26.7.16

A “Guerra de Baixa Intensidade” e a alienação política na Europa





A origem e natureza do terrorismo

A intervenção militar e a invasão no Afeganistão e no Iraque, na Síria e na Líbia ( e noutros conflitos menores em África), lideradas pelos EUA e pela NATO, mas que envolveram o apoio de governos conservadores e socialistas europeus como o da Inglaterra, da Espanha e da França, provocaram mais de um milhão e duzentos mil  mortos entre os povos daquelas nações e um número superior a dez milhões de refugiados de guerra, que continuam a aumentar.

Ao mesmo tempo, aqueles e outros governos europeus e os EUA apoiaram os golpes de estado dos militares que afastaram do poder, ganho em eleições democráticas, os partidos fundados pela Organização Irmandade Muçulmana na Argélia e no Egito, islamitas, mas politicamente moderados e com um passado assistencialista.

A linha da frente destes conflitos armados, envolvendo a Europa, parecia muito longe das nossas cidades, mas, num mundo globalizado pela guerra moderna, a sua retaguarda europeia começou a ser flagelada por ataques terroristas, primeiro pela Al-Qaeda, mas sobretudo pelo DAESH, depois que os governos europeus cofinanciaram e deram rédea solta à propaganda do autodenominado “Estado islâmico” e à atividade de recrutamento dentro das próprias fronteiras da Europa. Sim, cofinanciaram e armaram: O encontro dos "Amigos do povo da Síria", realizado em Abril de 2012, na Turquia, juntou representantes diplomáticos de cerca de 70 países ocidentais e árabes, onde se proclamou o Conselho Nacional Sírio _CNS como o legítimo representante da Síria. O CNS garantiu nessa altura os salários e armamento para os rebeldes que combatessem o regime do Presidente Bashar Al-Assad. Os militares desertores também seriam pagos, com milhões de dólares doados por vários países do Golfo Pérsico, sobretudo a Arábia Saudita. Ausências relevantes foram as da Rússia, China e Irão, que em Teerão realizaram uma outra Conferência internacional. A Conferência Nacionalista Árabe, reunida em Junho desse ano na Tunísia, envolvendo os partidos nacionalistas e laicos nasseristas ou “baasitas”, e outros de esquerda, defendeu a solução política não militar, tal como a Organização das Nações Unidas.

No dia 2 de Setembro de 2014, a representante da União Europeia (UE) no Iraque, Jana Hybášková, disse no Parlamento Europeu que alguns países da UE estavam a comprar petróleo ao DAESH através da Turquia. Bruxelas negou mas avançou ter provas de que esse comércio estaria nas mãos de rotas clandestinas controladas por empresários turcos, iranianos e curdos iraquianos. Os Estados Unidos, por seu lado, alegam que o petróleo segue para a Turquia, Jordânia e Arábia Saudita –também acusada, com o Qatar e os Emiratos  de financiar diretamente os sunitas radicais, na guerra e na propaganda feita a partir da criação de pseudo escolas  corânicas a ocidente. Segundo a imprensa internacional, o ‘desconto’ praticado pelo EI pode chegar aos 60% e o lucro obtido ultrapassa os 2 milhões de dólares por dia. Para além de petróleo, o DAESH drena para os mercados internacionais ópio, arte (que rouba dos campos arqueológicos que também controla e que vai destruindo), fosfatos, gás natural, cimento, trigo e cevada_ e  este agregado pesa um pouco mais que o petróleo no seu orçamento. Nos territórios ocupados saqueia ( dos bancos de Mossul terá retirado 498 milhões de dólares) e impõe impostos de guerra e, com a economia desagregada e os serviços sociais destruídos, pratica uma política de distribuição de bens e serviços básicos às populações civis, que dele dependem para a sobrevivência quotidiana. O porto turco de Ceyhan é o centro deste mercado negro. O petróleo chega do território conquistado pelo DAESH em longos e regulares comboios de camiões. Mas foi preciso o último ataque terrorista em Paris para que a aviação americana atingisse pela primeira vez esse alvo. A ofensiva aérea russa intensificou-se então, atacando em força as instalações petrolíferas, reservatórios e comboios do DAESH. O governo turco de Erdogan e a oligarquia que o apoia têm sido acusados de lucrar diretamente com este tráfico, impossível de ignorar pelas autoridades.

E quando o número de refugiados de guerra se tornou insuportável nos países vizinhos do Afeganistão e do Iraque, da Síria e da Líbia, centenas de milhar e depois milhões, começaram a marchar para as linhas de retaguarda destas guerras com os EUA e  a União Europeia, transformando o mediterrâneo num cemitério e batendo à porta de todas as fronteiras da UE. A Grécia, esmagada pela política austeritária, foi deixada sozinha e sem apoios para acolher vagas crescentes de refugiados. E foi preciso que o mar mediterrânio se enchesse de cadáveres, para que a opinião pública e a comunicação social da UE despertassem para o problema, sem tão pouco o resolver, pois os refugiados tardam em chegar aos seus países de acolhimento e os novos regimes austeritários do leste desafiam abertamente as diretrizes comunitárias.

Os governos democráticos, a imprensa democrática, a maioria dos partidos democráticos europeus, tem escamoteado as causas políticas destas guerras, que surgiram da disputa dos mercados e sobretudo do petróleo e de outras matérias-primas, pelas principais potências ocidentais, face aos regimes autoritários mas nacionalistas dos países árabes em causa e face à Rússia, mas também entre si, como o mostra a divisão da Líbia entre a França e a Itália: os ataques da força aérea e do exército turco contra os curdos que combatem o DAESH, o abate do bombardeiro russo e a aproximação do partido de Erdogan aos clérigos radicais, são sinais inequívocos da sua duplicidade política e começaram a dividir o próprio regime.

A extrema-direita esconde essas causas e focaliza a sua propaganda no acolhimento das vagas de refugiados de guerra, invocando os perigos e ameaças do terrorismo e da concorrência no emprego. E vê crescer a sua influência política, a partir das camadas sociais vitimadas pela política austeritária: operários desempregados, empresários arruinados, jovens sem emprego nem educação, pensionistas e reformados, funcionários públicos…mas também graças ao apoio financeiro, político e de acesso
à comunicação social, fornecido discreta ou abertamente por novos grupos económicos e financeiros, para quem o estado democrático e nacional constitui um obstáculo à sua estratégia de desregulação e liberalização global do mercado. A sua propaganda  contra o terrorismo e de crítica à hegemonia do capital financeiro,  sob o signo da pátria e a bandeira do nacionalismo chauvinista, proclama a defesa da economia e da independência  nacionais contra a oligarquia de Bruxelas, e exige internamente mais medidas securitárias e repressivas e a militarização do estado, o reforço internacional dos pactos militares agressivos.

Os aliados da democracia contra o terrorismo

Mas o terrorismo que invoca o islão não penetrou no Irão ou na Palestina. Pelo contrário, a OLP e o HAMAS, e mesmo o Hezbollah, têm condenado os atentados terroristas do DAESH, que, do ponto de vista militar se inscrevem numa estratégia de guerra de baixa intensidade, no quadro de uma guerra total, que não poupa civis, nem respeita as convenções internacionais, por parte de todos os beligerantes.

Aquelas invasões, os bombardeamentos indiscriminados de cidades e das suas infraestruturas, a utilização violenta dos drones, a morte e o expatriamento de milhões de homens, mulheres e crianças, os golpes militares contra os resultados de eleições democráticas, politizaram e radicalizaram novos setores da população árabe e africana. Mas foi na ação dos povos e as comunidades árabes, iranianas ou curdas, que continuam a ser as maiores vítimas do terror e alvos privilegiados do DAESH e da AL-Qaeda, que residiu a grande força de resistência ao fundamentalismo islâmico e de combate ao terrorismo, e assim deverá ser também na Europa, onde as comunidades árabes, turcas, curdas, africanas, possuem dentro de si as forças políticas capazes de denunciar, conter e erradicar o terrorismo. Quer o compreendam ou não os líderes políticos europeus, que continuam sem assumir a responsabilidade pelo arrastar dos seus países para um conflito global, de Bush a Blair e Asnar, passando por Barroso, conflito que neste cenário de confronto armado com o fundamentalismo islâmico, toma a forma militar de guerra de baixa intensidade. Mas que já evoluiu para a guerra aberta nas fronteiras da Ucrânia, como o fora nos Balcãs, na guerra civil do Kosovo e no bombardeamento da Jugoslávia. Aqui, na Europa, que afinal não assegurou a paz, depois da II Guerra Mundial, apenas mudou os teatros da guerra.

“Os eunucos devoram-se a si mesmo!”

A ascensão do capital financeiro na Europa e no Mundo, o seu domínio sobre os partidos tradicionais, levou ao poder uma nova classe de governantes, proveniente dos antigos partidos liberais, conservadores, democratas-cristãos, socialistas e social-democratas, que abandonaram os programas e ideais originais, substituindo-os por uma cartilha neoliberal, que garantiu a desregulação do mercado, sobretudo do mercado financeiro e a proteção da falência dos bancos insolventes, em nome do risco sistémico, a proliferação no mercado global dos denominados “produtos derivados”, como as hipotecas sobre a habitação (subprime) e a recuperação das perdas especulativas subsequentes, através das rendas das parcerias público-privadas e dos juros das dívidas soberanas, que foram e são inflacionados.

A União Europeia evoluiu para uma confederação de estados em que a própria Comissão Europeia e o Banco Central Europeu tornaram legal e prática corrente, garantir o pagamento da dívida soberana dos países através do controle político dos governos endividados e do seu principal instrumento de autonomia política e nacional, o orçamento.

O Pacto Orçamental institucionalizou assim a divisão da União Europeia entre duas categorias de países: os que ganharam hegemonia pela força do seu capital financeiro, e a ela pertencem não apenas a Alemanha, mas também a França, a Holanda, a Inglaterra e até o Luxemburgo, e os países sujeitos a um regime semicolonial, como a Irlanda, a Grécia, Portugal, Chipre e, em certos momentos, até a Itália do outrora poderoso Berlusconi. Regime semicolonial pois ainda se conservam as Forças Armadas e Policiais nacionais e a soberania do sistema judicial, mas mesmo este, posto em causa pelas regras ditadas pelos novos colonizadores do capital financeiro, que nem sequer necessitam de desperdiçar uma única bala para impor o seu diktat: descritos na comunicação social como os amigos-salvadores da bancarrota, esquecida que dos 70.000 milhões emprestados pela Troika, todo este valor tem vindo a ser devolvido mais os juros superiores a 35.000 milhões, aterraram em Lisboa arrogantemente, recebidos como aliados por um governo PSD-CDS que mudou de natureza política, um governo colaboracionista que tomou sempre partido contra a Constituição quando os interesses da oligarquia de Bruxelas se opunham aos direitos nacionais.

Foi este novo quadro europeu, de um federalismo centralistas e burocrático, que nunca tentou a via do Federalismo Democrático, construído com base na igualdade das nações, que emergiu dos tratados desiguais de Maastricht e de Lisboa. Os cidadãos europeus, ainda hoje, desconhecem os seus termos e nunca os votaram, mas foi esta deriva austeritária e hegemónica que permitiu a ascensão a presidente da Comissão Europeia de um antigo primeiro-ministro do Luxemburgo comprovadamente responsável pela fuga ao fisco de milhares de milhões de euros sonegados pelas empresas multinacionais e financeiras; que consente o dumping fiscal organizado na Holanda e na Irlanda; numa Europa onde proliferam paraísos fiscais que lavam o dinheiro do tráfico de armas, drogas e seres humanos, como em plena City Londrina; que autoriza e reforça a autoridade de entidades sem estatuto legal como o Eurogrupo e as Troikas, enquanto reduz o poder do Parlamento Europeu, o único órgão eleito; que tolera a ascensão de governos austeritários, com componentes neofascistas, na Hungria e na Polónia; que intervém politica e militarmente na Ucrânia e na Líbia determinando quem deve ter o poder e controlar as suas riquezas…

E explica a amoralidade do recrutamento pelo credor FMI do antigo ministro das finanças do governo português; da ex-ministra das finanças pela multinacional anglo-americana que negoceia títulos detidos por sociedades financeiras, como créditos bancários ou divida pública; do ex-presidente da Comissão Europeia (aprovada pelo atual Presidente da República)  pelo banco responsável pelo desencadear da crise financeira mundial e a viciação das contas públicas dos antigos governos gregos… E tem como consequência o desrespeito generalizado dos programas de acolhimento dos refugiados ou a sanha persecutória contra a política democrática, de centro-esquerda, dos governos de Tsípras e de Costa.  

O comportamento político destes líderes partidários em Portugal deve ser entendido como o resultado da destruição, pela concorrência europeia e global, da elite portuguesa financeira e de grande parte dos seus ativos empresariais. Restam alguns grupos de menor dimensão, já sem autonomia financeira e muito dependentes do capital estrangeiro, que tendem a aceitar como inevitável e condição da sua própria sobrevivência, as imposições comunitárias de carater semicolonial. Numa situação económica em que 99,8% das empresas portuguesas são micro, pequenas e médias empresas, descapitalizadas, é natural que a maioria dos seus empresários e sócios, administradores e gestores, continue a seguir as propostas políticas desta elite, mesmo depois de decapitada. Arrastando consigo trabalhadores do setor privado que temem perder o emprego, reformados e pensionistas empobrecidos…Assim sendo, o número de votos à direita e de abstenções não pode constituir uma surpresa política. A saída de 420.000 novos emigrantes, dos quais mais de 60% com formação superior, explica também como se tornou difícil renovar as lideranças sociais e políticas no nosso país.

A esta luz, num quadro de guerra de baixa intensidade na Europa, vítima de novos atentados terroristas e a cargo com a vaga de refugiados que a sua intervenção militar em países distantes também provocou; numa conjuntura de desagregação da União Europeia com a saída da Inglaterra; de ascenso da extrema-direita e de evolução totalitária da candidata Turquia, que os líderes das potências europeias nunca quiseram verdadeiramente integrar, com receio de perder poder… a conduta dos Comissários Europeus que esgotam a sua ação política na ameaça de sanções contra Portugal e a Espanha, por causa do deficit dos seus anteriores governos de direita, que já não governam, parece irracional. Mas revela que o poder real não está nas suas mãos, porque reside no capital financeiro e a sua lógica é afinal a de meros farsantes políticos, que tentam manter a situação insuportável da UE: uma União Europeia dominada por uma maioria de partidos conservadores, com outros partidos social-democratas e socialistas a reboque. Para essa elite serventuária do capital sem pátria e das suas próprias carreiras individuais, o inimigo está na democracia, seja ela exercida pelo voto dos povos do Reino Unido, da Grécia, de Portugal ou até na defesa dos direitos nacionais pelos representantes da oligarquia de Espanha, que, mesmo no momento crítico da sua crise financeira, rejeitaram a Troika; sim, a Espanha, deve pagar agora por não ter tido um governo colaboracionista de direita, a não ser que Rajoy renegue Rajoy e entre a governar minoritariamente contra os interesses de todas as nações e povos de Espanha! E a Grécia? E Portugal?  É preciso que se afundem na pobreza e no caos económico e social, “o inferno” que Passos Coelho anuncia e deseja, para que toda a esperança de uma sociedade mais justa e de uma europa democrática e pacífica morra e seja punida; e ele e os seus correligionários prevaleçam no poder por mais 50 anos, até ao esbulho final da riqueza da nação, em privatizações tomadas pelo capital internacional, parcerias público-privadas, ajudas à banca ( a partir de então, privada e estrangeira)  e juros leoninos da divida pública.

Nesta perigosa situação, a permanência e reforço do governo de centro-esquerda constitui uma barreira eficaz contra a catástrofe nacional, pela democracia na União Europeia e a conquista da paz e da segurança internacionais.

 

25 de Julho de 2016




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