Duas greves recentes dividiram
raivosamente o país.
Primeiro a greve cirúrgica dos
enfermeiros. Protegida por um fundo de solidariedade, provocou o adiamento de milhares
de cirurgias no Serviço Nacional de Saúde. Os líderes da greve e os seus
críticos nunca questionaram, a partir do juízo ético, a sua legitimidade. E, no
entanto, esse era o seu mal inaceitável.
A ética dos cuidados de saúde não consente, em
nenhuma circunstância, que os seus profissionais causem sofrimento aos
pacientes. O sofrimento psicológico, físico e moral, de quem suporta o
adiamento das cirurgias, mesmo as que não comportam risco de vida imediata, não
pode ser negado e o risco de agravamento das patologias não pode ser
determinado com inteira segurança, pelo que aqui devia imperar o princípio da
precaução, um dos princípios fundamentais da Bioética. O adiamento de uma
consulta médica ou de um tratamento de enfermagem, como resultado de greves
anteriores, não representa um sofrimento moral e um fator de risco, comparáveis
ao de uma cirurgia.
E, contudo, na raiz deste mal
estão salários baixos e insuficientes, carreiras desqualificadas, que empurram
os enfermeiros do Serviço Nacional de Saúde para o duplo emprego no setor
privado, transformando a jornada de trabalho seguro de 35 horas exigida pela
Organização Mundial de Saúde e legalmente restabelecida, numa miragem. Depois,
para a emigração, com perdas incalculáveis para o país.
Assim sendo, e no plano
ético-político, o Governo da nação é ainda mais responsável que os enfermeiros,
pelo desencadear desta greve. A sua defesa, são as carências orçamentais e o
limite de déficit imposto pela Troika: União Europeia, FMI e Banco Central
Europeu. Então e partindo dos valores da
Ética, a Troika surge finalmente como a principal responsável da greve e da má
política do governo.
A raiz do mal
O quê? Um vociferar mediático e
partidário desaba sobre este ponto do meu discurso: Então e a dívida, as
gorduras do estado, o viver acima das possibilidades, a banca rota, o dinheiro
que os cidadãos europeus do Norte nos emprestaram?
Nunca deixámos de pagar os
empréstimos, nós, a nação portuguesa; governo, empresas, bancos famílias… a
juros usurários, especulativos, impostos não pelo funcionamento de um mercado
livre que não existe, mas sim pelos decisores políticos da Troika: União
Europeia, FMI e Banco Central Europeu! Antes e depois da crise financeira de
2008, que foi provocada pelos EUA e se estendeu à Europa nos anos seguintes
(bolha imobiliária, “produtos derivados” sem valor, descapitalização e falência
das seguradoras e dos bancos, com nacionalização dos seus prejuízos,
especulação das agências de rating contra as dívidas soberanas…)
Neste ponto do meu discurso, o
vociferar mediático, servido por toda a sorte de jornalistas e especialistas
encartados, torna-se ensurdecedor, cega e ameaça.
Mas leiam-me um pouco mais e
depois decidam em consciência. A minha mão, agarra agora não apenas a caneta,
mas a raiz do mal e desenterra-a, à vossa vista, invocando a nossa memória
coletiva e os dados económicos e financeiros escamoteados pela comunicação
social e pelas redes sociais.
Quando o diktat da Troixa foi
assinado, os seus representantes, os partidos do poder, o então Presidente da
República, disseram-nos: acabou o tempo do dinheiro barato, vão ter de pagar
não apenas os 78 mil milhões de euros do valor emprestado, mas ainda mais 35
milhões de juros e custos! Por muitos e longos anos. À Troika pagarão a mais 6
por cento. Aos bancos financiadores, este valor mais os seus lucros, aos
especuladores do mercado, depende do prazo, “aguentem-se” com 10 ou 12 por
cento no curto prazo e por aí adiante!
Em Portugal, no ano de ascensão
do PSD/CDS ao governo, em 2011 a dívida das empresas e da banca elevava-se a
248% do PIB, duas vezes e meia superior à dívida pública, 98,2% do PIB, na
altura em que Portugal foi obrigado a aceitar o diktat da troika, que não é
apenas de natureza económica, mas sobretudo política.
“No final de 2011, o valor da
dívida não consolidada do setor não financeiro ascendia a cerca de 715 mil
milhões de euros, correspondendo a 418% do PIB (402% em 2010).)… As empresas
registavam um nível de endividamento de 178% do PIB (177% em 2010) e os
particulares/famílias, um nível de endividamento de 103% do PIB (104% em
2010).” (Fonte: Banco de Portugal. Nota de Informação Estatística | Lisboa, 20
de fevereiro de 2012.)
Se partirmos agora do Gráfico do
Relatório Preliminar do Grupo Técnico “Conhecer a dívida, para sair da
armadilha”_IAC, que indica como 120.000 milhões o valor do passivo dos bancos
em 2011 e do valor do PIB nacional no final do ano em 171.000 milhões de euros
(Fonte: Eurostat, online data codes), determinamos uma dívida bancária que
ainda se elevava perigosamente à percentagem a 70,17% do PIB nacional, em 2011,
depois de ter atingido o seu cume de 160.000 milhões de euros exatamente no
período crítico da crise financeira gerada nos EUA em 2008.
A greve dos
motoristas de matérias perigosas
Era a segunda greve com impacto
nacional, promovida pelo SMMP, agora em conjunto com o Sindicato Independente
dos Motoristas de Mercadorias.
Que armas tinham a seu favor,
estes motoristas? Concedamos-lhes a
palavra:
“Hoje o país conhece-nos, hoje o
país sabe que o nosso ordenado base é em torno de 630 euros, e que trabalhamos
cerca de 15 horas por dia, hoje o país sabe que não podemos ficar doentes, se
tivermos o azar, vamos receber cerca de 300 euros e igualmente na nossa
reforma. Porque o restante que recebemos, são pagos por debaixo da mesa,
burlando o Estado, à Segurança Social e o trabalhador, hoje o país sabe de
todas as ilegalidades do nosso setor.”
A greve foi decidida pelo
Sindicato alegando que a associação patronal não estava afinal disposta a
cumprir o acordo anterior, que pôs fim à primeira greve; a associação patronal
justificava-se com o facto de a maioria dos empresários seus associados ter
recusado o acordo, por não o poder cumprir e isto, mesmo depois do Sindicato
ter feito novas cedências.
A greve foi então decretada por
tempo indeterminado, na convicção de que a proximidade das eleições obrigaria o
governo a intervir em favor dos motoristas. Mas esta dimensão projetada da
greve ilimitada, abalou a simpatia popular face à causa porque lutavam os
motoristas. As instâncias judiciais pronunciaram-se a favor das medidas
repressivas do governo, que agiu de forma agressiva e ameaçadora, obrigando
outros sindicatos, dos setor e fora dela, a protestarem contra o abuso de
autoridade contra o direito á greve. A opinião pública e partidária dividiu-se.
A comunicação social alinhou com
o governo e as entidades patronais, contra a greve.
À direita, o CDS aproveitou para
propor novas leis mais restritivas do direito à greve.
O PSD (de Rui Rio e dos seus
apoiantes), o BE e o PCP, apelaram à negociação e o PCP fez avançar os seus
sindicalistas integrados na Fectrans para a mesa negocial.
Da história do movimento sindical
se conclui, que uma greve por tempo indeterminado só tem sucesso numa situação
de queda eminente do regime, o que implica que se insira em gigantescas
movimentações das classes populares; de contrário, mesmo as mais justas e
longas greves, apoiadas pela maioria da nação, como foi a dos mineiros ingleses
contra a política neoliberal dos conversadores ingleses, acaba derrotada e
esmagada.
A luta dos motoristas parecia
condenada a sofrer a mesma má sorte. O governo decretou a requisição civil,
acusando os dois sindicatos aliados na greve de incumprimento dos serviços
mínimos. Um dos sindicatos vacilou.
As vozes públicas, em defesa dos
motoristas, quase desapareceram, mas os testemunhos da suas famílias nunca se
calaram. Recordemos de novo, um dos mais poderosos e inquestionáveis, que
enfrentava a propaganda hostil, então dominante na comunicação social e nas
redes sociais:
“…o meu marido… é motorista de
matérias perigosas e como deve imaginar, novo CCT, ilegalidades no pagamento de
subsídios, represálias, excesso de horas, ímanes no tacógrafo e por aí a fora,
são conversas que jantam à mesa connosco (quando claro, o meu marido chega a
casa no horário que permita jantar em família) e por isso, não posso ficar
indiferente ao que referiu ontem em televisão ( está a responder ao porta voz
da associação patronal).
… referiu que a ANTRAM propôs
seguros de saúde e exames médicos quando questionado pelas míseras baixas
médicas a que estes trabalhadores são sujeitos em caso de doença (consequência
dos descontos para segurança social e IRS incidirem apenas numa pequena parte
do seu vencimento, contra o que o
sindicato luta nesta greve)…os motoristas não querem descontar um base de 900€
pela sua saúde, pois o seguro apenas abrangeria incapacidades decorrentes de
acidentes de trabalho ou de doença relacionada com o trabalho e até se
comprovar que o motorista desenvolveu neoplasia pulmonar por inalação
prolongada de gases voláteis de combustíveis...ui ui...
Ou seja, o pobre motorista a
padecer de uma neoplasia vem para casa com uns míseros 400€ (se tanto!).
O mesmo se aplica ao motorista
que foi despedido por justa causa por extinção de posto (diz a entidade
patronal que em seguida contratou 7 motoristas) , após ter gozado o seu direito
à greve, vem para casa com um subsídio de desemprego referente a 65% da
referência base dos últimos 12 meses dos 14 meses anteriores ao despedimento,
se fizer as contas verá quanto fica para governar a casa.
Ou então, o motorista que foi pai
e que goza do seu direito à paternidade e no primeiro mês de vida do
recém-nascido e no sexto mês, tem de sobreviver com 83% dos 630€.”
Regressemos á difícil situação da
greve, no período da requisição civil e de recuo de um dos sindicatos que a
convocou:
O sindicato dos motoristas de
matérias perigosas deu então um passo à frente, orientando a sua reivindicação
para a denúncia dos pagamentos ilegais e da fuga ao fisco.
E, a seguir, deu dois passos
atrás, explorando com inteligência as negociações entre os outros sindicatos do
setor e as entidades patronais, que nunca teriam existido, senão fora a sua
luta autónoma.
Dar dois passos atrás, para não
ser esmagado e para continuar a negociar, não é falta de coragem ou de firmeza.
Em vez de ficar isolado, ganhou
nova força na mesa negocial.
Os resultados, das greves e das
negociações, assim o comprovam.
O que mudou...
Em maio de 2018, a ameaça de
paralisação do país não vinha dos sindicatos, mas partia de um grupo que surgiu
no Facebook e na imprensa com o título ameaçador de Paralisação de Portugal,
afirmando representar a união de camionistas e empresários e que se queixa de
que “pagamos impostos altíssimos, combustíveis altíssimos. Por isso, o setor
dos transportes vai exigir que seja respeitado." Anunciando para 28 de
maio uma paralisação com "hora e data marcada para começar, mas cujo fim
depende das negociações que possam existir"!
A Associação Nacional de Transportadoras
Portuguesas (ANTP) assumiu então o papel
de protagonista político, ao ser
convocada pelo governo (que temia a repetição do boicote ás refinarias de 2011)
para negociar as reivindicações do setor,
que apresenta como sendo “ As reivindicações dos camionistas e entidades
patronais representados pela ANTP passam pela regulamentação do setor, a
indexação do preço dos transportes ao dos combustíveis, melhores condições de
trabalho para os motoristas e descontos nas portagens. Além de uma secretaria
de Estado dedicada em exclusivo aos transportes.”(consultar o DN, de 28.03.2018
_ https://www.dn.pt/portugal/camionistas-param-porque-o-pais-tem-de-abrir-os-olhos-9384094.html
Na altura, o mesmo jornal DN,
resume as posições dos outros parceiros
“Fectrans
contra e Antram espera
Quem não concorda com esta
iniciativa é a Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações. Num
comunicado colocado no seu site, pode ler-se que a paralisação "não é uma
greve porque não é convocada por nenhuma organização sindical, as entidades
que, nos termos da lei portuguesa, têm legitimidade para as convocar. Trata-se
de um lock-out proibido pela Constituição da República Portuguesa".
Concordando que o preço dos combustíveis é razão para o protesto, lembra que a
"ANTP também pode dar um dar um contributo positivo se [...] retomar as
negociações de um contrato coletivo de trabalho".
E conclui o jornal: “… o presidente
da Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias
(Antram), que representa 90% do setor, disse ao DN que não participam hoje no
protesto, pois vão "tentar perceber as reivindicações".
Na sequência deste processo, em
junho de 2018, a Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de
Mercadorias (ANTRAM) e o Governo assinaram um acordo com medidas imediatas de
subida do limiar do gasóleo profissional dos 30 mil para os 35 mil litros e de
fiscalização ao sector. o Governo compromete-se ainda, ao abrigo do acordo
assinado, a avaliar o regime fiscal em sede de IVA (nomeadamente a aplicação do
IVA devido pelo adquirente), a atividade seguradora no sector e a implementação
de medidas de regulamentação nacional e ao nível europeu.
Em 2019, após duas greves, é
assinado um acordo de pacificação do setor, que conduz a um novo Contrato
Coletivo de Trabalho. Assinam o contrato a Federação dos Sindicatos de
Transportes e Comunicações (Fectrans), o Sindicato Nacional de Motoristas de
Matérias Perigosas (SNMMP), o Sindicato Independente de Motoristas de
Mercadorias (SIMM) e a Associação Nacional das Transportadoras Portuguesas
(ANTP).
O que conquistaram os motoristas?
Uma vez mais, restituamos a
palavra aos seus representantes:
“- Salário para 700€
- Cláusula 61.ª no valor de 48%
do salário+complemento+diuturnidades,
- Subsídio noturno efetivamente
pago no valor de 10% do salário base (ao contrário do que era antes, que era
descontado da cláusula 61.ª)
- Diuturnidades aumentadas
- Complemento salarial no valor
de 14€
- Para os motoristas de matérias
perigosas, subsídio de risco
- Um novo subsídio de operações
mensal.
Tudo no valor tributado de cerca
de 1.500€, pago 13x por ano.
Aumento da globalidade da
remuneração, indexado à mesma percentagem de crescimento do salário mínimo
nacional (pode chegar a um aumento de 100€ ano).
Além disto...
- Todo o trabalho (incluindo o
suplementar) será pago e tributado.
- Proibição de trabalhar com
matérias perigosas aos domingos e feriados.
- Declaração da ACT e Segurança
Social, que as pausas técnicas e os tempos de espera são efetivamente horário
de trabalho.
- As cargas e descargas (quando
tiverem que fazer) estarão protegidas por um seguro especial que cubra as
caldeiradas ou outros erros.
- Aumento dos prémios de seguro.
- Exames médicos anuais...
E o mais importante, o respeito
dos portugueses pela vossa profissão...”
Logo a seguir, foi assinado pelas
associações de empregadores, estruturas sindicais e associações representativas
do sector de transportes de mercadorias, um novo acordo que visa agilizar e
reduzir os tempos de espera nas operações de carga e descarga, uma das
reivindicações na base das greves dos motoristas.
O acordo determina que os
destinatários das mercadorias tenham de pagar indemnizações, sempre que um
motorista tenha de esperar mais de duas horas para realizar as cargas e
descargas e os valores podem variar entre 12 euros e os 40 euros por hora,
dependendo da capacidade do veículo e da duração da viagem.
O ministro das infraestruturas
referiu-se expressamente às “… empresas com grande poder económico”, que
aproveitam o seu poder para tirar vantagem sobre os fornecedores, salientando
que “o caso mais grave é o da grande distribuição”. “Se há falta de pessoal,
têm de fazer uma coisa simples, que é contratar”, afirmou o ministro.
Voltamos ao título deste artigo e
à escolha destes dois casos de luta dos trabalhadores portugueses.
Odiai-vos, uns aos
outros
Recordemos a estratégia seguida
por anteriores governos, face aos direitos democráticos dos cidadãos das forças
armadas (militarizadas e policiais), semelhante aos que já tinham sido usados,
à época, para quebrar a espinha às denominadas e vilipendiadas “corporações
profissionais”: depois de professores, juízes, médicos, enfermeiros,
funcionários públicos em geral.
Na altura, o governo deu início a uma campanha de violência
psicológica na comunicação social: começaram os debates sobre a utilidade das
forças armadas sem estado de guerra, as comparações “objetivas” entre o número
de militares e oficiais e os padrões europeus _como se não tivesse havido uma
guerra colonial de 13 anos em três frentes de combate; a ´”denúncia dos
privilégios” atribuídos aos seus sistemas de saúde e reforma; os cortes
cirúrgicos e brutais das pensões de viuvez; os cortes cegos, que atingiram
todos os trabalhadores e agentes públicos; o aproveitamento dos casos de
suspeição e má gestão do interesse do estado, como no caso da compra dos
submarinos, para os associar a supostos orçamentos de defesa acima das possibilidades…e,
sem consulta aos militares e sem que a opinião pública se apercebesse, a
elaboração de uma nova Lei de Defesa Nacional, que passou por cima do relatório
elaborado pela própria comissão de peritos que o governo nomeou para o efeito,
em oposição às suas conclusões e orientação geral, que conexionava a defesa e a
segurança nacionais com a plena restauração da soberania e com o progresso
social do país.
Evoquemos um dos porta-vozes da
AOFA_Associação dos Oficiais das Forças Armadas, «em todos os estados
civilizados» há direitos especiais para os militares. Pede-se aos militares
para defenderem a pátria, e se for preciso perderem a vida. Isto não se pede
aos funcionários públicos». É uma forma clara de explicar a diferença ao
cidadão comum, aplicável também às forças policiais, que durante anos a fio
viram os responsáveis políticos e a comunicação social esconder as condições
degradantes em que cumpriam a sua missão, e ignorar as suas reivindicações_ dos
baixos salários aos esgotantes e desumanos horários de serviço.
Ao que associo, e falo como
paisano, o imperativo ético de redefinir a missão do dispositivo de defesa (e a
sua eventual redução), com base num grande debate nacional que não exclua os
militares e garanta a dignidade da sua condição e os direitos de cidadania das
suas famílias, porque a democracia tem uma dívida de sacrifício, de sangue e de
luto, para com as gerações de militares que tiveram de fazer a guerra colonial.
Atualmente, podíamos ter
escolhido os estivadores e a campanha
que predominou nas redes sociais e na comunicação social, atribuindo-lhe
salários milionários e escondendo a sua extrema precaridade, com contratos
sucessivos de um dia (!), como se regressássemos “às praças de jorna” dos
assalariados rurais alentejanos ou ás “rogas” do Douro, camponeses que erem contratados para as grandes quintas
sem sequer saberem o salário que iam receber, já em pleno regime democrático!
Ou os professores, de quem se
dizia que subiam de escalão por antiguidade sem terem de fazer nada, quando
sempre tiveram de fazer formação contínua avaliada, e que somavam várias meses
de férias e trabalhavam 24 horas por mês e …como se não houvesse aulas a
preparar e aulas a avaliar, reuniões sobre reuniões e papel mais papel a
preencher para controle inútil dos inspetores (o Ministério não tem qualquer
instrumento para avaliar as necessidades das escolas e incorporar na sua
política a prática pedagógica dos docentes)! Hoje, um professor começa a sua
carreira com um salário mensal bruto de cerca de 1600 €, o que representa
líquidos cerca de 1100 €, um professor reformado no topo da carreira (entre o 9
e 0 10º escalão), ao fim de 40 anos recebe líquido, na reforma entre 1.700 e
1900 €! Mas a opinião pública aceitou com normalidade que o (s) governo (s)
congelasse a contagem do tempo de serviço dos professores tal como dos
militares, agentes policiais e funcionários judiciais, como exemplo das
chamadas carreiras especiais da Administração Pública. entre 2011 e 2017,
retirando-lhes nove anos, quatro meses e dois dias, e reconhecendo-lhe agora
aos docentes apenas dois anos, nove meses e 18 dias! O que equivale a sonegar
anos e rendimentos de reforma!
Ou poderíamos estar a falar dos
médicos do Serviço Nacional de Saúde que atingem o topo da carreira hospitalar,
como exemplo, os que ocupam o cargo de Diretor de Serviço num grande hospital
regional: mesmo com o estatuto de
professores da Faculdade de Medicina, levam para casa, líquidos, no fim da
carreira, entre 2.500 e 2.600 euros!? Sim, não me estou a enganar e acrescento
que a dedicação exclusiva ao Serviço Nacional de Saúde foi aberta por um
ministro do PSD e proibida por um ministro do PS, desde 1999, o que fez que
hoje apenas 1/3 destes profissionais estejam em exclusividade no SNS,
empurrando os restantes para os grupos hospitalares privados, que assim
distorcem e controlam o mercado da
saúde, pois os custos maiores do seu “negócio” são os da formação de
profissionais qualificados, que recrutam no público sem gastar um euro na sua
formação!
Ou finalmente, dos magistrados e
dos juízes em particular, que perderam cerca de 40% dos seus vencimentos
durante o período da Troika, esses sim, obrigados à dedicação exclusiva
vitalícia e com um horário de trabalho real que chega a 12 a 14 horas diárias:
Magistrados que não são quem faz as leis (lembrem-se que até 1999 as penas por
corrupção não iam além de 3 anos, pelo que a sua prescrição era manobra fácil
para os grandes escritórios de advogados, os mesmos que redigiram esses diplomas, por conta dos
partidos do chamado arco do poder). E que não têm nem meses, nem semanas de
férias, esmagados por centenas de processos per capita, com fins de semana e
férias coincidindo com o serviço de turno, nem direito a redução de trabalho
por doença ou incapacidade, nem tempo para a família ou para o convívio social,
nem podem faltar para ir a uma consulta sem autorização superior, e trabalham
sem apoio técnico para enfrentar os crimes de colarinho branco e as suas
artimanhas cibernéticas e fiscais.
Deles se diz que ganham mais que
o primeiro-ministro (E como será a comparação entre o primeiro-ministro e os
CEO das maiores empresas, clubes e bancos?)
Na revista Sábado (em
17.07.2018), respondia-se assim à pergunta: Quanto ganha um juiz?
“Um juiz em início de carreira
recebe o vencimento líquido mensal de 1.491,70 €.
Em condições normais, esse juiz,
pertencente à jurisdição comum, com 5 anos de funções e com classificação de
serviço de "Bom", conseguirá uma colocação num Tribunal de
competência especializada e passará a receber mensalmente a quantia de
2.365,04€.
Também em condições normais o
mesmo juiz, com 10 anos de antiguidade, e tendo já obtido a classificação de
serviço de "Bom Com Distinção" pode ascender a um lugar de Juízo
Central, passando então a receber o vencimento líquido de 2.861,00 €, consistindo
este valor o topo remuneratório da 1ª instância.
Esclarece-se que este topo é
atingido, na jurisdição administrativa e fiscal, não aos 10 anos, mas sim aos 5
anos de serviço, com a classificação de serviço de "Bom com
distinção".
O passo seguinte, em termos de
progressão salarial e na carreira é a promoção a Juiz Desembargador, o qual
exerce funções nos Tribunais da Relação, a que ascende, por regra (atualmente)
com cerca de 20 a 23 anos de serviço, e que recebe o valor mensal líquido de
2.888,27 €.
Finalmente, corresponde ao topo
da carreira dos Magistrados Judiciais o cargo de Juiz Conselheiro, que exerce
funções no Supremo Tribunal de Justiça e ao qual, atualmente, a maioria dos
Juízes não consegue ascender. Este cargo é remunerado com o vencimento mensal de
2.972,40 €.
…/…
Ao valor do vencimento do juiz
acresce o valor de 775,00 €, correspondente ao subsídio de compensação, igual
para todos os juízes, independentemente da antiguidade e da colocação e o único
que recebem.”
Dito de outro modo, o Público
(03,04.2019), já em 2019 caracterizava assim a situação dos juízes, partindo
agora dos valores brutos dos vencimentos aumentados:
Os únicos juízes que poderão
algum dia beneficiar do cimo da tabela são os que estão no topo da carreira,
que passarão a receber 6630 euros brutos, contra os 6130 que auferem
atualmente.
Mas retiremos já e no mínimo, 40%
a este valores, em impostos e outros descontos.
Os juízes dos cinco tribunais da
Relação e dos dois tribunais centrais administrativos virão subir o salário
bruto em 340 euros, passando de 5780 para 6120 euros.
Neste momento, os juízes
estagiários recebem 2530 euros brutos.
Um valor que, nos juízes de
primeira instância, pode chegar a 5600 euros.
Mas os valores líquidos são
substancialmente inferiores, já que alguns magistrados chegam a reter na fonte
37% do salário, além dos descontos para o sistema de pensões.
Enfim, o juiz estagiário,
receberá então de vencimento líquido, à volta de 1500 €, em dedicação exclusiva
e vitalícia (a tabela apresentada por um conhecido político, comparou este
valor ao de um professor em fim de carreira, mas esqueceu-se destes 40% de
descontos e, obviamente, da dedicação exclusiva, que é remunerada com o
referido subsídio de compensação, tal como
enunciou os vencimentos dos docentes em fim de carreira igualmente sem
ter em conta os elevados descontos)
A imprensa em geral colocou no
topo da notícia o vencimento dos juízes dos escalões superiores, deixando para
o final do texto a informação de que a maioria esmagadora dos juízes só não
ficou na mesma, graças ao aumento do subsídio de compensação, a partir do qual
passou a auferir mais 100 €!
E volto a citar, desta vez a
Agência Lusa e o rádio online da revista Observador (30.05.2019):
“O vencimento bruto do juiz
estagiário mantém-se, contudo nos 2.549,91 euros.
Os aumentos da remuneração total
para os restantes juízes de direito de primeira instância, quer tenham três,
sete,11, 15 ou 18 anos de serviço, ficam-se também pelos 100 euros, igualmente
por via do aumento naquele valor do subsídio de compensação, o mesmo
acontecendo com os juízes de círculo...”
Também no caso dos magistrados me
socorro de depoimentos diretos para que o leitor forme o seu próprio pensamento
crítico, a partir deste imenso mar cibernético onde se despejam deliberadamente números e
factos que não são,” nem fiáveis, nem pertinentes”, porque, citando
António Aleixo, “Para a mentira ser segura e atingir profundidade, tem de
trazer á mistura, qualquer coisa de verdade!”
Existem centrais de notícias que
são as principais produtoras de notícias falsas. E usam o cidadão comum, que
não as questiona segundo os critérios de fiabilidade e de pertinência, como
correia de transmissão. Vejamos os testemunhos dos jovens auditores e jovens
juízes DN, 10.03.2006):
“Posso dizer que a partir da
minha entrada no Centro de Estudos Judiciários só confraternizei na altura do
Natal e da passagem de ano. A nossa família é postergada e as saídas à noite
acabaram". Joana não se chama Joana. Pede que ocultemos o seu nome
verdadeiro e o seu rosto. Está a fazer a caminhada até à magistratura e
prefere, nesta fase, o anonimato.
Tem 28 anos, um filho de três, e
o tempo contado ao milímetro. Conseguiu passar nas concorridas provas de
aptidão para ingresso no Centro de Estudos Judiciários (CEJ), a escola que
forma magistrados judiciais e do Ministério Público, foi nomeada auditora de
justiça e está agora num tribunal do Ribatejo a receber formação prática. Para
trás ficaram seis meses de formação teórica no CEJ e pela frente tem mais 75
dias de aulas. Só depois, se for aprovada, é que passará à fase de estágio, já
como juíza de direito. Para Joana, a caminhada vai ainda a meio. Para outros, a
corrida está quase a começar.
Mais de dois mil licenciados em
direito concorreram para o curso que se inicia em Setembro. A lista (ainda
provisória) foi recentemente divulgada em Diário da República e feita uma
observação minuciosa fica-se a saber que, dos 2082 candidatos, 1527 são
mulheres, uma tendência que se verifica há já alguns anos.
Só 100 terão entrada no CEJ, porque
foi este o número de vagas libertado pelo Governo este ano. Passam os que
melhores notas tiverem nas provas de aptidão. Não é fácil.”
Pergunto-me e
pergunto-vos
Chegados aqui, recordo os 9.000
milhões de juros em euros que o estado democrático pagava anualmente aos seus
credores no tempo da Troika(continua a pagar juros leoninos, num período em que
o capital é remunerado com taxas de juro negativas) ), lembro que a dívida das
empresas é o dobro da dívida soberana do estado e interrogo-me sobre quanto pagam
anualmente os empresários e mesmo o que resta dos bancos portugueses aos
maiores bancos e outros fundos financeiros, dominados pelo capital
internacional?
E questiono-me se esses juros são conformes o
estado do mercado, justos e amigáveis, e se, afinal, todos nós, portugueses,
sobretudo as nossas famílias_ que recorrem ao crédito para satisfazer a
necessidade de bens essenciais e civilizacionais, vivemos todos acima das
nossas possibilidades, beneficiamos todos da corrupção e somos devedores de
bons salários?
Ou se, na raiz de tudo e da
própria corrupção e má gestão da coisa pública e privada, estão um punhado de
grandes bancos multinacionais, empresas e fundos abutre, que em Portugal têm os
seus parceiros menores, que nos levaram, primeiro, a riqueza nacional, depois
as joias empresariais e finalmente, os filhos e as filhas, trabalhadores
qualificados e com formação superior, que vão ajudar a construir a prosperidade
dos impérios da Europa e do mundo.
Neste final de ciclo político,
antes da nova crise financeira que se gera na União Europeia, e na enganadora
sensação de paz que o Natal traz sempre consigo, num mundo tão ameaçador e tão
sangrento, pergunto-me e pergunto-vos, se estas duas grandes lutas sindicais,
nos ajudaram a reconhecer a raiz do mal!?
Outubro de 2019. Reescrito nas
vésperas do Natal de 2019
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