI e o Banco Mundial declararam ter a China ultrapassado os EUA no que respeita ao Poder de Compra Comparado (PPP, sigla em inglês), o verdadeiro indicador do progresso social da economia, que não o PIB per capita. No ano em que as organizações internacionais reconhecidas, da ONU ao FMI e Banco Mundial, atestam que a China tirou da pobreza 850 milhões de cidadãos, e a reduziu a valores residuais.

Continuemos com o discurso falacioso:

“Recentemente a Alemanha orquestrou uma declaração de 40 governos condenando a repressão chinesa em Xinjiang.” Nesta região autónoma da China, existe um movimento extremista do tipo do ISIS, que usa o terrorismo como método e é responsável por atentados bombistas e assassinatos dos líderes religiosos  muçulmanos e dos seus concidadãos, mais graves do que os que aconteceram na Europa. Este contexto, nunca é mencionado, como, para justificar a ingerência na Síria, se escamoteou e tolerou durante anos a predominância de grupos de oposição extremista e terrorista como o ISIS. Não se conhece nenhum outro movimento político de oposição em Xinjiang.  Mas, tal como aconteceu na fase anterior da Guerra Fria, dissidentes individuais opositores da República Popular da China, facilmente ganham destaque a ocidente, recebem apoios e estatuto.

Síria.

“Mesmo na Europa, houve governos a avançar, como em relação ao bombardeamento russo de 3 milhões de civis em Idlib, foi [o Presidente francês, Emmanuel] Macron e [a chanceler alemã, Angela] Merkel a trabalhar com [o Presidente turco, Recep Tayyip] Erdogan, que obrigaram a que parasse. E mais, a União Europeia agiu na Bielorrússia, na Hungria e Polónia, a Dinamarca na Arábia Saudita.”

Falácia, porque Idib é o último reduto do ISIS na Síria, o alvo do exército Sírio, apoiado pela Rússia. E é nessa área, rica em petróleo, que permanecem as forças militares americanas que entraram na Síria a pretexto de apoiar os curdos. Falácia porque a União Europeia não passou das palavras aos atos perante a fascização dos regimes da Polónia e da Hungria.

E eis que no meio do discurso dúbio, surge um reconhecimento terrível, que passará despercebido á maioria dos leitores acerca do modo como os EUA encaram a Declaração Universal dos Direitos do Homem:

“O que pode Biden fazer?

Temos duas sugestões. Uma para mudar no plano interno e outra para o plano externo. Na primeira, é aprofundar o compromisso com os direitos humanos de modo a que seja mais difícil ao próximo presidente desfazê-lo. No plano interno, isso pode ser feito usando a pandemia para alargar o que é entendido como direitos humanos nos EUA. Tradicionalmente, estes são vistos como apenas direitos civis e políticos, como liberdade de expressão, direito a um julgamento justo, direito a não ser torturado. Mas acaba aí.”

Consequentemente e face aos princípios enunciados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU em 1948, deveria a Human Rights Watch denunciar que os EUA não cumprem os seus princípios ( e nunca cumpriram) nem nenhum dos seus 30 Artigos., pois mesmo no que respeita ao Artº 21, as liberdades políticas são monopólio de dois partidos, que controlam hoje todo o aparelho de estado, incluindo o processo eleitoral. Na prática política, qualquer organização com laivos de socialista ou social-democrata, é proscrita   pela organização do estado, pelos grupos dominantes na comunicação social e nas redes sociais.

Hoje, os líderes da Human Rights Watch, para manterem uma aura de credibilidade, precisaram de abrir a organização ( que conta com 450 quadros) e fazer um novo discurso, que incorpora as críticas à política imperial dos governos dos EUA,  Democratas e Republicanos, exatamente porque uma parte maior de cidadãos do mundo e dos próprios EUA, compreenderam como o slogan dos direitos humanos tem sido falacioso, sobretudo no país que mais os proclama e invoca para justificar a sua política de boicotes, de guerra económica e intervenção militar.

Num mundo onde reina a alienação política e a informação falaciosa A Human Rights Watch em 1997 compartilhou o Prêmio Nobel da Paz como membro fundador da Campanha Internacional para Banir as Minas Terrestres. E, paradoxalmente, ou não, o autor deste texto crítico, fiel ao seu pessimismo de inteligência, não gostaria de a ver desaparecer.

Ver o Relatório

Consultar o jornal Público de 13.01.2021

 

 

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