9.1.11

Discurso sobre o Medo

…O Presidente, este Governo e os partidos do chamado arco do poder, subverteram o princípio organizador da democracia, a subordinação do poder económico ao poder político e transformaram-se, eles próprios, na clientela política dos maiores empresários e financeiros…

“…

Ah o medo vai ter tudo

tudo

(Penso no que o medo vai ter

e tenho medo

que é justamente

o que o medo quer)

…”


Há no mundo uma classe de homens que dominou o medo do futuro. São os detentores do capital financeiro. Há neles grandes investidores e uma multidão de pequenos aforradores. A amoralidade dos primeiros impôs-se à ética dos segundos. Nas assembleias-gerais a moral de cada um, católica, calvinista, evangélica, laica, fica à porta. Há bancos poderosos, mas ainda mais formidáveis sociedades financeiras anónimas. A especulação das segundas, fascina, associa nos negócios obscuros e arrasta, os primeiros, para o abismo.

Existem também os banqueiros, que gerem os seus depósitos, capitais e acções.

Eis pois os bancos modernos, que são os órgãos vitais impulsionadores da economia: o capital circula nas suas veias e artérias, financiando obras, projectos, fábricas, a administração pública. Esta engrenagem funciona “a sangue”, isto é, alimenta-se do esforço do trabalho social.

Mas nos últimos anos surgiu uma nova classe de homens temerários.

São os fundadores e investidores das sociedades financeiras sem rosto, alojadas nos paraísos fiscais, sem controle do Estado e do direito.

O sistema bancário está ligado ao modo de produção social, à indústria, ao comércio e aos serviços. A sua amoralidade não significa que não preste um serviço social.

Já a teia das sociedades financeiras vive da especulação, captura e manipula o preço do trigo, do petróleo, da soja ou os títulos de dívida ( o seu rosto indefinível cobre-se então com a máscara do “mercado financeiro”), com o único propósito de alargar a sua margem de lucro, explora, à escala do mundo, as quebras na oferta dos bens essenciais ou a escassez de recursos financeiros.

Todo o sistema, não apenas os bancos, se alimenta dos excedentes gerados pelo trabalho social, mas estes especuladores e os seus colaboradores, materializam o sonho irracional dos vampiros.

Até à generalização das sociedades financeiras, alojadas no coração dos estados de direito e das suas democracias _ na inglesa Gibraltar, na Suíça e no Liechtenstein, em Andorra e no Mónaco francês, na americana Libéria, na Madeira, em Hong Kong, o outro lado dos dois sistemas, e não apenas nas longínquas Ilhas Caimão, os bancos controlavam o sistema financeiro.

Depois, sujeitos à concorrência desleal das sociedades financeiras sem sede física, quadros de pessoal, nem leis, nem estado, os bancos, não rejeitaram receber e fazer circular esta riqueza incontrolável e de seguir os seus métodos para obter maiores ganhos financeiros, quer readquirindo as próprias acções, assim inflacionadas, introduzindo no mercado carteiras de produtos duvidosos, ou comprando barato e vendendo caro as dívidas públicas dos (seus próprios) países mais frágeis. Colocaram-se assim, no centro dos conflitos políticos da globalização e dividiram profundamente a sociedade democrática.

“Something is rotten in the state of Denmark". Hamlet, I Acto

Há uma classe de homens temerários até à insanidade. Nada mais lhes interessa senão o sucesso dos seus negócios, económicos e políticos, mesmo que tal custe o desemprego, a saúde, a morte precoce de milhões dos seus semelhantes, ou a degradação da paz e do ambiente até à extinção da vida. O episódio de distribuição antecipada dos dividendos da PT, da Jerónimo Martins, do BES, da Sonae e de outras empresas, insere-se nesta lógica política e da gestão empresarial despojada de qualquer princípio de ética social. Assim sendo, rasga profundamente o tecido social e abre em Portugal uma era de risco absoluto para a coesão e a solidariedade nacionais.

Invocando o medo da saída de capitais, para consentir e dar cobertura legal a esta monstruosa fuga aos impostos, o Presidente, este Governo e os partidos do chamado arco do poder, subverteram o princípio organizador da democracia, a subordinação do poder económico ao poder político e transformaram-se, eles próprios, na clientela política dos maiores empresários e financeiros. Tudo o resto, são manobras de diversão.

“…

O medo vai ter tudo

quase tudo

e cada um por seu caminho

havemos todos de chegar

quase todos

a ratos.”

“Poema pouco original do medo, de Alexandre O’Neill”

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