9.12.10

Da vida e morte de José Saramago

José Saramago nasceu a 16 de Novembro e escreveu os seus poemas possíveis muitos anos antes da sua escrita conhecer a notoriedade mundial e não sei se alguma vez leu o texto que Hubert Reeves, astrónomo franco-canadiano, dedicou à natureza humana, reconhecendo no aforismo que nos reduzia ao pó, que somos…, afinal, “poeira das estrelas”! Das suas fornalhas emergiram os nossos átomos e elevaram-se, na obra de Saramago, à “glória solar do pensamento”.


“ DE MIM À ESTRELA...

De mim à estrela um passo me separa :

Lumes da mesma luz que dispersou

Na casual explosão do nascimento,

Entre a noite que foi e há-de ser,

A glória solar do pensamento. “[1]



(1) Poemas Possíveis, de José Saramago, pág. 58



O Presidente da República de Portugal estava de férias quando morreu Saramago, prémio Nobel da Literatura Portuguesa. O único. E prosseguiu o seu lazer faltando ao funeral. Os presidentes têm deveres e eles vêm antes dos direitos. Neste sentido, o dever do luto é irredutível. O presidente perdeu o direito a sê-lo, porque escolheu não representar todos os portugueses. E nessa tarde iluminada pelo sol de Lisboa, era a nação portuguesa que descia à terra enlutada. Portugal tornou-se assim no primeiro país do mundo sem presidente da república que o represente e em Belém habita agora uma sombra. Mesmo que o voto lhe abra de novo os portões do palácio rosa, nos seus corredores e salões nenhum sinal de presença permanecerá, apenas a figura manchada de um presidente eleito e um retrato feito de negro.

Mas ele, o José, continuará a escrever o seu nome na frontaria das escolas, no mármore puro das avenidas e nos escaparates de todo o mundo, de tabacarias e bibliotecas, livrarias e cinemas, anfiteatros, congressos e cátedras, não só de Literatura, mas também de Filosofia, sim, da Filosofia, hão-de ver! Mas sobretudo, será carinhosamente transportado no colo das raparigas, na mão fina do professor que regressa a casa, no bolso de ganga que o brilho do mar resplandece e, nesse passo eterno, marcará as ruas de Lisboa para sempre e chegará aos confins dos dois hemisférios, como outrora a caravela e o galeão: É que na sua vida e na sua morte, os povos de Espanha e de Portugal voltaram a “compartir” duas línguas cultas e universais, lágrimas e destino comuns.

16 de Novembro


1 comentário:

Conceição Pato e Silva disse...

Também o nosso povo, um dia, dará corpo e alma a este poema de Saramago:

"Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo."

José Saramago "OS POEMAS POSSÍVEIS, Ed.CAMINHO, Lisboa, 1998. 4ª ed. Pg.71".

Além disto, identifico-me completamente com a análise contida neste post. E admiro a profunda riqueza humana nas palavras escolhidas.
Obrigada.