25.10.20

Porque voltaram às praças, as mulheres da Polónia?

O Supremo Tribunal polaco aboliu o direito ao aborto no caso de mal formações do feto, considerando-o inconstitucional, conforme exigia a hierarquia da Igreja Católica deste país e o governo conservador, atualmente no poder. Esse direito fica reduzido aos casos de violação e incesto.

Na Polónia realizavam-se anualmente 2000 abortos terapêuticos, a maioria pela razão agora denegada. Em condições de risco e á margem da lei, esse número sobe a 200.000.

Estas mulheres, que aos milhares desfilam pelas ruas, não empunham cartazes de ódio nem vociferam ameaças, os seus gritos são de genuíno desespero.

Na Polónia já não existem leis trabalhistas...até  a jornada de 8 horas de trabalho foi subvertida...O Sindicato "Solidariedade", que, com o papa da época, representaram as principais forças políticas empenhadas no derrube do regime dito "socialista", foi engolido pelas "reformas estruturais" que desembocaram numa nova constituição ultra liberal e pelo renascimento de uma velha direita que mostrou ser, não apenas antissocialismos, mas também contrária á própria democracia liberal.

Morto de velhice o papa, a sua Igreja ultramontana permanece  na Polónia, como suporte da vaga autoritária que chegou ao poder neste país, na Ucrânia a golpe de estado, na Hungria, na República Checa, na Roménia, na Eslovénia… com eleições, mas, em todos os casos, apoiada abertamente pelo governo de Trump e pela NATO, financiada a partir dos EUA por obscuras agências e grupos empresariais, NATO que se expandiu até às fronteiras da Rússia. 

Na Ucrânia, a diplomacia da Alemanha e da França foram desautorizadas, os deputados e o presidente pró-russos obrigados a abandonar o parlamento e a fugir do país, e a União Europeia deixou cair a sua mediação que acordara com as partes resolver o conflito através de eleições, entregando à sua sorte 8 milhões de russos, habitantes históricos  das províncias de leste. Confrontados logo nos primeiros dias do governo golpista com a proibição de usar a sua língua de origem na vida social, com os seus representantes afastados do parlamento e do governo, o conflito inevitável conduziu a guerra civil. Seguiu-se a entrada da Rússia na contenda e, por via dessa intervenção, o consolidar do poder da oligarquia de Putin, á época bastante desgastada, mas que encontrou nesta guerra “patriótica” um novo alento de popularidade.

Mas já ninguém se lembra disso. Esta memória, ainda fresca do sangue derramado, foi limpa da comunicação social e do discurso europeu... e eis a União Europeia a apoiar de novo um dos lados na Bielorrússia, a anunciar sanções contra o seu governo  e o financiamento do grupo da oposição, prescindindo de qualquer ação diplomática mediadora de uma solução política.

Nas antigas "democracias populares e socialismos"  do leste, nascem e prosperam novas oligarquias, que tomaram por dentro os partidos políticos tradicionais e usaram os seus slogans de liberdade e democracia, para depois os dispensar como roupagens inúteis, tal como fizeram depois com as desacreditadas doutrinas neoliberais dos Friedman, Hayek e Mises, executadas por Tatcher, a governante que primeiro desmantelou o modelar Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido, mas também, e essa memória está ainda mais obliterada, pela ditadura brutal de Pinochet!  

Já não se trata de tomar  para si o estado democrático liberal e reduzi-lo, privatizando e esvaziando-o das suas funções sociais.  Mas de substituí-lo, progressivamente, por um novo estado forte, autoritário: tomando o controle  não apenas do executivo, mas também do sistema judicial e da comunicação social, usando os  recursos financeiros e os fundos comunitários como armas políticas para aumentar a sua base de apoio entre os empresários e a população, desprotegidos pelas políticas neoliberais da globalização  levadas a cabo em nome do socialismo democrático, da social democracia e da democracia cristã.

Um estado forte, serventuário das multinacionais e dos fundos abutre, que supostamente combate a velha corrupção e arbitra a concorrência, mas que não deixa de ajudar  os pequenos e médios empresários com subsídios que os tornam mais dependentes, e lhes oferece a liberalização do direito trabalhista como panaceia.

Um estado forte que proclama proteger os trabalhadores nacionais contra a emigração (como Hitler afirmava proteger os alemães da ameaça judaica), apontada como causa do desemprego e sorvedouro de recursos do estado. Mas um estado que assegura aos trabalhadores e aos pobres, os serviços mínimos que o neoliberalismo lhes retirou.

Entre "o populismo" das promessas neoliberais nunca cumpridas e "o populismo" da proteção chauvinista do estado, este cresce enquanto aquele se desacredita

E é neste contexto político, que as mulheres polacas marcham de novo pelas ruas, sem um único ato de solidariedade da União Europeia! 

Sem um único ato efetivo de contenção das políticas dos governos autoritários do leste, que violam os Direitos Humanos  e os pactos europeus. 

Sem qualquer protesto sério da UE ( nem face à pressão americana em favor do Brexit) e resistência, à política agressiva e de ingerência crescente do governo dos EUA, passando, da censura titubeante, à capitulação e deste, ao seguidismo: no caso do Kosovo/Sérvia, da Ucrânia,  da Venezuela, da Líbia, da Síria…do Irão!? Da Polónia.

 

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