26.11.23

A natureza política da guerra contra a Palestina

 

Esta definição, será correta e justa, à luz das Ciências Políticas e das  Ciências Militares?

Para entendermos a natureza política desta nova guerra, a pergunta chave parece ser a de questionar o objetivo do Hamas ao desencadear os ataques de 7 de setembro?! Mas a resposta exige que se faça primeiro outra pergunta, qual é a posição do governo israelita face à questão da Palestina, antes do ataque do Hamas, na invasão e face ao pós guerra: é o da expulsão dos palestinianos para o Egito e para a Jordânia, recorrendo à guerra económica e à guerra militar, de baixa ou alta necessidade. E assim impor o estado único e religioso judeu, que está inscrito na Constituição de Israel e a ideologia sionista prega há mais de um século. Vejamos os factos históricos mais recentes.

A falácia do “direito à defesa”. Que nação corre risco existencial?

A expansão dos colonatos, com a expulsão dos agricultores e pastores palestinianos das suas terras e aldeias, elevou o número de colonos que era de 110.000 , quando o acordo para a criação de dois estados foi reconhecido (1903, Acordos de Oslo), para mais de 700.000. No final de 2022 o governo aprovou a construção de mais colonatos que iriam separar a Cisjordânia em duas partes, criando duas Gazas.

A ruína da pequena economia palestiniana iria acentuar-se, pois o apartheid israelita inclui a construção de muros e cercas e a proibição de usar as vias de comunicação reservadas aos israelitas, afastando-os dos mercados de proximidade. As riquezas minerais, as jazidas de petróleo e gás, não podem ser exploradas pelos palestinianos e estão reservadas para as multinacionais que nas últimas décadas se instalaram em Israel, aproveitando o êxodo dos judeus do Sillicon Valey americano e da Rússia pós soviética. Multinacionais tecnológicas, da lapidação de diamantes de sangue, das indústrias de guerra…que usufruem de facilidades de exportação de lucros e capital, incentivos e impostos favoráveis, e canibalizam as start up mais promissoras. Entre outras: Microsoft, Google e Apple, IBM; Intel, Microsoft, Facebook, Appel, HP, Cisco, Marvell, EMC2, Broadcom, Amazon e Yahoo…

Ao anunciar a invasão de Gaza, com o objetivo propagandístico de salvar os reféns e destruir o Hamas, o governo de Israel procurou aproveitar a influência dos EUA sobre os governos do Egito e Jordânia para levar a cabo a limpeza étnica de Gaza, insistindo na deslocação em massa da sua população para o Sinai egípcio e para a Jordânia. Os dois governos recusaram e a invasão começou com a ameaça de tratar como terroristas os palestinianos que não fugissem para o Sul. Mais de 1,7 milhões de pessoas abandonaram as suas casas, mas os ataques tornaram-se brutais, em todo o território e não pouparam lares, hospitais e escolas.

A ofensiva israelita estendeu se à Cisjordânia, os colonos armados pelo governo continuaram a queimar lojas e explorações agrícolas dos palestinianos. E a confinar a população de Gaza num território cada vez mais reduzido, complemente privados dos bens e serviços essenciais.

A questão é, pois, de saber se o governo dos EUA cumpre na prática as posições políticas que proclama, a solução política de dois estados. E se a Comissão Europeia as apoia realmente.

Se assim for, a operação militar de Israel não passará de um novo instrumento de genocídio, sem uma saída política. E a sua vitória sangrenta, mas efêmera, arrastará consigo o governo atual e provocará uma tal destabilização política, que o modelo económico de Israel será posto em causa e o confronto interno entre as forças democráticas e a extrema-direita colonialista e fascizante assumirá um caráter existencial.

Podemos agora classificar a natureza da ofensiva do Hamas. Recorrendo ao combate militar_ não se pode escamotear o ataque bem sucedido a seis bases militares e às esquadras da polícia e guardas dos kibutzs, combinada com ações terroristas contra civis, essa incursão armada e os atos de terror, em nenhum momento pôs em causa ou ameaçou a existência de Israel.

Ao contrário, o governo de Israel acelerou a estratégia de aniquilamento da nação palestiniana. Pode massacrar, levar até ao holocausto a  limpeza étnica, mas nunca alcançará tal objetivo.

A falácia dos “escudos humanos”

Os que falam do uso dos palestinianos como escudos humanos pelo Hama,s estão completamente enganados: os mortos são as mães, os filhos e as irmãs dos combatentes, dos militantes políticos e dos simpatizantes eleitores do estado que o Hamas organizou, conquistou em eleições e monopolizou em Gaza. Um estado precário, mas, autónomo em relação aos governos de Israel, que transformaram a Cisjordânia num território colonizado e retiraram ao governo da Fatah a sua autoridade.

Que evidências temos do uso desses escudos humanos? Foram levados para as trincheiras? Os lança foguetes e drones são instalados nos terraços dos seus bairros, sobre os tetos que guardam as suas mães e avós, os seus bebés?

Essa panfernália de guerra ou um centro de comando com as suas torres e antenas de comunicação, cabem mesmo nas traseiras de uma máquina de TAC ou no esconderijo de uma cave hospitalar_ hospitais e centros de saúde abastecidos e tutelados por 170 países dadores? …essas máquinas de guerra saem dos túneis para os pátios das escolas onde estudam os seus filhos, netos e sobrinhos, todas controladas pela ONU? Expliquem, por uma vez, como fazem das suas famílias , vizinhos e amigos, escudos humanos!

Entrevistem uma dessas vítimas, que leva uma criança amortalhada num pano branco e sangrento, uma dessas mulheres que viu o seu bebé desfalecer na incubadora apagada…aproveitem esse momento de desespero para recolher a denúncia do crime hediondo de usar o seu semelhante como escudo de guerra!

Ou aproveitem o alívio e segurança dos que finalmente  puderam alcançar a proteção do Egito! O resultado?

Não  há uma palavra de censura contra o Hamas, apenas o grito de desespero e a censura da última oração perante os pátios atravancados de ruínas e cadáveres, que a Aljazereea e as TVs orientais trazem para a comunidade internacional, o ferrete dos seus agressores (e aliados) gravado para sempre na memória coletiva_ Holocausto dos palestinianos, o nome e idade das 9000 crianças e das 14000 famílias enlutadas, escrito em todas as línguas do mundo.

Acredito que não haja hoje um palestiniano em Gaza ou na Cisjordânia que não tenha simpatia pela resistência do Hamas.

Invoco o seu Deus único, para que as forças democráticas triunfem em Israel e nos EUA.

O presidente dos EUA, Joe Biden defendeu publicamente que a solução de dois Estados é mais necessária do que nunca

Falando numa conferência de imprensa conjunta no lado egípcio da fronteira de Rafah com Gaza, na sexta-feira, Sánchez, primeiro-ministro de Espanha,  disse que chegou a hora de a comunidade internacional e a União Europeia reconhecerem de uma vez por todas um Estado palestino. Ele disse que seria melhor se a UE fizesse isso em conjunto, “mas se este não for o caso… a Espanha tomará as suas próprias decisões”.

A vitória, mesmo que temporária, dos colonialistas e fascistas em Israel e o abandono, na prática , do governo americano e da Comissão Europeia, do princípio dos dois estados, conduzirá ao avanço das forças fascizantes e militaristas na Europa e nos EUA, e fará escalar os conflitos no Médio Oriente.

De joelhos, perante a arrogância e impiedade do governo de Israel.

Mulher e duas crianças portuguesas morreram num bombardeamento em Gaza 

Este crime mereceu do governo da República não mais do que um lamento público do seu ministro dos negócios estrangeiros , seguido pelo Presidente da República, e uma comunicação ao embaixador de Israel do “desgosto” do ministro.

O embaixador de Israel não pediu desculpa nem respondeu ao Presidente.

No dia seguinte ao protesto do pai sobrevivente, pela inação das autoridades nacionais, um novo bombardeamento de Rafah, que atingiu também os refugiados estrangeiros a aguardar  repatriamento. Enquanto, num outro bombardeamento, perdia os avós paternos.

Com as duas figuras maiores da nossa diplomacia de joelhos perante a arrogância e impiedade do governo de Israel, que boicotou a Webb Summit, sem uma palavra de resistência à intromissão nos assuntos nacionais, peço a suas Excelências que rezem pela remissão do pecado da omissão e cuidem do anjo ferido, assumindo junto da família, se ainda a tiver , ou tomando por Portugal a responsabilidade, a sua saúde e educação.

E pergunto-me, porque estes crimes pesaram na nossa comunicação social  e no discurso dos seus doutos comentadores, pouco mais que o tempo dessa “pena” que decai para o esquecimento.

A guerra moderna, cortou o ténue fio que separava as convenções humanitárias do terror

A guerra moderna, com o uso massivo de uma panóplia cada vez mais vasta e poderosa de mísseis e drones, bombas guiadas e munições, sob a propaganda de  “ataques cirúrgicos e de precisão” esconde o cálculo sinistro dum vasto e crescente espectro de destruição e morte, de militares e vivis.

O governo de Israel reviu em baixa o número de mortos em 7 de outubro. Duas centenas seriam afinal de Palestinianos combatentes do Hamas.

Estes dados revelam melhor as características do confronto, hoje reduzidas pela comunicação social aos massacres confirmados em dois  kibutzes.

O Hamas atacou e conquistou seis bases militares e esquadras de polícia, mas noutros kibutz  encontraram resistência ou foram mesmo repelidos. Todos os kibutzes, que resultam da colonização ilegal de Israel e da expulsão dos agricultores e pastores palestinianos das suas terras, possuem guardas armados. Nos números iniciais de baixas militares, soldados e polícias, o governo indicava mais de duzentos mortos. Agora contabiliza cerca de quatrocentos.

Com esta incerteza contabilística, o governo de Israel consegue dois objetivos de propaganda: inflacionar o número de baixas civis, que seriam afinal cerca de 800 e minimizar as perdas em combate, já duplicadas pela ofensiva, metade daquele valor se somarmos polícias e soldados, e que têm um efeito negativo na sua opinião pública. A que haverá que somar os 60 reféns israelitas vitimados pelos bombardeamentos cegos de Israel, que atingem indiscriminadamente e intencionalmente todos os refúgios, bairros, escolas da ONU e hospitais internacionais.

Há ainda outro valor duvidoso, que se manteve durante quase três semanas: apesar de duplicar o número de mortos militares, a soma de falecidos civis e militares mantinha-se fixa nos 1400. Provavelmente, ainda iremos assistir a outras revisões, já que o esquema parece passar despercebido.

Mas o significado político dos factos permanece: a capacidade militar do Hamas não é uma ameaça existencial de Israel. As estratégias políticas e militares dos governos de Israel não lhe garantem a segurança: o apartheid, o terror que ciclicamente inflige, o cerco e boicote, a proliferação de colonatos, os mitos da inexpugnável cúpula de ferro e da infalibilidade dos serviços secretos, a divisão do campo palestiniano, a cumplicidade dos governos ocidentais e o silêncio da comunicação social…não conseguem aniquilar a resistência palestiniana.

E, pior que tudo, viram-se contra a própria nação israelita: internamente, desenvolveram um processo de fascinação e internacionalmente conduzem o estado de Israel ao isolamento e à responsabilidade histórica de autores do holocausto... palestiniano!

O governo fascizante de Israel conduziu o exército à desonra. Um exército vitorioso (?) sobre uma pilha de cadáveres palestinianos, de velhos, mulheres e crianças, 16.000 mártires, dos quais 8000 anjos inocentes, a bandeira cravada na montanha fumegaste e sangrenta de hospitais, escolas e lares, é um exército sem honra!

As multinacionais entram na guerra

Multimilionários organizaram-se para promover uma campanha na comunicação social e nas redes sociais de diabolização  do Hamas e branquear a imagem do governo de Israel: o foco nos reféns israelitas, nos atos de terror do Hamas, no direito à defesa de Israel,  no uso pelo Hamas de escudos humanos…Hamas, organização terrorista, é o leitmotiv da campanha: Mas no auge dos atentados terroristas na Europa, a imprensa internacional noticiava: "O grupo xiita libanês Hezbollah e os movimentos palestinos Hamas, no poder na Faixa de Gaza, e Jihad Islâmica condenaram hoje (14) os atentados de ontem (13) à noite em Paris. Os ataques foram reivindicados pelo grupo extremista Estado Islâmico". O Hamas, que nascera como grupo violento que se destacava pelos atentados suicidas contra civis israelitas, e foi apoiado por ínvios caminhos pelos serviços secretos de Israel, com o objetivo de enfraquecer a OLP e desacreditar a causa palestiniana, em 2005 alterou a sua linha política, comprometendo-se a abandonar a prática desses atos terroristas, e admitindo mesmo a existência do estado de Israel, se confinado às fronteiras de onde partiu para novas guerras de conquista. No mesmo ano de 2015, o Tribunal Penal Europeu desautorizou a Comissão Europeia, que declarara o Hamas como organização terrorista, sentenciando que não provas com valor jurídico que o justificassem. Em 2021, o Tribunal Penal Internacional, colocava no mesmo nível de suspeição o Hamas e o estado de Israel, abrindo um duplo inquérito sobre as evidências de crimes de ambos os lados. A guerra na Ucrânia permitiu esconder a sua ineficácia. Mas e sobretudo, nunca as Nações Unidas, que é a entidade que tem poderes para o fazer, aceitou aquela classificação.  Tão pouco o insuspeito governo do Reino Unido, que distinguia o Hamas como uma entidade com três distintas organizações: o partido político, um sector de solidariedade social em todos os níveis, da saúde à educação, com largo apoio internacional e as brigadas militares, essas sim classificadas pelos britânicos como terroristas. Com exceção dos aliados mais próximos da política externa dos EUA, o resto do mundo trata o Hamas como uma das organizações nacionalistas da Palestina.

Partidos políticos entraram em ação  e acrescentam-lhe o antissemitismo, com o mesmo propósito. A França, dos partidos do arco do poder, parece  estar à cabeça desta estratégia política.

A CNN e outras estações britânicas e americanas multiplicam as reportagens e notícias sobre os ataques de 7 de outubro.

A grave situação da democracia liberal em Israel é apagada da memória recente:  um primeiro-ministro que não representa a maioria do povo de Israel e usa a guerra como tábua de salvação para o seu governo, acusado de corrupção pela justiça israelita, recebe o apoio  sem reservas da maioria dos governantes ocidentais

A Constituição de Israel permite, com a declaração de guerra, que o poder do estado se concentre nas mãos do presidente e do ministro da defesa.

Todos os anos o governo manda prender, sem mandato judicial, cerca de mil crianças, com menos de 12 anos. A detenção pode prolongar-se por meses, até ao reconhecimento do apoio de um advogado. Duzentas dessas crianças permanecem meses e mesmo anos poderem  presas, sem culpa formada, junto com milhares de mulheres, jovens e  anciãos. Na Cisjordânia, desde o início da guerra, o exército e a polícia de Israel fizeram mais 3.100 reféns, superando os 10.000 os palestinianos presos políticos do governo de Israel. Os seus próprios cidadãos estão proibidos de manifestar qualquer forma de oposição à guerra.

Em direto pela Aljazeera, a TV oficial do Catar, pudemos testemunhar a primeira consequência da liquidação do sistema hospitalar, enquanto o Hospital Pediátrico era bombardeado diretamente: recém nascidos e doentes críticos sucumbiram, quando as máquinas de suporte de vida se desligaram, por falta de energia e combustível, vimo-los, amortalhados com o lençol branco dos mártires.

Pudesse o Deus dos judeus suster o braço assassino dos seus falsos adoradores e dos que os municiam, mas Jeová já foi crucificado outra vez nas ruínas fumegastes de Gaza e 60 dos seus filhos, cativos, jazem irmanados na morte com 6000 crianças e 14.000 mil outros palestinianos, mais os que apodrecem insepultos sobre os escombros dos lares, escolas, mesquitas e hospitais,  nas valetas e estradas, em todos os quadrantes desse campo santo.(8.000)

A Indústria de guerra dos EUA fornece ao governo de Israel 80% das suas importações de armamento, a da Alemanha 20%. O presidente francês foi a Telavive, reclamar a sua quota de mercado: Não eram franceses os Mirage que massacraram os exércitos árabes e não pagou Israel a peso de oiro e diamantes ensanguentados, o urânio enriquecido e a tecnologia com que produziu secretamente o seu arsenal nuclear, aos EUA; ao Reino Unido…e de novo à França? Segundo o Instituto de Estocolmo, 90 bombas atómicas, que nenhum tratado ou agência, controlam!

A presidente da Comissão Europeia prometeu aumentar no futuro a ajuda a Gaza ( a quem a vai entregar?), mas o que hoje necessitam os palestinianos para sobreviver _ cessar-fogo, combustível, água, suprimentos médicos, comida, permanentemente…não faz parte da sua oferta e a devolução aos palestinianos da sua terra e da sua liberdade, também não.

Como classificar ainda este governo, de democrático e de democratas  e defensores da Declaração Universal dos Direitos do Homem,  os que o  abastecem de armas e munições, cobrem a sua imagem sinistra com o cinzento das falácias televisivas, e capitulam, neste prenúncio de guerra mundial, deitando ao chão até as armas de paz da diplomacia: do isolamento diplomático e a aprovação efetiva das resoluções de cessar fogo, do reconhecimento e  criação imediata de dois estados, sob a égide das Nações Unidas e do princípio da indivisibilidade da segurança, das duas nações martirizadas.


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