Diz a lenda que Nabucodonosor da Babilónia mandou erigir uma estátua feita de ouro, prata, bronze, ferro e barro. Na versão da história bíblica esta estátua gigantesca, um falso ídolo, com a cabeça de ouro, peito de prata, pernas de ferro e pés de barro, apesar de todo o seu aspeto de colosso, foi derrubada quando uma simples pedrinha, ao rolar pelo monte abaixo, atingiu os seus pés.
Apliquemos esse símbolo ao nosso
tempo e reconheçamos como um dos suportes da União Europeia, a comunidade do
carvão e do aço, depois alargada à livre circulação de mercadorias, capitais e
cidadãos; no outro pé, a denominada União Monetária e Financeira. A globalização
financeira, com a crise di subprime importada dos EUA fraturou o primeiro e a crise do COVID 19, quebrou o segundo suporte
em múltiplos pedaços. Esta falência geral e súbita já vinha sendo anunciada por outras patologias internas: a política
austeritária da Troika, o Brexit, a falta de resistência à política hostil do governo de Trump e o
emergir de regimes semi autoritários no leste europeu.
Uns e outros cavalgaram a onda de refugiados que chegou à Europa, fugindo já não apenas à miséria e à dependências das suas nações, mas também às guerras civis e de intervenção estrangeira, que os EUA promoveram, apoiados pelos seus aliados europeus. Essas guerras, liquidaram as revoluções democráticas que se desenvolviam no norte de África e no médio oriente, expandiram o extremismo Islâmico, e trouxeram a guerra de baixa intensidade, com o terrorismo, ao coração da União Europeia.
Os partidos autoritários cresceram
sobre os escombros das empresas públicas arruinadas e privatizadas, dos serviços
públicos degradados, das dívidas
soberanas com juros inflacionados_ justificados pelos dogma da má gestão pública
e do fim do dinheiro barato, com o
estado liberal enfraquecido e por isso incapaz de ajudar através do
investimento público as pequenas e médias empresas, as multidões de
desempregados, os pensionistas e o mundo
rural. A eliminação dos direitos laborais e cívicos, consignados na Declaração Universal
dos Direitos Humanos, o controle da comunicação social e do aparelho judicial,
a adesão à NATO, a xenofobia contra os emigrantes, o racismo e a homofobia, constituíram
o programas comum de subversão da democracia liberal e dos tratados da União
Europeia.
Mas os partidos autoritários cresceram
também com o apoio financeiro e político da oligarquia dos EUA que colocou no poder o
presidente Trump. A ingerência americana nos assuntos internos de outros países, em defesa dos interesses dos seus oligopólios, é hoje feita às claras e não poupa os seus aliados, veja-se o caso da Hawei e da tecnologia 5G.
Novas oligarquias substituíram no
leste as oligarquias geradas pela corrupção das democracias populares, frágeis democracias
liberais ocuparam o seu lugar, logo substituídas por regimes autoritários
alinhados agora com a NATO, que estendeu a sua influência até às fronteiras da Rússia e do que resta do seu império..
Mas ao contrário das doutrinas
neoliberais que seguiam o dogma do enfraquecimento do estado, estas novas
oligarquias, conscientes do fracasso das políticas neoliberais da União Europeia,
definiram uma política de assalto ao estado, para o colocar ao seu serviço. Paradoxalmente,
adotando o caminho seguido pela Rússia pós União Soviética e, a ocidente, pelos
próprios EUA. Sim, a democracia americana, que nasceu já com o espartilho do
monopólio de dois partidos únicos, evoluiu
para um estado e uma economia militarizados, que permite à oligarquia americana
composta por apenas 1% dos seus cidadãos, apropriar-se de 93% do PIB ( dados do
próprio governo federal).
Esta economia, ao defrontar-se
hoje com a concorrência global ou regional de novas potências (China), alianças
(União Europeia) ou governos soberanos
(Cuba, Nicarágua, Irão, Venezuela), não hesita em recorrer à estratégia de guerra
económica e política, que traz consigo o perigo da guerra militar. Do boicote e
bloqueio económico, à intervenção pela força das armas americanas ou dos seus agentes
políticos (governos aliados e oligarquias locais).
A necessidade de apostar na
"união transatlântica face aos autocratas e aos países que procuram
assentar o seu poderio em desprezo pela ordem internacional ou desequilíbrios
regionais", foi proclamada segunda-feira, 16 de novembro, no Washington
Post, pelos ministros dos Negócios Estrangeiros de França, Jean-Yves Le Drian,
e da Alemanha, Heiko Maas.
Enquanto isso, Emmanuel Macron e
Angela Merkel, sublinhavam a importância que a Europa precisa dar à autossuficiência
e a necessidade de apostar numa frente
unida, numa estratégia de mão estendida e punho fechado face à futura
Administração norte-americana.
Em causa, parece estar ainda a
procura de uma estratégia comum transatlântica contra as ambições da Turquia,
do Irão e da Rússia enquanto potências
regionais, e o medo de perder
definitivamente para a Ásia, sobretudo para a China, o direito a estabelecer as
regras do comércio mundial.
O apelo conjunto da diplomacia
franco-alemã parece constituir a resposta imediata ao nascimento de uma nova
área de trocas que engloba 30 por cento de toda a população do globo e uma
fatia similar da produção, por iniciativa da Associação das Nações do Sudeste
Asiático (ASEAN). A Parceria Económica Abrangente Regional (RCEP, na sigla em
inglês) é o maior acordo comercial do mundo em termos de Produto Interno Bruto
(PIB). Abre caminho para a criação de uma zona livre de comércio, abrange dez
economias do sudeste asiático (Indonésia, Tailândia, Singapura, Malásia,
Filipinas, Vietname, Birmânia, Camboja, Laos e Brunei) mais a China, Japão,
Coreia do Sul, Nova Zelândia e Austrália, onde vivem mais de 2 mil milhões de
pessoas. A Índia reservou a opção de aderir a este acordo posteriormente.
"Estou muito satisfeito que
depois de oito anos de negociações complexas, possamos encerrar hoje
oficialmente as negociações do RCEP", disse o primeiro-ministro do
Vietname, Nguyen Xuan Phuc, país que detém a presidência rotativa da ASEAN.
Já o primeiro-ministro chinês, Li
Keqiang, assinalou, por seu lado, que o facto de o RCEP ter sido assinado após
oito anos de negociações e com o mundo a enfrentar uma pandemia, "coloca
um raio de luz e esperança no meio das nuvens".
"Isto mostra claramente que
o multilateralismo é o caminho certo e representa a direção certa da economia
mundial e do progresso da humanidade", referiu o primeiro-ministro da
China.
Não temos nenhuma razão para
duvidar da sinceridade política destes testemunhos.
O Federalismo Burocrático, a
causa primeira da falência da UE
A dúvida e a confusão são o fruto
das estratégias políticas que, surdamente, minam os tratados europeus.
Os EUA, tal como os conhecemos, jamais
abdicarão da sua hegemonia. A queda de Trump não é o advento de uma nova idade
democrática para esta sofrida nação, que arrasta o mundo na sua queda. Já não o
foi o governo de Obama.
Na União Europeia, os países hegemónicos impuseram um Federalismo Burocrático, económico e financeiro, que, ao controlar os orçamentos dos países menos desenvolvidos, faz deles semicolónias, ainda mais dependentes em tempo de crise. Recordo que o empréstimo da Troika, em 2011_num consórcio que envolvia o FMI, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia, de 75.000 milhões de euros vinha onerado com juros no valor de 36.000 milhões de euros. Quanto lucraram estas entidades, os cartéis bancários, os Fundos abutre, que são os donos da dívida soberana do estado, da dívida das empresas, mais elevada que a dívida pública e da dívida das famílias? O resultado das privatizações que caíram em mãos estrangeiras ( e a China representa menos de 2% dessa posse) e o pagamento de juros usurários, estão a descapitalizar o país há dezenas de anos, sendo a causa primeira do empobrecimento geral e das dificuldades financeiras cíclicas do estado português e do seu tecido empresarial..
A ideia que a União Europeia, os seus bancos e fundos financeiros constitui uma fonte generosa de investimento em Portugal, esconde o lado negro das contrapartidas em privatizações e juros altos. Quem são esses credores obscuros? Quanto têm lucrado? Qual a sua influência no governo da UE? Nos seus tratados, acordos e regulamentos? É dever dos estados democráticos e da Comissão Europeia tornar transparente este problema, hoje completamente obscuro, para que possamos avaliar a dimensão e os contornos da crise económica que se vai agravar.
Dentro da União Europeia atual,
uma Europa Federal burocrática e oligárquica, proliferam os paraísos fiscais, o
dumping fiscal dos holandeses e a xenofobia dos regimes autoritários do leste,
que deitaram às urtigas a Declaração Universal dos Direitos do Homem, persistem políticas
neocoloniais face a África e á América Latina
(aqui, alinhando em regra com a doutrina Monroe, que considera esta região como
o feudo dos EUA), apoiam-se intervenções militares e ingerências políticas que correspondem
apenas aos interesses imperiais das novas e velhas potências, desenvolvem-se egoísmos
nacionais que levaram ao Brexit e deixaram
a Itália entregue à sua sorte quando
a pandemia ainda podia ser sustida naquele país…
Uma União Europeia cabeça de
ouro, peito de prata, pernas de ferro e pés de barro, caindo aos pedaços com a
pedrada do “subprime” americano e o choque da partícula ínfima do SARS Covid 19.
Mas o caminho para o Federalismo
Democrático, está fechado na Europa…Um Federalismo Democrático que permitiria a coexistência de regimes
democráticos diferenciados e preservar as identidades nacionais, com órgãos de
governo comum eleitos pelos cidadãos, e criaria condições para responder à
globalização imposta pelo capital financeiro_ os Fundos Abutre que já se
sobrepõem aos cartéis bancários e aos governos dos países ricos; um Federalismo
Democrático que é incontornável para enfrentar
a crise ambiental e as suas pandemias, e para conter
o agravamento da situação de guerra de baixa intensidade e enfrentar com sucesso o terrorismo.
Não é possível voltar atrás, à economia e á política que antecederam o recrudescer dos problemas ambientais e o elevar da vaga política que ameaça as democracias liberais e que tem nos EUA a origem dos seus ventos adversos . As
pontes de retorno estão cortadas. Avançar na união e na solidariedade
internacionais, fazendo caminho, é a saída que continua aberta, mas para onde? Um novo socialismo
com caraterísticas europeias, não está no horizonte da consciência política dos
povos europeus. O autoritarismo, é a ameaça que se agiganta e ganha base
popular.
Assim sendo, a europa das pátrias,
unidas por um acordo político global numa Federação Democrática da Europa, a
mais remota das utopias, constitui, paradoxalmente, a única alternativa que, já hoje e amanhã. pode garantir a sobrevivência das democracias liberais e afastar para longe os
tambores da guerra!
Numa Federação Democrática Europeia,
então sim, a UE poderia falar em pé de igualdade com os EUA e ganhar o seu
respeito, contribuindo deste modo para a vitória definitiva das forças
democráticas neste país, porque o multilateralismo nunca é uma oferta da potência
hegemónica, conquistam-no as nações e os povos, a duras penas; enquanto,
simultaneamente, a UE seria capaz de concorrer pacificamente e ombrear com a
China, na construção de um futuro comum para a Humanidade.
Em desespero de causa, apenas
posso escrevê-lo!
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