Jornalistas da televisão pública, com reputação profissional, políticos, de todos os quadrantes e os mais bem sucedidos nas suas candidaturas, comentadores a quem a televisão oferece os horários nobres, incluindo os que se reclamam da esquerda, da democracia e da liberdade, e até defensores de Otelo, insistem na mesma má informação_ a sua responsabilidade nos crimes das FP-25 e passaram a mesma mensagem: condenado a 15 anos de cadeia por esses crimes, foi amnistiado, como o foram os terroristas da direita e os seus mandantes, colocados no topo da sociedade!
A amnistia decretada pelo
governo de Mário Soares, abrangendo militantes e dirigentes do partido que
Otelo efemeramente liderou_ a FUP_ Frente
de Unidade Popular, não incluiu os crimes de sangue!
Em 2001, sessenta
integrantes da FUP, incluindo Otelo, foram julgados por esses crimes, por um
coletivo de juízes, que, por unanimidade, votaram a inocência de 56 deles,
incluindo Otelo. A acusação baseava-se na denúncia de alguns “arrependidos” e
caiu por terra.
Ainda se podem encontrar
na Internet as declarações do quase eterno presidente do Governo Regional da
Madeira e do ex-líder do CDS das decisões irrevogáveis, acusando os tribunais
de falta de isenção e de serem controlados pela esquerda radical! (sic)
Que este facto histórico
tenha sido praticamente escamoteado no debate acerca de Otelo, permite
alimentar todos os ódios e mistificações acerca da natureza democrática e
popular da Revolução de Abril, que a sua figura e o seu pensamento político representaram.
Sendo que, desta equação, é preciso retirar
os depoimentos dos familiares das vítimas, a quem Otelo foi oferecido como o
primeiro dos culpados e cuja dor da perda é incomensurável.
Otelo assumiu as suas
responsabilidades políticas, não criminais, face à atuação terrorista das FP-25.
Condenou-se, moral e politicamente, a si próprio, em discurso direto, ao
classificar a sua insuficiente demarcação dos atos de violência como “cumplicidade”,
convencido que se essa demarcação tivesses acontecido mais cedo e fosse mais
efetiva, teria contribuído para limitar a radicalização das FP-25 e incentivar
a sua autodesagregação. Identificou publicamente a sua origem e o seu mentor,
mas deixando claro que também este, já em prisão, não apoiou os atos terroristas, em tudo semelhantes aos de
grupos radicais que na época e na Europa (do Grupo alemão Red Army Faction Baader
Meinhof às Brigadas Vermelhas italianas), afirmavam querer derrubar o regime
capitalista através de atos violentos de pequenos grupos.
Os defensores do estado
de direito, do governo aos comentadores, não têm autoridade para desrespeitar a
decisão final dos tribunais. Os profissionais do jornalismo e das redes sociais
não podem reescrever a história à custa da falácia e da má informação.
Os comentadores e
estudiosos da vida política, que tomam como referência a conduta do jovem
militar em contexto das suas comissões em África, quando procurava defender a
segurança dos seus soldados e não recorrer a táticas ofensivas; o seu plano,
bem sucedido, de derrube do regime em 25 de abril pela colocação estratégica
das forças operacionais em superioridade, de modo a evitar o confronto violento, que foi decisivo para que a Revolução Democrática seguisse um percurso pacífico e
influenciasse a queda dos regimes ditatoriais em todo o mundo; o seu papel no
Copcon e dentro do MFA, de recusa do confronto militar e de neutralização dos
riscos de guerra civil; a sua atitude de neutralidade passiva no golpe de 25 de
novembro… mais do que as palavras e discursos inflamados e inconsequentes, permitem
definir um pensamento político utópico, contraditório
e instável, mas a quem repugna a violência como instrumento da política.
Por ser fiel a uma causa,
com total desapego, recusou cargos e poder, que lhe foram oferecidos pelos
partidos da direita e da esquerda, desde o lugar de vice-chefe do estado maior general
das forças armadas, proposto pelo então chefe General Costa Gomes, à carreira política apadrinhada
por Mário Soares, atitude cívica que se exalta noutros militares de abril mas
que nele se oblitera…
Uma sociedade onde o ódio
político não cede perante a morte do seu semelhante e dele se alimenta, se esse
ódio prevalecer sobre o luto, caminha para o vazio ético e o abismo moral.
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