12.12.15

Presidenciais: o imperativo moral


Dir-se-á que o debate sobre a moral política das candidaturas é assunto que não interessa aos mais de nove milhões de leitores e, sobretudo, aos quatro milhões de abstencionistas. Mas discordo. E sublinho o conceito,” moral política da candidatura” e não julgamento do carater do candidato. Acho mesmo que, para todos os meus concidadãos, suscitar este debate é absolutamente decisivo.

O ponto fraco
Marcelo Rebelo de Sousa é candidato à presidência da República desde há longos meses ou mesmo anos. E, no entanto, aproveitou até ao fim a propaganda semanal da sua imagem projetada na televisão. Esta circunstância colocou em desvantagem todos os outros candidatos, que terão apenas algumas horas de visibilidade no mais importante e decisivo órgão de comunicação social.
É por essa razão que o candidato Marcelo Rebelo de Sousa pode prescindir de cartazes, folhetos e tarjetas, filmes e spots publicitários, jantares e comícios previamente organizados. Os outros, não podem dar-se a esse luxo, porque não partem da luz da ribalta.
Este candidato será apoiado pelas direções atuais do PSD e do CDS. Segundo afirma Portas, porque o CDS quer compensar o domínio socialista sobre os outros órgãos do poder, afirmação que omite o fato de Sampaio da Nóvoa ser o único independente, não filiado. Mas o PSD deixou bem claro que escolhe aquele seu militante porque está convicto que ele será um defensor dos chamados compromissos europeus, isto é, da política austeritária que ainda prevalece numa União Europeia dominada pelos partidos conservadores.
Defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição ou subvertê-la?
Ao Presidente da República cumpre, nos termos do juramento que presta no seu ato de posse, "defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa".
Nos termos da Constituição, o Presidente da República é o Chefe do Estado. Ele "representa a República Portuguesa", "garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas" e é o Comandante Supremo das Forças Armadas.
O princípio constitucional de garantir a independência nacional comete ao Presidente da República o dever de avaliar e submeter os compromissos internacionais a esse imperativo e não o contrário, como pretendem os dois partidos de direita. Nesta matéria, Maria de Belém não se distingue de Marcelo e Sampaio da Nóvoa ainda não tomou uma posição concreta.
A “unidade do estado”, em sentido territorial, não constitui hoje um problema da nação portuguesa. Mas “defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa", sim. Já que o processo de integração europeia implicou aceitar limitações de soberania_ como a moeda única, e o acordo com a Troika, seguido pelo Tratado Orçamental, colonizou o estado democrático, pondo em causa essa independência e empobrecendo todas as classes que constituem a nação portuguesa. Ao mesmo tempo que o governo da PAF legislava repetidamente em conflito com o Tribunal Constitucional.
Tal significa que, uma eventual vitória de Marcelo, mesmo que não implique a tentativa de dissolver a atual maioria de esquerda no parlamento ou forçar a demissão prematura do governo de centro-esquerda e , sublinho, de centro-esquerda e não de esquerda, nunca cumprirá consequentemente o imperativo de defender a independência nacional e, em consequência, de coexionar a nação portuguesa em torno dos direitos democráticos e sociais inscritos na Constituição.
Neste ponto, deverá ficar claro que Marcelo Rebelo de Sousa se posiciona não à direita mas ao centro e, neste contexto, podemos perceber agora como a derrota da política austeritária é mais profunda em Portugal do que as legislativas prenunciavam. A direita, representada pelas direções atuais do PSD e CDS, não tem um candidato que esteja alinhado com a sua política austeritária. Colocar o acento crítico na “duplicidade” de Marcelo, é não perceber a questão política essencial.
Mas as esquerdas não têm a confiança de mais de quatro milhões de abstencionistas e a maioria dos dois milhões de eleitores da PAF ainda não perceberam e sentiram que o programa do governo de António Costa lhes vai trazer benefícios.
No que concerne às forças armadas, e ao seu estatuto e funções constitucionais, que Marcelo e  Maria de Belém  têm omitido, parece haver uma certa expetativa positiva da parte quer das suas hierarquias, quer das suas associações profissionais, na eleição de Sampaio da Nóvoa, traduzida na sua presença e participação nalgumas ações de campanha.
No entanto, também esta candidatura não se pronunciou publicamente sobre o imperativo de rever a Lei de Defesa e Segurança Nacional em vigor, imposta pelo governo PSD/CDS à revelia do projeto apresentado pela comissão que ele próprio escolheu; provavelmente, porque evidenciava os problemas do impacto da política austeritária na independência e na coesão nacionais.
E nenhuma das candidaturas prestou a devida atenção aos gravíssimos problemas porque passam os membros das forças policiais.
Quem se candidata pelas vítimas do austeritarismo?
Regresso à questão dos quatro milhões de abstencionistas. Neles se encontram as maiores vítimas das medidas mais odiosas da política austeritária, que a Troika e a direita provocaram, mas a esquerda tão pouco colocou no centro da sua ação política:
O número de processos executivos ordenados pelas Finanças tem vindo a aumentar desde 2011, passando de 927 mil neste ano para 2,07 milhões do ano em 2013 e 2,5 milhões em 2014. Por comparação, em 2005 apenas foram emitidas 59 mil ordens. Envolvendo salários, contas bancárias, residências familiares, empresas e os seus equipamentos, cônjuges e fiadores, reversões, penhoras e vendas em hasta pública, coimas brutais e expropriações em massa. Mas o Fisco só consegue arrecadar 15,9% das dívidas que avançaram para a fase de cobrança coerciva. Porque os bancos são credores prioritários e recebem o que as finanças cobraram e porque a ruina das PME e dos seus sócios é muitas vezes total. Em consequência, 122.000 famílias  foram espoliadas das suas casas. Falhanço e impiedade social, eis o perfil amoral do governo anterior.
Paira sobre a campanha presidencial a indiferença dos candidatos Marcelo e Maria de Belém perante estes problemas, que a propaganda da direita considera pertencerem ao domínio do governo e classifica como demagogia política: nem uma palavra de compaixão ou promessa de ação política, no exercício dos poderes formais e informais que a Constituição reconhece ao futuro presidente!
Ao contrário, estas questões, a pobreza, tal como o Serviço Nacional de Saúde e a valorização da Escola Pública, têm constituído temas centrais das conferências e debates promovidos pela candidatura de Sampaio da Nóvoa; mas sem que o seu discurso assuma a dimensão concreta do compromisso de intervenção política constitucional, quaisquer que sejam os governos do seu mandato presidencial.

Se assim continuar a campanha, o futuro presidente será referendado e não eleito, e, mesmo sem a força moral do voto da maioria dos eleitores portugueses, terá a força política suficiente para que o risco de golpe presidencial se agigante no horizonte da crise austeritária, que é de toda a Europa e virá.

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