“Em forma de oração:
Nesta hora, que é de luto e de
raiva, rogo a mim mesmo que nunca me esqueça que as primeiras vítimas dos
terroristas árabes são os seus próprios povos e que a guerra contra o
terrorismo, como todas as guerras, exige sempre uma solução política!”
A intervenção político-militar
foi a solução adotada pelas potências ocidentais, no Iraque e no
Afeganistão…como já o fora no passado. Tal como a militarização das
manifestações populares da Primavera Árabe, armando e financiando alguns grupos
da oposição, como é o caso da Síria e foi o da Líbia.
Em paralelo, procuraram suster e
limitar a vaga das revoluções democráticas: a Arábia Saudita, o Koweit, o Qatar
ou os Emiratos Árabes, regimes autocráticos, foram considerados intocáveis, tal
como o Bahrein, o pequeno estado com a maior base americana do médio oriente,
invadido pelo exército dos cheques feudais sauditas, a revolta popular sufocada
em sangue e em silêncio cúmplice ocidental. A Rússia, que dispõe na Síria da
única base naval na região, adotou a mesma política face ao seu regime.
O caso Líbio, hoje ausente da
comunicação social, merece uma especial reflexão: As grandes manifestações de
protesto do povo líbio e a violência da resposta do regime autoritário de
Kadhafi permitiram ensaiar uma nova estratégia, a militarização da revolta
popular: intervenção política, económica e mediática levada até ao extremo da
guerra civil, seguida de escalada militar. Na Líbia, esta nova estratégia foi
liderada no terreno pela Nato e pela França, com o objetivo de colocar no poder
uma nova fação favorável aos seus interesses e renegociar a gestão das suas
riquezas. Todas as tentativas de mediação do conflito foram isoladas e
boicotadas, como a que Hugo Chaves protagonizou, propondo uma solução negociada
e pacífica que conduzisse à implantação da liberdade política e à realização a
curto prazo de eleições democráticas, que destronariam Kadafi e a sua corte,
toda a sua corte, incluindo os trânsfugas, arrependidos e convertidos à democracia
dos vencedores. Kadafi foi executado sumariamente. O estado desagregou-se. Os
serviços sociais, os mais avançados da África, desapareceram. O seu primeiro
governo de facto, não eleito, impôs de imediato uma constituição inspirada na
lei islâmica. Mas as milícias armadas continuam a disputar o poder. O
terrorismo no Mali e na Nigéria recrudesceu e armou-se.
O fracasso da ação mediadora das
Nações Unidas e de Kofi Annan na Síria, insere-se na mesma estratégia de guerra
civil e intervenção militar estrangeira, a princípio encoberta e depois direta.
A posição da China, que apoiava esse plano e se afirma contra a intromissão nos
assuntos internos da nação Síria e em favor de uma solução política negociada,
é confundida com a da Rússia, potência aliada do regime. O governo tirânico de
Damasco é diabolizado e acusado de crimes de guerra contra os civis, mas como
se não houvesse civis em ambos os campos e atrocidades comuns. Os dignatários
do regime de Assad que desertam passam de imediato ao estatuto de defensores da
democracia e dos direitos humanos. O cenário político e mediático segue o
modelo da Líbia. O Conselho Nacional Sírio_CNS, foi criado em outubro de 2011
por representantes da Irmandade Muçulmana, dos Comitês Locais de Coordenação
que lideraram as manifestações, por liberais e também por partidos das minorias
curdas e assíria, compostos principalmente por exilados políticos, contando com
o apoio do governo da Turquia, onde se encontra instalado, da Arábia Saudita,
do Qatar, dos Emiratos Árabes e das potências ocidentais. Ele não representa no
entanto a totalidade da oposição síria, não integrando o Fórum Democrático,
particularmente as personalidades e movimentos de esquerda. A sua estratégia é
o apelo à solução militar e à intervenção armada da Liga Árabe, do Ocidente e
dos EUA.
O porta-voz do Conselho Nacional
Sírio (CNS), George Sabra, deu uma conferência de imprensa em Istambul ( Março
de 2012) afirmando: “Pedimos uma intervenção militar dos países árabes e
ocidentais para proteger os civis”. Sabra anunciou que foi estabelecido um
gabinete de coordenação para encaminhar armas para o Exército Livre. Disse que
isso será feito com o apoio de governos estrangeiros. O CNS rejeitou o plano de
paz das Nações Unidas, baseado no cessar-fogo e nas negociações políticas para
uma solução pacífica e política do conflito.
O encontro dos "Amigos do
povo da Síria", realizado em Abril de 2012, na Turquia, juntou
representantes diplomáticos de cerca de 70 países ocidentais e árabes, onde se
proclamou o CNS como o legítimo representante da Síria. O Conselho Nacional
sírio garantiu nessa altura os salários para os rebeldes que combatem o regime
do Presidente Bashar Al-Assad. Os militares desertores também serão pagos com
milhões de dólares doados por vários países do Golfo Pérsico. As milícias do
ISIS ( “Estado islâmico”), inicialmente criadas no Iraque ocupado,
estenderam-se então à Síria.
Ausências relevantes foram as da
Rússia, China e Irão, que em Teerão realizaram uma outra Conferência
internacional. Em paralelo, a Conferência nacionalista Árabe, reunida em Junho
na Tunísia, envolvendo os partidos nacionalistas e laicos nasseristas ou
“baasitas”, e outros de esquerda, defendeu a solução política não militar.
Mas aquela via da “solução
militar”, segue uma longa e sangrenta tradição, que apenas no caso da Palestina
tem vindo a evoluir para uma proposta de solução política, a coexistência
pacífica do Estado de Israel e do Estado palestiniano.
Na Argélia, a Frente Islâmica, organização
politicamente moderada e que ganhou apoio do povo argelino fruto de uma longa
tradição assistencialista, quando venceu as eleições sofreu de imediato um
golpe de estado, apoiado pelo Ocidente, seguido de uma sangrenta guerra civil
(1991-2002), que, se conservou o regime, semeou o fundamentalismo e o
terrorismo no mundo árabe, desacreditando a via democrática. O atual governo
militar egípcio resultou também de um golpe de estado apoiado pelas democracias
ocidentais contra o partido vencedor, representante político da Irmandade
Muçulmana.
Neste ponto valerá recordar a
resistência sectária das potências europeias à integração da Turquia na Europa
comunitária (3% do seu território é europeu e o império bizantino integrou a
cultura clássica europeia e a cultura oriental), constituiu uma oportunidade
perdida para desenvolver a democracia nos países de influência islâmica e
combater vitoriosamente o fundamentalismo. (A opinião pública turca, antes
favorável à integração, é agora minoritária).
Voltemos ao massacre dos
jornalistas franceses do Charlie. O líder do Hezbollah condenou os grupos
extremistas que praticam atos terroristas em nome do Islão, considerando que
essas são as piores ofensas que já foram feitas ao profeta Maomé. Uma das
vítimas do ataque terrorista em Paris foi um polícia muçulmano, Ahmed
Merabet executado a sangue frio pelos
tiros dos irmãos Kouachi.
O Hamas "condena as agressões contra o jornal Charlie Hebdo e insiste que a diferença de opiniões e de pensamento não podem justificar o assassinato", refere em comunicado o grupo palestiniano, citado pela France Press (AFP). O Hamas, apoiado pelo regime Sírio e o Hezbollah pelo Irão, fazem parte da lista negra das “organizações terroristas”, segundo o governo dos EUA.
O Hamas "condena as agressões contra o jornal Charlie Hebdo e insiste que a diferença de opiniões e de pensamento não podem justificar o assassinato", refere em comunicado o grupo palestiniano, citado pela France Press (AFP). O Hamas, apoiado pelo regime Sírio e o Hezbollah pelo Irão, fazem parte da lista negra das “organizações terroristas”, segundo o governo dos EUA.
O Irão condenou o atentado contra
a sede da revista francesa satírica "Charlie Hebdo", e qualificou de
"alheio à educação do islão" qualquer ato terrorista contra o povo. Segundo
o seu porta voz oficial, "as políticas errôneas e as condutas dúplices
frente à violência e ao extremismo" são as causas do crescimento destes
comportamentos.
Jean-Marie Le Pen, fundador do
partido de extrema-direita francês Frente Nacional (FN), afirmou "não ser
Charlie".
Marine Le Pen, a atual líder
desse partido, defendeu a reintrodução da pena de morte em França, o fecho das
fronteiras do país, a retirada da nacionalidade francesa a todas as pessoas que
sejam suspeitas de terrorismo.
Mediante as acusações de exclusão
feitas por ela, tanto o presidente François Holland como o primeiro-ministro
Manuel Valls esclareceram que todos os
franceses defensores da república, da liberdade, da democracia estavam convidados a participar na marcha de amanhã e
deviam fazê-lo.
Mas o partido de Marine Le Pen
organizou a sua própria manifestação em Beaucaire, Gard, a cerca de 700 km de
distância da capital francesa e da marcha pela unidade.
O Papa Francisco, que condenou o
atentado, comentou esta quinta-feira, durante a sua visita às Filipinas, a
publicação de novas caricaturas de Maomé pelo Charlie Hebdo: “É verdade que não
se deve reagir com violência, mas mesmo se formos bons amigos, se insultar a
minha mãe, tem de esperar um golpe – é natural”, disse.
Qual é o significado político e
moral desta afirmação, no contexto do atentado terrorista contra o jornal
satírico francês? As caricaturas do Charlie Hebdo são equiparáveis aos
hipotéticos insultos à mãe do Papa e tornam inevitável o golpe violento de
resposta?
E continuou o líder da Igreja
católica: “Não se pode gozar com a religião dos outros. Não se pode insultar a
sua fé ou rir dela”, afirmou, sublinhando que “na liberdade de expressão
existem limites”, apesar de considerar que esta faz parte dos “direitos
fundamentais do ser humano”. E de novo me questiono: se as caricaturas do Charlie
Hebdo insultam a fé e troçam dela, devemos traçar-lhe um limite ou devemos
denunciar esse carater insultuoso e confiar no juízo crítico dos seus eventuais
leitores?
O mais novo dos irmãos Kouachi disse
à BFM-TV por telefone, de acordo com uma gravação transmitida pelo canal de TV
depois do fim do cerco, que foi enviado pela Al Qaeda do Iêmen e financiado
pelo seu chefe Al Awlaki, morto entretanto em setembro de 2011 no ataque de um drone ( veículo aéreo não tripulado) dos
EUA. No seu discurso de despedida procurou justificar o assassinato dos
jornalistas por razões político-religiosas, não apenas para vingar os insultos
ao profeta mas como retaliação face à intervenção militar das potências
ocidentais no Iraque, no Afeganistão e na Síria, e a morte de milhares de
crianças e mulheres na Palestina vítimas da guerra de Israel contra o Hamas.
Então, simbolicamente, os dois terroristas deixaram sair em segurança o dono da
tipografia que estava como refém e enfrentaram a polícia até à morte.
Amedy Coulibaly, o sequestrador
do supermercado judaico em Paris e que já antes tinha abatido uma mulher
polícia, telefonou igualmente à BFM-TV, dizendo que queria vingar os
palestinianos atacados por Israel e as nações árabes atingidas pela intervenção
militar ocidental. Assassinou quatro dos reféns judeus, antes de ser abatido. Coulibaly
disse ser membro do ISIS ( Estado Islâmico) e afirmou que havia desencadeado os seus crimes em apoio dos
ataques dos irmãos Kouachi.
Os três terroristas são cidadãos
franceses, de famílias árabes emigradas. Tal como outros cinco mil jihadistas,
puderam circular livremente entre a Europa, a Síria ( e o Iraque) desde o
início da guerra civil. A propaganda e o recrutamento de radicais para combater
como opositores do regime Sírio proliferou na Europa, e não apenas na França e
na Bélgica, com os meios de comunicação social a tomar partido contra o atual
governo de Assad e do partido Baas e, perante a passividade dos governos da
União Europeia, num contexto de crise socioeconómica que deixou a juventude de
origem árabe em França com 40% de desempregados e, portanto, em risco de
marginalidade. Até que surgiu a barbárie do
ISIS ( vulgo, “estado islâmico”) e o fracasso da política dos EUA e da
EU para o médio-oriente se tornou tragicamente visível.
Aqui, abrimos um parênteses para
perguntar: quem compra o petróleo que o ISIS retira dos poços que conquistou no
Iraque e na Síria, e cuja venda no mercado turco financia a sua guerra
terrorista?
A democracia não se exporta e
impõe com exércitos de ocupação, como o demonstra o Iraque e no Afeganistão.
O islamismo não é uma religião
monolítica e no seu desenvolvimento histórico evoluiu para diferentes
interpretações da doutrina e da legitimidade das autoridades religiosas
sucessoras do profeta. No século XX surgiram os primeiros estados modernos de
maioria muçulmana, separando estado e religião; mas a intervenção das potências
ocidentais fez cair os seus governos nacionalistas e explorou as divergências
religiosas: assim se desfez o sonho de Gandhi de uma só pátria indiana para as
comunidades hindu e muçulmana; assim foi derrubado o governo nacionalista do
Irão e no seu lugar entronizado o regime neo-feudal do Xá da Pérsia…
A desagregação dos países árabes,
produtores de petróleo, gaz e minerais, ameaça agravar a crise económica
internacional, mas promete aos detentores dessas matérias-primas e ao capital
financeiro que nelas investe, fabulosas mais-valias de sangue!
São os povos árabes, conscientes
do seu destino, que têm dentro de si a força e a capacidade de lutar pelas suas
aspirações políticas fundamentais à liberdade, à paz e às conquistas sociais, e,
só eles, podem vencer o terrorismo e trazer o progresso aos seus países.
1 comentário:
Concordo plenamente.
Só no final ponho reticências, quando se afirma que serão os povos árabes, sozinhos a terminar com o conflito e ascender á paz.
Porquê?
Porque os povos não só monolíticos, como os países, onde vivem. A religião entre eles, não lhes permite sequer chegar ao diálogo, como sucede há cerca de 1600 anos. Não quer dizer, que não tenha sido o Mundo Ocidental um dos factores principais, para que a paz não se tenha alcançado.
Acho, que a paz no mundo muçulmano (entre si), levará mais de um século a alcançar-se, já que primeiro, têm que "obter" a educação e a ética, que parece por lá não existir.
Não sei, se durante esse século não causarão muita dor, sofrimento e morte, no dito Mundo Ocidental, se este não ajudar pela positiva, através da diplomacia e alguma força.
Todos perderão. Todos perderemos.
Apenas O Criador vencerá, seja Ele, Deus, Alá ou Outro, consoante a religião de cada um.
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