17.6.15

Por quem dobram os sinos gregos?




O ministro das finanças grego Yanis Varoufakis negociou com o FMI e o Eurogrupo o pagamento da dívida grega através de um acordo para a sua reestruturação, que permitisse construir na Grécia os quatro pilares do Plano de Reconstrução Nacional, o essencial do programa eleitoral do Syriza, referendado pelo voto popular: 1. Enfrentar a crise humanitária. 2. Recuperar a economia e promover a justiça fiscal. 3. Recuperar o emprego 4. Transformar o sistema político para aprofundar a democracia.

“Este programa de emergência social, parte da proibição do confisco das casas de família pelos bancos e pelas Finanças, da restituição aos reformados com rendimentos inferiores a 700 € do seu subsídio de Natal, do restabelecimento do fornecimento de energia elétrica a 300.000 famílias que caíram na pobreza e da criação de um programa partilhado para fornecer aos mais pobres as refeições básicas…mas também assume a proteção das pequenas e médias empresas da expropriação e leilão dos seus bens pelos bancos e pelo fisco…

No centro desta política, a renegociação para baixar as taxas de juro da dívida soberana, medida que por si só permitiria financiar a maior parte do programa. Recorde-se, partindo do caso português, que só no período de 2000 a 2010, isto é, mesmo antes da crise financeira desencadeada pelo crash das hipotecas bancárias que se estendiam dos EUA à Europa, o nosso país pagou de juros da sua dívida soberana um valor superior a 53.000 milhões de euros, mais do dobro do que vai receber do novo quadro comunitário de apoio.”

Houve em Portugal um ministro das finanças, do atual governo, que negociou com o FMI integrado na Troika a aplicação a Portugal de um programa de austeridade em tudo semelhante ao da Grécia.

Pergunto-me: Porque se tornou Yanis Varoufakis um homem odiado e insultado pelos funcionários do FMI e pelos seus homens de mão?

E porque foi recrutado o ex-ministro português das finanças para funcionário do FMI, com um ordenado mensal limpo de mais de 22.000 euros? 

Os nossos cofres do estado estão tão “cheios” como estavam os do BES, quando tal nos foi garantido pelo primeiro-ministro e pelo presidente da república.

Acabamos de pagar ao FMI uma parte da dívida contraindo ao mesmo tempo um novo empréstimo aos bancos internacionais. Ganhámos com taxas de juros mais baixas ? Ganharam ainda mais os bancos ( e quanto ganhou o FMI em juros?), cujo rendimento dos capitais depositados é negativo e assim acumulam superiores mais-valias.

Mas a crise acabou, dizem o atual presidente e o seu governo, ou pelo menos, começou o ciclo de crescimento!?

Devemos levar muito a sério o aviso da empresa chinesa de rating, que prevê a emergência de uma nova crise financeira de ainda maiores proporções do que a de 2008, como resultado da política de”…expansão monetária e do recurso à impressora” por parte dos principais bancos centrais. (leia-se, Reserva Federal dos EUA, Banco do Japão, Banco de Inglaterra…) 

O presidente da Dagong, Guan Jianzhong, afirmou ainda… 

“Os EUA, a Europa e o Japão estão a aumentar o consumo através do crescimento do crédito, o que representa um risco exacerbado pelo facto de “estes países terem excedido o potencial para a produção de bens, criando uma bolha“…"A crise atual na Rússia é causada por sanções dos países ocidentais mais do que por fatores internos. Se olharmos para os EUA e os países da UE, as suas crises foram provocadas por fatores internos e não externos," afirmou o Presidente da Agência de rating chinesa Dagong. "Diferentemente do que se passa na Rússia, a dimensão do crédito nestes países excedeu o potencial para a produção de bens e criou uma bolha. Esta crise foi transmitida para todo o mundo através da política de facilitação do acesso ao crédito e da emissão de mais papel-moeda. Todos os países tiveram que pagar por isso. "(04.02.2015)

As declarações do presidente da Dagong surgiram em paralelo com um relatório da consultora McKinsey, que calculou que o endividamento total a nível global aumentou em 57 biliões de dólares desde 2007, de 142 biliões para 199 biliões de dólares. Em simultâneo, a dívida global em proporção do Produto Interno Global (PIB) anual subiu de 269% para 286%.

Um estudo anterior da MacKinsey (2012) abre-nos outra perspetiva para conhecer o fenómeno da dívida global ( a dívida soberana, mais a dívida da banca, empresas e famílias): ele evidencia, desmentindo a propaganda neoliberal, que a generalidade dos países e não apenas os do sul da Europa, sofre de um problema crónico de dívida, na sua relação com o valor do PIB_ atingindo famílias, empresas, bancos e dívida soberana, que sobe a níveis assustadores na Irlanda (663%), no Japão (512%) e no Reino Unido (503%), e a que não escapa nenhuma das mais poderosas economias ocidentais, incluindo a Alemanha, cuja dívida global era aqui anotada como de 278% do PIB! Portanto, superior à da Grécia, que se ficava pelos 267% do PIB. Neste rácio da dívida global, Portugal atingia então 356% do PIB e a Espanha 363%. A França 346%, a Itália 314%. A Correia do Sul, 314%, os EUA 279%...

Tendo como referência 2010, podemos constatar que nas 10 maiores economias o rácio da dívida era de 348% do PIB. Outros países, os chamados BRIC, as novas potências económicas emergentes, apresentavam os seguintes rácios: China, 184%, Brasil, 148%, Índia 122% e Rússia 72%!

Apliquemos a esta realidade o discurso político conservador e liberal, o discurso político da austeridade, que justifica os acordos impostos pela Troika: Então, todos estes países, os seus povos e nações, incluindo a Alemanha, viveram e vivem acima das suas possibilidades, gastaram mais do que podiam e deviam, sobre todos os seus governos paira o espetro da bancarrota, até sobre a China, que salvou a economia ocidental da recessão profunda e o único exemplo virtuoso era, não os EUA, mas sim...a Rússia!?

Chegámos ao absurdo político e económico!? Mas aproxima-nos da realidade: É uma irracionalidade económica que a comunidade de todos os países e nações do mundo, na sua globalidade, deva mais do que o valor total dos seus PIBs!

O presidente da CMVM_ Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, Carlos Tavares, alertou pouco depois, em 21 de Abril de 2015, em audiência parlamentar, que o sistema financeiro pode estar à beira de uma nova crise internacional. Carlos Tavares foi ao Parlamento defender que as soluções aplicadas à crise de 2008 criaram as condições para uma “tempestade perfeita”, responsabilizando eufemisticamente “alguns dos remédios adotados” para enfrentar a crise anterior e o recomeço do ciclo infernal que se inicia com a política de expansão monetária, baixa de juros e excesso de liquidez e conduz ao crescimento da dívida global e a nova crise de sobreprodução e ao colapso do sistema financeiro.

O chinês Guan Jianzhong e o português Carlos Tavares descodificaram no seu discurso a mesma realidade: só falta começar a subida dos juros para que um novo ciclo de crise financeira varra o mundo ocidental, as suas economias e países. 

O ultimato do FMI e do Eurogrupo sobre a Grécia já elevou os juros da dívida soberana ao seu nível mais alto e pode ser o detonador dum novo ciclo de alta!

E o FMI? Entre 1980 e 2005 levou a cabo em 17 países desenvolvidos, incluindo Portugal, uma política agressiva de redução dos défices públicos, proclamando depois e num dos seus documentos de 2011, que quando essa redução foi feita com base na redução das despesas do estado (leia-se, sobretudo despesas sociais), a recessão foi curta ou inexistente, mas quando essa redução foi conseguida à custa do aumento dos impostos, a recessão foi profunda e prolongada. Analisemos mais de perto esta suposta realidade, adiantando o veredito da história para a atualidade: Em 2014, a entidade auditora do FMI, depois de a primeira crítica à condução da austeridade ter surgido de dentro do FMI, ao mais alto nível, já em outubro de 2012, com a publicação do "World Economic Outlook" (WEO), pôs em causa a validade dessa política e reconheceu a sua ineficácia para ultrapassar a recessão e promover o crescimento económico.

Mas não “temos os cofres cheios”, de modo que “não seremos apanhados descalços”? 

O investimento estrangeiro tem sido sobretudo a tomada de ativos e, não a criação de novos projetos empresariais, de mais postos de trabalho, antes conduzindo a medidas ditas de racionalização que se materializam em despedimentos, precaridade e redução de direitos sociais. A banca privada portuguesa, tal como no conto popular da panela de barro e da panela de ferro, lançou-se no mítico rio da internacionalização e acabou feita em cacos, que os nossos concidadãos pagam hoje ao peso dos seus impostos. Riscos semelhantes correm os grupos neo monopolistas reconstituídos após a vaga de privatizações: veja-se a perda brutal das ações da PT, arrastadas pelos investimentos ruinosos no grupo BES.

Segundo dados do Banco de Portugal, o fluxo líquido de investimento direto do exterior em Portugal (passivo) vem caindo desde 2012, atingindo um montante de 6,6 mil milhões de euros em 2013 (-62,7% face a 2012). Até setembro de 2014, o passivo de ID de Portugal foi de 3,6 mil milhões de euros (-26,4% em termos homólogos de 2013)

No que respeita ao fluxo de investimento direto de Portugal com o exterior (ativo), comparado com o afluxo de investimento estrangeiro a Portugal em 2013 e 2014, os seus valores equivalem-se praticamente; os totais registados no período janeiro/setembro de 2014 foram, respetivamente de 3.442 M € (Ativo) e 3.562 M € (Passivo), o que indicia claramente que a riqueza entra e sai praticamente na totalidade, fato a que não é estranha a compra dos ativos nacionais pelo capital internacional.

A União Europeia foi a principal origem do stock de ID do exterior em Portugal, com quotas de 90,6% em dezembro de 2013 e 85,5% em setembro de 2014, destacando-se, ao nível intracomunitário, Espanha e Países Baixos, com pesos de 24,7% e 24,0% do total em setembro de 2014. De entre os países extracomunitários (9,4% e 14,5% do total, respetivamente, em dezembro de 2013 e setembro de 2014), salientam-se Brasil e EUA, com quotas de 4,9% e 1,9%, em setembro deste ano. Angola ficou pelos 1,8% e China por uns 1,6%, desmentindo a ideia propagandeada que são os capitais vindos deste países que estão a tornar-se os donos do país.

Parece que esta propaganda distorcida, que os grupos económicos que controlam a comunicação social vinculam reiteradamente e um respeitável gestor bancário proclamou, traduzem afinal uma outra realidade do mercado: os investidores daqueles países vão ao concurso das privatizações oferecendo o dobro do que os nossos gestores “patriotas” e os seus patrões espanhóis ou alemães (veja-se o caso da disputa dos 23% das ações da EDP que pertenciam ao estado, em que os investidores da Alemanha ofereceram metade do valor da proposta chinesa).

Outro dado que faz pensar é o que revela que o investimento alemão se situa nos 4,2 %, o que não parece coadunar-se bem com o discurso dos seus líderes políticos que elogiam a evolução da economia portuguesa sob o jugo da Troika, enfatizando no seu discurso a confiança recuperada pelos mercado e a sua nova competitividade. Já o peso dos investimentos holandeses e na Holanda, devem traduzir afinal o esquema dos negócios das empresas holding do Grupo Jerónimo Martins, que negociaram com o fisco deste país a sua transferência para aqueles países a troco da baixa de impostos para os seus negócios internacionais.

Enfim, o sofisma de propaganda neoliberal que faz de Portugal e da Grécia casos únicos de crises financeiras cíclicas (escamoteando a Irlanda, onde a falência dos bancos privados é a causa inquestionável da crise), causadas pelo estado social e pela governação socialista, só é credível na opinião pública porque carecemos de informação financeira que nos é negada, sobretudo pelos órgãos de comunicação, como atrás se procurou demonstrar. 

O mesmo vale para o mito do estado (social) despesista, cujos gastos seriam particularmente excessivos em Portugal. Ora, na Europa em geral e tomando a França como exemplo, o contributo da despesa pública para o PIB, a média ronda os 40 a 50 % e naquele país é de 60%. E, nos Estados Unidos, essa percentagem subiu de 34% do PIB em 2000 para 42% em 2012!

O perigo da bancarrota nacional transferiu-se para o futuro próximo do país, também porque a própria dívida continuou a crescer e aproxima-se dos 130% do PIB, e vêm aí os anos em que não basta pagar juros e é forçoso pagar igualmente amortizações. Segundo as previsões oficiais do IGCP (Instituto de Gestão do Crédito Público), o primeiro abatimento ao valor do empréstimo, cerca de 650 milhões de euros, acontece pela primeira vez neste ano de 2015.

Em 2013 o Estado português gastou 6.924 milhões de euros na remuneração da dívida pública portuguesa, o que representa um decréscimo de 1,4% face a 2012, anunciou a Direção Geral do Orçamento (DGO), na síntese de execução orçamental. Em sentido inverso os juros pagos à Ttroika (BCE, Comissão Europeia e FMI) aumentaram substancialmente no ano de 2013. O montante foi de 1.704 , milhões de euros, um aumento de 57,8% face aos valores de 2012 (1.080 milhões de euros), tirados à saúde, educação e aos rendimentos do trabalho serviram só para pagar juros.

Os juros altos são a fonte da exploração das nações e dos seus fabulosos lucros. A troika o seu instrumento de dominação política, que transforma os governos que assinam os acordos em governos colaboracionistas (como o foi o governo de Vichy na França ocupada pelo nazismo) e, mesmo, numa espécie de governo de funcionários coloniais. 

A renegociação da dívida global, a dívida soberana e a dívida privada nas suas componentes da banca nacional, empresa e famílias, é pois inevitável e uma causa comum da nação portuguesa.

Se os sinos dobrarem pelo governo grego, “eles dobram por nós!”

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