7.9.22

Quem joga às cartas com o diabo?

 


Os bombardeamentos da central nuclear de Zaporizhzhya

As imagens que passaram nas televisões internacionais mostram-nos os sinais de bombardeamentos que atingiram instalações da central, mas não os reatores que estão fortemente protegidos. É o que significa o eufemismo "violada a integridade da central".

Não é credível que os russos se bombardeassem a si próprios, e é certo que o governo ucraniano não controla as unidades que foram criadas pelos seus oligarcas e integradas na Guarda Nacional e no Ministério do Interior, de que o regimento Azov é apenas uma amostra, as quais, no início da invasão, representavam cerca de 1/3 da força armada ucraniana.

Não será demais lembrar que os habitantes do Donbass são maioritariamente russos de origem, de língua e cultura e foi contra eles que o regime saído do golpe de estado de 2014 promoveu a guerra civil, 2014-2021. Essa classificação aplica-se aos 11.000 trabalhadores da central.

Do que já se disse e a seguir se dirá, decorre que os bombardeamentos que continuam sobre a cidade de Energodar, onde se localiza a central, e que atingem as estruturas desta instalação nuclear, não são obviamente russos. A população da cidade é ucraniana russa e entregou à missão da O N U um abaixo-assinado com 20.000 subscritores reclamando a criação de uma zona de segurança, notícia omitida a Ocidente. Coagida? O Ministério da Defesa russo identificou os regimentos de artilharia ucranianos responsáveis e a sua localização. O governo ucraniano responde exigindo que a central regresse ao seu controle.

Estamos a viver um momento em que a irracionalidade dos líderes ucranianos e das potências que os afastam da negociação e empurram para a procura da vitória militar e da falência do estado russo, atinge o paroxismo. "Zelensky dissolveu a delegação ucraniana no Grupo de Contato" (O Fórum, internacional, que promoveu as negociações de paz com a Rússia). O decreto de quinta-feira aboliu seis decretos presidenciais de 2020-2021 sobre o trabalho da delegação ucraniana no Grupo de Contato e a composição da delegação”. KIEV, 2 de setembro. /TASS/

O compromisso de desescalada, que foi possível para exportar o grão ucraniano e os fertilizantes russos, pode aqui materializar-se na continuidade do fornecimento de energia ao lado ucraniano e, simultaneamente, ao Donbass ucraniano russo, sob a égide das Nações Unidas. A Rússia já aceitou a presença permanente dos especialistas da Agência Nuclear Internacional.

Os extremistas que ganham cada vez mais peso político junto da presidência ucraniana e que já propuseram a intervenção direta da NATO através da sua aviação militar, a expulsão do estado russo de todas as instâncias internacionais, e o fecho das fronteiras europeias aos cidadãos russos, o gasto das reservas financeiras russas congeladas nos bancos ocidentais e até à classificação (por quem?) do estado russo como terrorista, jogam agora a carta do diabo nuclear.

Algumas dessas propostas trazem assinatura, como seja a Comissão Internacional para as Sanções contra a Rússia, liderada por um embaixador dos EUA, ou a dos líderes dos partidos autoritários e chauvinistas que emergiram nos países Bálticos e na Polónia. Outras são há muito conhecidas, e têm origem na extrema-direita oligárquica e político militar, que construiu um poder paralelo na Ucrânia.

Embora os reatores estejam bem protegidos, mesmo contra os projéteis de artilharia, este jogo de cartas com o diabo, pode conduzir a um novo inferno nuclear.

 

A face escondida da guerra

“Em Donetsk, o jornalista Bruno Amaral de Carvalho foi testemunha de horas seguidas de bombardeamentos na tarde de sábado. O ataque ucraniano contra a maior cidade do Donbass fez pelo menos 7 mortos e 24 feridos. (CNN, Portugal, 19 junho)

"Eu sei o que é andar debaixo das bombas". “Em Petrovsky, os civis morrem e os hospitais estão debaixo de fogo”. (CNN, Portugal, 3 setembro)

Devemos a este jornalista e à sua estação, a abertura de uma janela para o outro lado da guerra: uma guerra total onde escolas, hospitais, cidades e aldeias…de ucranianos russos são bombardeados, vitimando gente de todas as idades e condições que ali vivem e permanecem, tal como acontecia durante a anterior fase da guerra civil, iniciada com o golpe de estado de 2014. Tal como a Amnistia Internacional já testemunhara e os generais (insultados como putinistas) explicaram, no quadro da guerra fratricida que foi imposta aos dois povos pelo confronto estratégico das potências imperialistas.

O ataque ao Donbass pelo governo pós golpe e pelos batalhões de extrema-direita, que ocuparam metade do seu território e, a guerra em curso, também provocaram uma vaga de refugiados de ucranianos russos, estimada em 3 milhões e meio.

O caminho da paz é o da negociação e da reconciliação. Tudo o resto é crime de guerra, lançada pelas oligarquias que reinam na Rússia, na Ucrânia e nos EUA e na EU.

 

Ukraine: civilian casualty update 22 August 2022

Office of the High Commissioner for Human Rights 22 August 2022

Este relatório recente das Nações Unidas regista as vítimas civis dos dois lados, incluindo os ucranianos russos.

https://www.ohchr.org/en/news/2022/08/ukraine-civilian-casualty-update-22-august-2022

O governo ucraniano confirma não os cerca de 6, mas sim de 7 mil civis mortos no seu campo. Um número trágico.

Recordo que, no período crítico da batalha por Mariupol, o mesmo governo denunciava a existência de 20.000 baixas civis só na cidade, enterradas em valas comuns, indicando os cemitérios e outros lugares, referenciados através de imagens satélite. Na altura, o jornal jornalista Bruno Carvalho, que acompanha a guerra do lado russo e ucraniano russo, levou a reportagem até esses locais, entrevistou coveiros e diretores e mostrou as centenas de sepulturas individuais ainda frescas e outras abertas, onde jazem, lado a lado, soldados ucranianos e russos, civis e militares, do regimento Azov e das milícias da república de Donetz…num total aproximado de mil almas.

Devemos a verdade da guerra a esses mortos, que podiam viver ainda, porque esta é uma guerra por procuração, os acordos de Minsk permitiam evitá-la, se cumpridos e as negociações de paz no seu reinício estabeleceram logo aí uma base de acordo e foram infamemente liquidadas.

 

A intervenção cívica do Major General Carlos Branco e os seus detratores

O livro a Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, foi publicado trinta anos depois da sua morte, em 1644, certamente depois de “trabalhado” pelo cronista-mor do reino, de modo a ser aceite pelo Santo Ofício, porque nele passa, como num espelho, a crítica aos senhores da sociedade europeia do seu tempo.

Nele, Fernão Mendes Pinto deixou escrito uma premonitória denúncia dos “murmuradores a gente praguenta”, que se oporiam à sua difusão e por isso a dirigiu aos interlocutores de espíritos altos e entendimentos largos e grandes, os que têm verdadeira curiosidade científica, avisando-os que se via coibido a não contar tudo o que desejaria.

Três séculos depois, os intelectuais da Geração de 70, ao convocarem as Conferências Democráticas (1871), conhecidas como do Casino, proclamaram:

“Não pode viver e desenvolver-se um povo, isolado das grandes preocupações intelectuais do seu tempo…” e como sua finalidade “…abrir uma tribuna, onde tenham voz as ideias e os trabalhos que caracterizam este momento do século, preocupando-nos com a transformação social, moral e política dos povos…procurar adquirir a consciência dos factos que nos rodeiam, na Europa…” Carlos Reis, As Conferências do Casino, págs. 91 e 92.

As Conferências finais foram proibidas. Entretanto, Antero, em nome dessa geração que assumiu o epíteto de “Vencidos da Viva”, escrevia:

”...Há em todos nós, por mais modernos que queiramos ser, há lá oculto, dissimulado, mas não inteiramente morto, um beato, um fanático ou um jesuíta.” Antero de Quental, Prosas Sociopolíticas, pág. 283.

O 28 de maio de 1926, e a longa ditadura fascista, que conduziu ao obscurantismo, ao atraso económico e ao isolamento internacional, à emigração em massa e à tragédia da guerra colonial, tornaram realidade a profecia de Antero, por mais 48 anos.

Nesse período, o dramaturgo e poeta Bertolt Brecht, escreveu o seu próprio epitáfio, em verso:

Epitáfio Para M.

Dos tubarões fugi eu

Os tigres matei-os eu

Devorado fui eu

Pelos percevejos.

(Bertold Brecht, in poemas. Trad.: Arnaldo Saraiva)

No caso da intervenção pública do Major General Carlos Branco, tal como dos seus dois irmãos de armas, não creio que a história, como tragédia, se repita, mas como farsa, sim. Nem acredito que tal epitáfio se lhes venha a aplicar.

Só que, aquele espectro continua a pairar sobre nós e a Europa, atravessa os oceanos e vagueia pelo mundo. É certo que a mentira tem asas e a verdade pernas. Mas o caminho faz-se a andar… 

 

Nota adicional, sobra a Agência TASS

A Agência TASS não faz parte da lista de órgãos de comunicação social que a UE censurou e proibiu. No entanto, o Facebook acompanha a publicação das suas notícias de um AVISO que visa desencorajar a sua leitura.

Faz o mesmo em relação com a publicação de notícias oriundas dos órgãos de comunicação da China, introduzindo a frase "controlados pelo estado chinês".

Assim vai a liberdade e o pluralismo da informação, proclamados a Oeste, não é verdade, Oh Julian Assange? Para quem a nossa(?) comunicação social não tem uma palavra de solidariedade, contra a sua extradição para os EUA, onde foi acusado de alta traição: por ter revelado os crimes de guerra cometidos no Afeganistão  pelas forças invasoras da NATO, sobretudo dos EUA e da Austrália.

 

ONE CHINA, President Biden!

Dou-lhes conhecimento da Manifestação em defesa do princípio ONE China, realizada a 23 de agosto junto da embaixada dos EUA em Lisboa e do teor da carta dirigida ao presidente americano, através da embaixadora.  O seu significado político está muito para além dos cerca de 300 manifestantes, da comunidade chinesa e representantes das organizações que cooperam com a China, que protestaram junto da embaixada americana e denunciaram a sua política belicista.

Exma. Sra

Embaixadora dos EUA em Portugal.

Randi Charno Levine

Excelência

A Liga dos Chineses em Portugal, associação sem fins lucrativos, reconhecida pelo Auto Comissariado da Migração, requereu, nos termos da lei, a autorização para o exercício do direito de manifestação no dia 22 de agosto, das 16 às 18 horas, junto da Embaixada do EUA, no quadro político de defesa e exigência cívica de cumprimento da Resolução das Nações Unidas nº 2758, de 1971, que reconhece a unidade da China num só país, “One China” _  Uma Única China.

O princípio de Uma Única China é o núcleo essencial dos três comunicados conjuntos China-EUA e a premissa e fundamento para o estabelecimento e desenvolvimento das relações diplomáticas entre a China e os EUA. Em 1979, os Estados Unidos assumiram um claro compromisso no Comunicado Conjunto sobre o Estabelecimento das Relações Diplomáticas China-EUA de que, “os Estados Unidos da América reconhecem que o Governo da República Popular da China é o único governo legítimo da China. Neste contexto, o povo dos EUA manterá as relações culturais, comerciais e outras relações não oficiais com o povo de Taiwan”.

Os subscritores e apoiantes desta manifestação querem exprimir livre e pacificamente o seu protesto pela visita da Srª Nancy Pelosi, na qualidade de presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, seguida pela viagem duma delegação de cinco membros do Congressos americano, à província chinesa de Taiwan, a que a diplomacia chinesa se opôs legitimamente, porque à luz daquela resolução da ONU e dos acordos estabelecidos com os EUA, representam uma violação da soberania da China.

Estas visitas provocam insegurança e conflito no estreito de Taiwan e na região, e afrontam o consenso mundial estabelecido pelas Nações Unidas de não ingerência nos assuntos internos dos países e do reconhecimento da unidade da nação chinesa, o que, no caso de Taiwan, significa respeitar o caminho soberano da República Popular da China de promover a reunificação pacífica com Taiwan através da política de “Um país, dois sistemas”, já aplicada com sucesso no regresso à mãe pátria de Hong Kong e Macau.

Excelência

Como diplomata defensora das artes, promotora da diplomacia cultural e filantropa, líder no desenvolvimento de relações com os stakeholders internacionais, reconhecerá que a Resolução das Nações Unidas “One China” e o comunicado conjunto EUA_China que a reforça, desempenharam um papel fundamental na transição democrática de Taiwan, depois de 50 anos de colonialismo japonês e mais 42 anos de uma ditadura militar apoiada pelas forças da Guerra Fria, que privaram o povo chinês de Taiwan dos seus direitos democráticos e nacionais. E, em paralelo, o seu contributo para a criação de condições de cooperação pacífica e progresso comum regional, na Ásia-Pacífico.

Mas a diplomacia dos EUA, em especial face à região chinesa de Taiwan, está de novo a apoiar essas forças separatistas, antidemocráticas e antinacionais, que temporariamente se esconderam sob o novo regime de democracia liberal, beneficiando da política belicista e da duplicidade dos últimos governos dos EUA, pois os seus atos já não correspondem às palavras e compromissos internacionais. O próprio Secretário de Estado Henry Kissinger, afirmou ao Wall Street Jornal (13 de agosto), "Estamos à beira da guerra com a Rússia e a China, face a crises que nós próprios em parte criámos, sem nenhuma perspetiva de como vão acabar ou a que devem conduzir".

A Associação de Nações do Sudeste Asiático há muito que abandonou a política da guerra fria, sob o impulso da China e os seus tratados, asseguram a liberdade e segurança de navegação e sobrevoo, a resolução pacífica dos conflitos, a cooperação científica, ambiental e económica, recentemente ampliada com o Comprehensive Economic Partnership (RCEP). Mas o governo americano promove a militarização de Taiwan, exporta tecnologia nuclear para a Austrália, encoraja o Japão a rever a sua Constituição pacifista, tenta intimidar a China com a projeção de armas ofensivas para o Mar do Sul da China e cercá-la com uma barreira de bases militares.

Em alternativa, o Presidente Xi Jinping, reforçando o princípio de que a China não busca o hegemonismo, propôs na Conferência Anual do Fórum de Boao para a Ásia,   The Global Security Initiative for Peace and the Principle of Indivisible Security, como o caminho comum para resolver os atuais conflitos e ameaças de confronto militar. O novo “princípio da segurança indivisível" está em consonância com os fundamentos da Declaração Universal dos Direitos do Homem: rejeita a política de construir a própria segurança em detrimento da segurança de outros, recusa o conceito estratégico oposto que levou à criação da NATO e do Pacto de Varsóvia, e à escalada da Guerra Fria. Este princípio está em consonância com os princípios da ONU, protege a soberania e a integridade de todos os países, defende a não interferência nos seus assuntos internos e respeita os diferentes regimes políticos e sociais escolhidos pela história dos seus povos. A política de “Um país, dois sistemas”, garante, simultaneamente, a continuidade da economia e do regime de democracia liberal de Taiwan, e a unificação pacífica de toda a nação chinesa.

A China escolhe a via pacífica para reconquistar a sua integridade nacional, mas o povo chinês enfrentará qualquer ameaça que afronte esse caminho. Por esta via lhe solicitamos e agradecemos, que seja a portadora desta mensagem, junto do governo dos EUA e da sua grande nação.

22 de agosto de 2022

Com os meus respeitosos cumprimentos

Y Ping Chow (Presidente da Liga dos Chineses em Portugal)


1 comentário:

Pedro Sales disse...

Obrigado caro Professor,
Os seus textos são bastante elucidativos e representam bem uma realidade que nos querem ocultar! Gosto das referências que faz e, em relação a Brecht, de facto estamos rodeados de percevejos; para esta praga, temos que utilizar todo o tipo de inseticidas, o que se torna uma tarefa difícil. Os líderes europeus parecem-me ser de uma cegueira atroz, e com isto estão a arrastar os cidadãos europeus para o precipício. Infelizmente, a maior parte das pessoas são completamente influenciáveis e o espirito critico não lhes assiste.
Felizmente começa a haver vozes, como a sua desde o inicio, que estão a por em causa este seguidismo imbecil que apenas favorece os mesmos grupos de sempre.
Esperemos então que comecem a surgir as soluções que, de facto, sempre existiram ainda muito antes deste conflito atingir estas proporções.
Continue com o entusiasmo que bem o caracteriza, com um forte abraço, Pedro Sales