14.7.15

O fim da Primavera grega ou a sua sobrevivência?


 

O Syriza perdeu uma batalha tática, mas não sofreu uma derrota estratégica.
Onde errou o governo grego? Ao não perceber antecipadamente que existia na União Europeia uma direita política extremista, liderada politicamente por Wolfgang Schäuble, ministro das finanças alemão, cujo objetivo na atual crise era de fato destruir politicamente o governo do Syriza, se necessário correndo o risco máximo de destabilização com a expulsão da Grécia da zona euro.

O movimento político democrático, nacional e socialista que o Syriza congrega venceu as duas primeiras campanhas de cerco e aniquilamento: a primeira, e já ninguém se lembra, foi a ingerência na pugna eleitoral que antecedeu as eleições legislativas gregas há seis meses, com os partidos conservadores e também social-democratas europeus ameaçando fazer da sua eventual vitória uma tragédia; a segunda, iniciou-se logo a seguir à constituição do governo de Alexis Tsipiras, com a retenção pelo BCE dos recursos financeiros anteriormente concedidos à Grécia para pagar as prestações das suas dívidas e prosseguiu com o fornecimento de créditos insuficientes à sua banca privada, durante o processo negocial que culminou no referendo e no inesperado “não” a um novo acordo recessivo. O povo grego agigantou-se e fez-se protagonista da história, o Syriza viu crescer a base de apoio social à sua política, em condições terríveis e heroicas. A terceira campanha de cerco e aniquilamento está em curso, com o acordo de 13 de Julho e o seu desfecho é imprevisível.

Perante a barragem de contrainformação que enche os noticiários, chamo humildemente a atenção para a menor das mistificações que passou a ser discutida como uma verdade: que a proposta apresentada pelo Syriza, após a vitória do “não”, era pior do que aquela que o governo grego e o seu povo rejeitaram com o referendo. Leiam-se e comparem-se os seus termos e entender-se-á que era diferente e constituía uma tentativa de compromisso que cedia ao aceitar algumas medidas recessivas, mas tentava criar as condições para atacar o essencial: a reestruturação da dívida, reduzindo os seus juros usurários e a sua parcela odiosa (a parte que é resultado da especulação financeira).
Vejamos como, citando MM:

“A proposta de Juncker previa uma extensão de cinco meses do programa existente, com uma avaliação a cada mês; a proposta do governo grego prevê um novo programa de três anos, com fixação das condições para esses três anos e não a costumeira mudança de regras a meio do jogo. A proposta de Juncker propunha 8 mil milhões de Euros de austeridade para cinco meses; a proposta do governo grego propõe 13 mil milhões para três anos…há uma transformação ao nível das maturidades da dívida detida pelo BCE, transformando dívida de curto prazo em dívida de longo prazo e com juros mais baixos…
…A proposta de Juncker inseria-se no quadro da troika; a proposta do governo grego transfere tudo para o Mecanismo Europeu de Estabilidade …o FMI fica de fora, a Grécia volta aos mercados, o BCE volta a poder comprar títulos de dívida…
…há ainda um pacote de investimentos de 35 mil milhões de euros de “dinheiro velho”, o dinheiro dos fundos estruturais que os governos anteriores não executaram, e o acesso ao novo plano europeu de investimentos, do qual a Grécia estava excluída."
E vamos às questões político-sociais e fiscais, seguindo sempre MM:
“A proposta de Juncker mantinha o já decretado fim da negociação coletiva; a proposta do governo grego voltava a introduzir a negociação coletiva, inclui a abolição do lay-off e remove a cláusula contratual que dá vantagem aos empregadores.
A proposta do Syriza suspendia a condição do “défice zero”,( o que representa a redução das despesas sociais do estado)
…previa um aumento de impostos e o fim dos privilégios fiscais para os famosos armadores gregos, inclui um imposto sobre bens de luxo e o aumento do IRC.
…O aumento do IVA nos sectores em que provoca mais injustiça social ficaria ainda sujeito a uma cláusula de revisão no final de 2016, podendo voltar aos valores inicialmente propostos pelo governo grego se a receita resultante do combate à evasão fiscal cobrir a receita obtida por estes aumentos..
…a proposta do governo grego previa um corte no IVA aplicado aos medicamentos, aos livros e aos bilhetes de teatro, baixando-o para 6%..."
Vejamos agora que mais o governo grego se forçara a aceitar:
“…a proposta do governo grego aceitava as privatizações dos aeroportos (esta não total) e dos portos e a transferência dos 10% que restam das telecomunicações das mãos do Estado grego para o Estado alemão.
…o aumento de impostos em sectores como a eletricidade ou a restauração.”Mas que poderia vir a ser revertido em 2016 se tivesse sucesso o “…pacote de reformas no combate à fraude e à evasão fiscal” e deixava em aberto “…a possibilidade de não privatizar o IPP (electricidade)…
…o complemento solidário de pensões seria eliminado nos 20% de pensões mais elevadas…
… e a abolição do IVA reduzido nas ilhas até 2020 (sendo que até 2020 ficariam sempre de fora as ilhas mais pobres, que são a esmagadora maioria)."

Mas porquê falar em sobrevivência, isto é, na possibilidade de uma vitória estratégica? Pelas seguintes razões:
Pela primeira vez numa escala de centenas de milhões se revelou aos cidadãos comunitários o carater político atual da nossa União Europeia, agora antidemocrática e semicolonial. E passo à demonstração, não sem antes citar, para os que acham radical esta classificação política, um extrato do plano Schäuble para a Grécia:

“a) transferência de bens valiosos da Grécia no valor de 50 mil milhões de euros para um fundo, como o Instituto para o Crescimento no Luxemburgo, para serem privatizados ao longo do tempo e reduzirem a dívida; b) reforço das capacidades e despolitização da administração grega, sob os auspícios da Comissão, para a implementação adequada do programa;”

Como e de que modo a União Europeia se transformou e se vai transformando num regime político de semi-federalismo antidemocrático e semicolonial?

A utilização dos governos europeus como cobradores e casa de penhores do sistema financeiro é um facto histórico relativamente novo nesta dimensão europeia, que nega e manipula o funcionamento livre do mercado e destrói a democracia liberal.

A constituição da Troika, associando a CE, o BCE e o FMI não tem base legal em nenhum tratado europeu. O mesmo se passa com o Eurogrupo, também ele sem fundamento em nenhum acordo comunitário ou legitimidade política democrática.

A institucionalização ilegal do Eurogrupo esvaziou a Comissão Europeia do seu poder e anula o papel do Parlamento Europeu.

A constituição da Troika institucionalizou um novo instrumento de poder na UE que funde os interesses do sistema financeiro com a governação política e económica, passando uma fronteira política que nenhum dos PEQs anteriores se atrevera a transpor.

Quando a Troika, primeiro e depois o Eurogrupo, assumem o poder de impor programas de austeridade aos governos nacionais como condição dos empréstimos financeiros e para garantir o pagamento dos seus juros elevados. Quando, através do Pacto Orçamental, retiram ao governos nacionais a sua soberania sobre o orçamento do estado e sobre a ação governativa, generalizando a política austeritária, que se resume, sob o eufemismo da reforma, à privatização das empresas nacionais e à destruição do estado social, sujeitam a Grécia, a Irlanda, Chipre e Portugal a um novo diktat semicolonial.

Mas o Eurogrupo, com a presença do FMI, entidade estranha ao quadro legal comunitário, ao arrogar-se no poder de expulsar da Zona Euro um dos seus membros, novamente sem nenhuma base legal, quebrou finalmente a heurística do medo e do carreirismo que irmanou conservadores, social-democratas e socialistas contra a democracia grega e lhes tem assegurado uma carreira balanceada entre a burocracia comunitária e os privilégios dos altos empregos privados.

Os socialistas franceses e italianos, que ainda não demonstraram possuir programas alternativos à austeridade, enfrentaram finalmente os planos mais brutais da oligarquia financeira, com uma proposta de compromisso.

Anote-se aqui que a subalternização de Angela Merkel, na hora das decisões, parece revelar que a chanceler tem de fato menos poder que o seu ministro das finanças, sendo este o principal representante do capital financeiro alemão. Já que ao “socialista” e vice-chanceler Sigmar Gabriel, parece restar apenas o papel de “colaboracionista”.
Neste contexto, agudizam-se as contradições entre aos países do norte e do sul, mas, ao mesmo tempo, criam-se condições para aproximar as nações submetidas a essa política e para a união das diferentes classes nacionais em torno de um programa democrático e patriótico.

O Siryza foi humilhado e vai ser massacrado por um poder imenso e invencível que o velho mundo jamais presenciara? Sem o sacrifício dos 300 espartanos, 700 téspios, 400 tebanos… em Termópilas, as cidades gregas, não se teriam unido contra a barbárie do império invasor.

Os que querem humilhar o governo grego e desagregar o Siryza, e intimidar os eleitores espanhóis e portugueses, talvez ainda o venham a reconhecer como um dos primeiros reformadores democráticos de uma Europa oligárquica, que agora caminha para a crise geral nacional dos seus países mais dependentes e arrasta o nosso continente para a guerra, sim, para o enfrentamento militar, que é sempre o resultado final do confronto económico e político entre as oligarquias rivais, que não têm pátria.














































































1 comentário:

acmc52 disse...

Para quando um sinal de reformas, mesmo só, de racionalização de pessoal?
Para quando uma medida de retirar por via dos impostos somas astronómicas aos ricos (armadores & Cia)?

Chuva no nabal e sol na eira, só os deuses, mesmo gregos...