Consequentemente e face aos princípios enunciados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU em 1948, deveria a Human Rights Watch denunciar que os EUA não cumprem os seus princípios ( e nunca cumpriram) nem nenhum dos seus 30 Artigos.
Human
Rights Watch Inc. and Subsidiaries é uma organização atualmente implantada
em 90 países, que teve origem na fase final da Guerra Fria.
Apresenta-se publicamente nos seguintes termos:
“A Human Rights Watch foi
fundada em 1978 como “Helsinki Watch”, quando começamos a investigar abusos de
direitos em países que assinaram os Acordos de Helsinque, principalmente
aqueles por trás da Cortina de Ferro”. (Anote-se a permanência deste conceito, criado
pelo discurso anticomunista de Churchill))
Recordo que estes acordos foram vistos como um passo significativo para
reduzir as tensões da Guerra Fria (a chamada détente), porque, devido às
cláusulas de inviolabilidade das fronteiras nacionais e de respeito pela integridade territorial, reconheciam
pela primeira vez a nova geografia política do Leste da Europa, saída da II
Guerra Mundial. Mas permitiram também criar o denominado Grupo de Helsínquia em
Moscovo, com o estatuto de uma ONG independente, estabelecida para vigiar o
cumprimento dos Acordos de Helsínquia
Continuando a citar
“Ao destacar os holofotes
internacionais sobre as violações dos direitos humanos na União Soviética e na
Europa Oriental, o Helsinki Watch contribuiu para as dramáticas transformações
democráticas do final dos anos 1980.”
Quando a derrocada dos regimes de
Leste se tornou irreversível, a organização começou a expandir-se pelos cinco
continentes, mudou de nome e autoproclamou-se como a representante civil mundial
da causa de defesa dos Direitos do Homem: Americas Watch (1981), Asia Watch
(1985), Africa Watch (1988) e Middle East Watch (1989) adotaram formalmente o
nome abrangente Human Rights Watch.
Como e porquê ocorreu tal
processo? Quem o financiou? Nos seus estatutos está inscrita a independência de
fundos governamentais, mas entre os principais financiadores encontramos a
Fundação Ford, desde sempre um instrumento da política imperial dos governos
dos EUA, a par de outras, como a holandesa Dutch Postcode Lottery. Os seus
ativos alcançam atualmente mais de 216 milhões de $, recolhendo anualmente, em
donativos e receitas, incluindo investimentos, verbas da ordem de 96 milhões (em
2020).
O discurso em prol dos direitos
humanos passou a incorporar os direitos das minorias ou dos emigrantes e até a
crítica aos regimes mais repressivos e às intervenções mais agressivas do
imperialismo americano, mas com o recurso à falácia. Volto a citar:
“… o Americas Watch também
examinou criticamente o papel desempenhado por governos estrangeiros,
especialmente os Estados Unidos, no fornecimento de apoio militar e político a
regimes abusivos.”
Mas não, não denunciou os
governos dos EUA como os mentores dos golpes de estado sangrentos no continente
americano, mas apenas os regimes abusivos e apoiou processos contra lideres abusivos, incluindo
Augusto Pinochet do Chile (sic ).
Se saltarmos daqui para a
entrevista sobre o Relatório de 2020, encontramos uma linha de continuidade no discurso
político e no uso da falácia:
“Uma dúzia de democracias
latino-americana e o Canadá juntaram-se no chamado “grupo de Lima” e foram
muito eficazes, conseguindo que o conselho de direitos humanos da ONU condenasse
e investigasse a Venezuela, conseguiram enviar o caso ao Tribunal Penal
Internacional… e na América Latina os governos tradicionalmente não se
criticavam por questões de direitos humanos, porque isso era o que os EUA
faziam.”
A Human Rights Watch nunca juntou
a sua voz á denúncia e ao apelo da Comissão de Direitos Humanos da ONU para o levantamento do bloqueio a Cuba,
á Venezuela ou ao Irão, agravado pela
apropriação dos seus fundos depositados na banca ocidental, que viola o Direito
Internacional e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (Artigos 2º, 17º, 28,
30, entre outros) e é uma das causas fundamentais das carências e sofrimento
dos seus povos. E faz por ignorar os apelos e atos concretos de apoio
humanitário que a ONU promove, através de um programa específico criado pelo
Secretário-Geral, e que tiveram eco nos governos de países como a Espanha e a
Alemanha.
O grupo de Lima reúne os governos
que seguiriam na América latina a política de Trump.
Sobre o COVID 19:
“Pequim censurou os médicos
que tentaram avisar-nos que a fonte das infecções não era apenas o mercado e
que havia transmissão entre humanos. E em três semanas, o vírus tornou-se
global e foi um desastre.” Trump não diria melhor! A Organização Mundial de
Saúde já desmentiu essas notícias falsas vezes sem conta!
“Merkel tem sido
inconsistente, o acordo ( de investimento China -EU) não tem sequer uma
promessa para acabar com o trabalho escravo, apenas uma promessa para trabalhar
para a ratificação de um tratado contra o trabalho forçado.” Nem Trump se
atreveu a atacar a China como esclavagista! Quando já passaram 9 anos (de
2011), sobre a data em que o FMI e o Banco Mundial declararam ter a China
ultrapassado os EUA no que respeita ao Poder de Compra Comparado (PPP, sigla em
inglês), o verdadeiro indicador do progresso social da economia, que não o PIB
per capita. No ano em que as organizações internacionais reconhecidas, da ONU
ao FMI e Banco Mundial, atestam que a China tirou da pobreza 850 milhões de
cidadãos, e a reduziu a valores residuais.
Continuemos com o discurso
falacioso:
“Recentemente a Alemanha
orquestrou uma declaração de 40 governos condenando a repressão chinesa em
Xinjiang.” Nesta região autónoma da China, existe um movimento extremista
do tipo do ISIS, que usa o terrorismo como método e é responsável por atentados
bombistas e assassinatos dos líderes religiosos
muçulmanos e dos seus concidadãos, mais graves do que os que aconteceram
na Europa. Este contexto, nunca é mencionado, como, para justificar a ingerência
na Síria, se escamoteou e tolerou durante anos a predominância de grupos de
oposição extremista e terrorista como o ISIS. Não se conhece nenhum outro movimento
político de oposição em Xinjiang. Mas,
tal como aconteceu na fase anterior da Guerra Fria, dissidentes individuais
opositores da República Popular da China, facilmente ganham destaque a
ocidente, recebem apoios e estatuto.
Síria.
“Mesmo na Europa, houve
governos a avançar, como em relação ao bombardeamento russo de 3 milhões de
civis em Idlib, foi [o Presidente francês, Emmanuel] Macron e [a chanceler alemã,
Angela] Merkel a trabalhar com [o Presidente turco, Recep Tayyip] Erdogan, que
obrigaram a que parasse. E mais, a União Europeia agiu na Bielorrússia, na
Hungria e Polónia, a Dinamarca na Arábia Saudita.”
Falácia, porque Idib é o último
reduto do ISIS na Síria, o alvo do exército Sírio, apoiado pela Rússia. E é nessa
área, rica em petróleo, que permanecem as forças militares americanas que
entraram na Síria a pretexto de apoiar os curdos. Falácia porque a União
Europeia não passou das palavras aos atos perante a fascização dos regimes da
Polónia e da Hungria.
E eis que no meio do discurso
dúbio, surge um reconhecimento terrível, que passará despercebido á maioria dos
leitores acerca do modo como os EUA encaram a Declaração Universal dos Direitos
do Homem:
“O que pode Biden fazer?
Temos duas sugestões. Uma para
mudar no plano interno e outra para o plano externo. Na primeira, é aprofundar
o compromisso com os direitos humanos de modo a que seja mais difícil ao
próximo presidente desfazê-lo. No plano interno, isso pode ser feito usando a
pandemia para alargar o que é entendido como direitos humanos nos EUA. Tradicionalmente,
estes são vistos como apenas direitos civis e políticos, como liberdade de
expressão, direito a um julgamento justo, direito a não ser torturado. Mas
acaba aí.”
Consequentemente e face aos
princípios enunciados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada
pela ONU em 1948, deveria a Human Rights Watch denunciar que os EUA não cumprem
os seus princípios ( e nunca cumpriram) nem nenhum dos seus 30 Artigos., pois
mesmo no que respeita ao Artº 21, as liberdades políticas são monopólio de dois
partidos, que controlam hoje todo o aparelho de estado, incluindo o processo
eleitoral. Na prática política, qualquer organização com laivos de socialista ou
social-democrata, é proscrita pela organização do estado, pelos grupos
dominantes na comunicação social e nas redes sociais.
Hoje, os líderes da Human Rights
Watch, para manterem uma aura de credibilidade, precisaram de abrir a organização
( que conta com 450 quadros) e fazer um novo discurso, que incorpora as críticas
à política imperial dos governos dos EUA, Democratas e Republicanos, exatamente porque
uma parte maior de cidadãos do mundo e dos próprios EUA, compreenderam como o
slogan dos direitos humanos tem sido falacioso, sobretudo no país que mais os
proclama e invoca para justificar a sua política de boicotes, de guerra
económica e intervenção militar.
Num mundo onde reina a alienação
política e a informação falaciosa A Human Rights Watch em 1997 compartilhou o
Prêmio Nobel da Paz como membro fundador da Campanha Internacional para Banir
as Minas Terrestres. E, paradoxalmente, ou não, o autor deste texto crítico, fiel
ao seu pessimismo de inteligência, não gostaria de a ver desaparecer.
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