16.7.15

Crónica da dívida grega e do sofrimento do seu povo.A galinha dos ovos de ouro!



O sistema financeiro internacional quase faliu em 2007 e 2008. A bolha especulativa em torno dos créditos imobiliários e da venda de obscuros “produtos derivados”, que nela tinham origem, vinda dos EUA, afetou toda a banca europeia.

Os grandes bancos e fundos financeiros internacionais, que controlam as agências de rating, funcionam em cartel e usam em seu proveito os paraísos fiscais, apoiados pelos governos conservadores e social-democratas, que desregularam a sua atividade, viram no crescimento e depois na especulação sobre a dívida pública, uma oportunidade de negócio para a sua rápida recapitalização. A Grécia seria a primeira vítima.

1. A direita austeritária diz que o povo grego vive à custa dos empréstimos do resto da Europa sem assumir o peso da austeridade

O pacote inicial de austeridade, ainda antes da Troika, chegou com a assinatura de um memorando de entendimento com o FMI e o BCE, para a concessão de um empréstimo de 80 milhões de euros, com juros estimados superiores a 5%.

O funcionamento normal do mercado financeiro, com as duas partes negociando juros e prazos, começou a ser subvertido já nesta altura com a ingerência política na governação soberana da Grécia. O pacote de Fevereiro de 2010 incluía o congelamento de salários de todos os funcionários públicos, o corte de 10% nos bónus em horas extraordinárias e noutras regalias. O segundo pacote, de março de 2010, já sob a ameaça de bancarrota, foi aprovado pelo parlamento grego sob a capa da Lei de Proteção da Economia. Novas medidas de austeridade somaram-se às anteriores: cortes de 30% em subsídios de Natal e de Páscoa e fim dos bónus, corte de 7% nos salários dos trabalhadores da função pública e do setor privado, aumento generalizado das taxas do IVA e outros impostos . Em abril de 2010, depois de perceber que o segundo pacote de austeridade não conseguiu melhorar a situação económica do país, o governo grego socialista viu-se compelido a pedir apoio à UE e ao FMI.

Pouco depois a Comissão Europeia, o FMI e o BCE criaram a primeira Troika, impondo um programa exterior de governação em troca dos empréstimos. A Grécia ficaria submetida a um regime semicolonial, de ora em diante e para o representar o vocabulário político adquiriu um novo conceito, “austeritário”. O sistema financeiro criava dentro da própria União Europeia um poder acima dos estados e dos tratados, para assegurar o retorno do capital com juros elevados, as privatizações em massa e a redução das funções sociais do estado. A violação grosseira dos 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e os ideais de democracia e progresso solidário que proclamaram a União Europeia atirados às urtigas!
Em Maio de 2010, o primeiro-ministro socialista Geórgios Papandreos anunciou o primeiro programa austeritário da Troika: O projeto foi recebido com uma greve geral e protestos em massa, com três pessoas mortas nas manifestações violentas, dezenas de feridos e 107 presos. Os confrontos violentos, as mortes e a escalada de suicídios só seriam contidos com a viragem política de 2015.
As medidas incluíam: Um corte de 8% sobre os subsídios do setor público (além dos dois pacotes de austeridade anteriores) e um corte de pagamento de 3% para os trabalhadores do setor público. Retirada do bónus na função pública e redução do 13º e 14º mês a 500 € e a sua abolição para aqueles que ganhavam mais de €3.000 por mês. Redução do 13º e 14º mês dos pensionistas para €800 e a sua abolição para os que recebiam mais de €2.500 por mês. Aumento dos impostos sobre a propriedade.. Liberalização dos despedimentos e do lay-off. Novos aumentos do IVA em bens essenciais e serviços básicos. A idade média de reforma para trabalhadores do setor público foi aumentada de 61 para 65 anos. O número de empresas públicas seria reduzido de 6000 para 2000, através da sua privatização e encerramento. O número de municípios deveria diminuir de 1000 para 400. O orçamento do estado deveria ser reduzido em mais 6.000 milhões de euros, sacrificando o emprego público, os salários e reformas e o estado social.
O empréstimo envolvido atingiu os 100.000 milhões de euros e a sua taxa de juro subia a 5%. 
Mas a degradação económica continuou e, em 12 de Setembro de 2011, os juros da dívida grega a 12 meses ultrapassaram o valor inconcebível de 100%, face aos rumores acerca da falência de Atenas. Na prática, tal significava que, se a Grécia se estivesse a financiar-se no mercado, para conseguir dinheiro emprestado com prazo de um ano teria de pagar não só o que pediu como um valor igual só em juros. O poder da especulação financeira atingia uma dimensão nunca vista.

2. O perdão parcial da dívida teve contrapartidas financeiras e políticas pesadas

O denominado “segundo programa de ajuda externa”, assinado em Fevereiro de 2012, elevou a dívida pública grega a 360 mil milhões de euros e beneficiou sobretudo a banca e os fundos privados internacionais, ditando o afastamento do poder dos socialistas e o regresso ao poder da Nova Democracia conservadora, que já antes, na década de 90, arruinara o estado grego.
Este acordo incluía um empréstimo suplementar de 130 mil milhões de euros mas também um perdão de dívida detida por investidores privados (53,5% do valor nominal) e a restituição dos lucros que o Banco Central Europeu viesse a obter com a compra de obrigações soberanas da Grécia. Os detentores de obrigações gregas aceitaram perdoar 53,5% do valor nominal da dívida, mas com contrapartidas, a troca destes títulos por novas obrigações, que iriam pagar uma taxa de cupão de 2% nos primeiros dois anos e de 4% nos anos seguintes. A sangria dos juros não foi estancada, apenas reduziu parcialmente o seu fluxo mortal. O perdão tinha um preço e pagava-se com novos juros.

3. Como os juros altos e o sistema da moeda única empobreceram a Grécia e arruinaram a sua economia

Os 130 mil milhões de euros do empréstimo ( a pagar até 2014) foram destinados à troca de títulos de dívida com os investidores privados, como contrapartida do perdão que estes aceitaram efetuar. E 23 mil milhões de euros canalizados para recapitalizar a banca grega. A Troika anunciava então que, “para garantir que o fracasso do primeiro resgate não se repete”, iria "reforçar" a sua presença na Grécia!

O estado democrático grego e a sua economia receberam uma parcela insignificante que não chegava para garantir sequer a gestão corrente  e financiar as suas funções sociais, quanto mais para investir na economia. Ao contrário, as condições políticas de novo impostas, sob a capa de reformas, implicaram novos despedimentos na função pública, a redução dos gastos do orçamento de estado nos serviços básicos de saúde, educação, justiça… Dois anos depois, 300.000 cidadãos tinham deixado de poder pagar a conta da luz. E centenas de milhar viram-se expropriados das suas casas e bens pessoais, tal como dezenas de milhar de pequenas e médias empresas. 

Só os bancos gregos venderam perto de 30 mil milhões de euros em novos títulos em Dezembro de 2012, no âmbito de um programa de recompra acordado com os credores internacionais para reduzir a dívida em cerca de 20 mil milhões de euros, apesar de continuarem a ser os titulares de grande parte da dívida a curto prazo: 15 mil milhões de euros em obrigações do Tesouro, cujo pagamento foi prolongado em leilões realizados mensalmente. Estimava-se então que os quatro maiores bancos gregos detinham 2 mil milhões de euros em novos títulos emitidos recentemente e entre 4 a 5 mil milhões de euros em novos títulos cuja emissão teve lugar depois do ‘swap’ da dívida em 2012.

4. Os mercados financeiros fecharam-se para a Grécia 4 meses antes da vitória do Syriza

Após eleições sucessivas em maio e junho de 2012, a Nova Democracia de direita, substituiu o desprestigiado e vencido PASOK, obrigado pela Troika a convocar eleições antecipadas,
Segundo os credores, o acordo alcançado iria permitir à Grécia reduzir o peso da dívida na economia de 160% em 2012 para 120,5%, em 2020. Em Novembro de 2012, os ministros das finanças da zona euro concordaram mesmo em aliviar novamente a dívida grega a partir do momento em que o governo de direita atingisse um excedente orçamental antes de juros (o que viria a acontecer em 2013 e 2014), à custa da redução brutal do emprego e do estado social.
Depois da intervenção do BCE no mercado da dívida, tudo parecia finalmente caminhar para a pretendida estabilidade, assente no enorme sofrimento do povo grego, que já contabilizava um milhão e meio de pobres. No Verão de 2014, o governo grego conservador conseguiu financiar-se a três anos pagando juros no valor de 3,5%. Mas logo a seguir os juros voltaram a subir e chegaram a 13,5% nesta maturidade.
A dívida grega detida por investidores privados fora entretanto substituída em grande parte por dívida pública do sector oficial e o regresso de Atenas aos mercados acabou por ser muito curto_ terminou em Outubro de 2014, deitando por terra novas emissões e, portanto, desmentindo a direita, muito antes do início da governação ao Syriza, 
Na véspera das eleições que deram a vitória a esta coligação em janeiro de 2015, os investidores do sector privado detinham menos de 15% do excesso da dívida grega, entre os quais o Capital Group, titular de dívida reestruturada, empresas de gestão de fundos como o Carmignac Gestion, que participou na venda de dívida nova, e outros investidores que tinham em carteira títulos internacionais. 
O sector oficial – Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (EFSP), Banco Central Europeu (BCE) e Fundo Monetário Internacional (FMI) – detinha então cerca de três quartos da dívida pública grega, isto é, cerca de 270 mil milhões num total de 317 mil milhões de euros, segundo dados do FMI. 
Desses 270 mil milhões de euros, 142 mil milhões de euros eram provenientes do EFSF. A dívida sob a forma de empréstimos bilaterais e a dívida detida pelo Fundo Europeu de Estabilização Financeira (EFSF) tinha entretanto eliminado os juros e prolongando o prazo das maturidades.
E 54 mil milhões de euros eram devidos ao BCE e outros bancos centrais, estes valores também isentos de juros, porque a zona euro decidiu entregar o que seriam os novos ganhos obtidos com os títulos de dívida grega ao governo de Atenas. 
Ao FMI eram devidos 24 mil milhões. 

5. A “ajuda europeia” ou quanto ganharam os credores, incluindo os seus governos

Reportando-nos aos acordos com a Troika de 2011, o FMI praticava uma taxa de referência de 3,33 % nos seus empréstimos ordinários.
Mas os Irlandeses, arruinados pela falência dos três principais bancos e já sob a tutela da Troika, tiveram de aceitar uma taxa de 5,7% e pagar 1,28 milhões de euros em juros ao FMI em juros em troca do empréstimo e reembolso de 22,5 mil milhões de euros, a parcela que coube ao FMI, sendo que 580,5 milhões assumiram a forma de lucros captados diretamente por esta instituição.
No que respeita à Grécia, os juros pagos pelo empréstimo de 30 mil milhões do FMI, num total de 110 mil milhões do pacote de ajuda, ascenderam a 1,56 mil milhões de euros. A taxa de juro efetiva de 5,2% era também bastante superior à taxa de juro de base de 3,33%, o que iria permitir ao FMI arrecadar, a título de juros, 561 milhões de euros. 
Em três anos, o FMI lucrava cerca de 1.140 milhões com o plano de resgate dos dois países.
Ao mesmo tempo, a Troika impôs a Portugal, uma taxa de juros superior a 5%, e assim a nação foi condenada a pagar um total de 113 mil milhões de euros pelo novo empréstimo, que se junta à dívida acumulada anteriormente pelos governos do PSD-CDS-PS. Ao envelope de 78 mil milhões de euros emprestados seriam somados quase 35 mil milhões em juros e comissões (34 mil milhões em juros e 655 milhões em comissões), cobrados pelo BCE e o FMI, a título de “ajuda”. Só depois da intervenção do BCE no mercado da dívida, os juros de Portugal, que eram escandalosamente usurários, foram renegociados de novo para valores acima do mercado, na ordem dos 3,5%, onde se mantêm, com o BCE a emprestar aos bancos privados sob garantia dos títulos de dívida soberana, a juros de 0,25% e enquanto os países ricos se financiam no mercado a taxas zero.
Mas há outros empréstimos ativos. O Estado português gastou 6.924 milhões de euros na remuneração da dívida pública portuguesa, na síntese de execução orçamental de 2013. Os juros pagos à Troika (BCE, Comissão Europeia e FMI) aumentaram substancialmente no ano de 2013. O seu montante foi de 1.704 milhões de euros, um aumento de 57,8% face aos valores de 2012 (1.080 milhões de euros). 
Esta trajetória vai-se acentuar, mesmo com as operações de transferência da dívida ao FMI para novos bancos credores, com redução dos juros.
Em 2016 terão de ser devolvidos 8,5 mil milhões naquela que será a segunda maior prestação do programa. Em 2021, surgirá a maior fatia de todas: 12,3 mil milhões. Em 2026, Portugal ainda estará a pagar a fatura. Nesse ano estão previstos mais 2 mil milhões de euros, afirmava o IGCP. Fica por saber quanto e até quando é que Portugal vai pagar os restantes 60% do pacote de 78 mil milhões.
É a nossa vez de perguntar aos líderes do PSD e do CDS, somados os juros às prestações, e aos valores dos empréstimos anteriores, onde vão buscar tanto dinheiro?
O perigo da bancarrota nacional transferiu-se para o futuro próximo do país
Regressemos à Grécia: Os “empréstimos bilaterais de 2012”, nas quais se inclui o do governo português, no valor de 1,2 mil milhões de euros, baseados na taxa Euribor atingiram mais de 4,6% de juros. Assim os Estados membros receberam 2,6 milhões em pagamentos de juros em Março de 2012. A melhoria posterior das condições destes empréstimos representou uma confirmação implícita de que as taxas iniciais eram usurárias.
O lucro estimado do BCE com a Grécia ( entre 2012 e 2014) teria sido de 15 mil milhões de euros: Só assim, quando o segredo do negócio escapa, ficámos a conhecer quanto costuma ganhar o BCE com os empréstimos e, por extensão, segundo a fraseologia liberal, “os contribuintes dos países credores”! Mas não, meus senhores, esses contribuintes não perdem nem recebem nada, os recursos financeiros do BCE, entregues proporcionalmente pelos países da UE, circulam como “a pescadinha de rabo na boca”, entre a banca privada e os seus cofres fortes e, quando passam pelos governos submetidos ao seu diktat, a mão direita saca o que a esquerda aparentou dar! Para que os bancos privados, refinanciados com o nosso dinheiro a 0,25% de juros, possam emprestar às empresas e às famílias a juros que podem ir dos 16 aos 26%.
Mas a economia grega tinha sofrido uma recessão de mais de 25% do seu PIB e, sem a criação de riqueza, com 30% de desempregados, centenas de milhar de emigrantes e entre eles dezenas de milhares de quadros e especialistas, um milhão de reformados com as famílias dos seus filhos a cargo e as pensões reduzidos a menos de metade, fuga continuada de capitais, privilégios fiscais intactos para os ricos armadores e para os grandes proprietários da Igreja ortodoxa, um pesado orçamento de defesa, o estado democrático grego tinha perdido os seus recursos mínimos. 
No momento das eleições de janeiro de 2015, cerca de metade dos empréstimos concedidos pela zona euro e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) a Atenas desde o primeiro resgate, em 2010, tinham sido usados para pagar o serviço da dívida. Isto é, para garantir, antes de tudo, que a banca privada e os fundos financeiros internacionais recebessem não apenas o valor dos seus empréstimos mas taxas de lucro obscenas que, como vimos, se elevaram desde os dois dígitos aos inimagináveis 100%!
Essa política matou a galinha dos ovos de ouro!

6. Como e para quê foram encerrados os bancos gregos?

O Syriza defendia então que pelo menos um terço da dívida total da Grécia deveria ser anulada e afirmava que pretendia honrar a dívida detida pelos investidores privados.
Os encargos com essa dívida (juros principalmente) deveriam atingiriam os 4,3% do PIB grego nesse ano.
Mas o novo executivo grego, liderado por Alexis Tsipras desde fevereiro – altura em que foi prolongado o segundo programa de resgate, até junho – viu-se privado da última tranche do programa de assistência, 7,2 mil milhões de euros, indispensáveis para pagar aos credores e manter a liquidez dos bancos gregos, e reiniciou o processo negocial debaixo desta chantagem: sem o acordo do governo do Syriza quanto ao prosseguimento da política de austeridade, o dinheiro continuaria retido.
Os juros da dívida grega subiram a 16 de Abril de 2015 para 26,988%, o nível mais elevado desde Março de 2012, altura em que a dívida foi reestruturada na sequência do segundo acordo com a Troika. Na dívida a prazo de cinco anos, as yields ( o rendimento cotado da dívida) gregas elevaram o seu preço base para 18,5%.
O terreno financeiro estava preparado para liquidar à nascença o projeto de renascimento da nação grega e de refundação democrática da União Europeia. Essa tarefa foi reservada para o Eurogrupo. Falhada a intimidação dos eleitores gregos que derrotaram os partidos da Troika e elegeram o governo do Syriza, começava a segunda campanha de cerco e aniquilamento do projeto democrático, nacional, socialista e europeu, do Syriza, temporariamente derrotada com a vitória do OXI (não) no referendo.




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