Alexis Tsipras, lider do SYRYZA e novo primeiro-ministro grego, proclamou na hora da vitória da sua coligação:
"O povo grego soberano
deu-nos hoje um mandato claro, forte e indiscutível. A Grécia está a abrir uma
nova página. A Grécia está a deixar para trás a austeridade que provoca a
destruição, a deixar para trás o medo e autocracia. Estamos a deixar para trás cinco
anos de humilhação e dor. E a Grécia vai seguir em frente com otimismo,
esperança, dignidade e num passo firme em direção a uma Europa em mudança. E o
SYRIZA, vós e o SYRIZA, o nosso povo, somos um bom exemplo dessa Europa em
mudança. Foi o nosso povo e a Grécia que deram este passo, um passo adiante na
história, um passo em frente ao encontro dos outros povos da Europa.
Que Europa em mudança é
esta, de que fala Tsipras?
A Europa dos cidadãos e
dos governos da Irlanda e da Itália, de cores políticas opostas, que apoiam a
proposta de Conferência Europeia sobre a dívida, lançada pelo Syriza.
Os governos daqueles
países, mas também os partidos de todas as esquerdas e das direitas
nacionalistas das nações europeias, que reclamavam do Banco Central Europeu as
medidas que, finalmente, o seu presidente anunciou perante a iminente vitória
do programa do Syryza e, pela primeira vez, vencendo a oposição do governo
conservador da Srª Merkel: o financiamento do investimento económico na União
Europeia e a compra direta das suas dívidas soberanas, reduzindo os juros
especulativos;
A Europa dos
economistas de todos os quadrantes que recordam ao governo de coligação
conservadores-socialistas da Alemanha que uma política de austeridade
empobrecedora dos seus parceiros no Euro conduz à deflação no mercado
europeu, onde se escoam 80% das
exportações germânicas.
A Europa das nações que
já não aceitam a política intervencionista das Troikas, apoiada pelos partidos
conservadores, liberais e social-democratas, e o diktat da sua cabeça política alemã, que impôs através da Troika
acordos semicoloniais à Grécia, à Irlanda, a Portugal e a Malta, e só falhou
nesse propósito em Espanha porque o seu governo, sendo conservador, não foi
colaboracionista; o governo de Merkel que promoveu a ingerência política nos
assuntos internos dos seus parceiros europeus, derrubando governos eleitos como
o de Berlusconi, o de Papandreou e o de Sócrates, por não serem suficientemente
submissos…obrigou a vender ao desbarato as melhores empresas
nacionais…estabeleceu nos acordos taxas de juro leoninas, muito superiores à
evolução do próprio mercado financeiro…
Na Grécia, as tendências
evidenciadas nas eleições para o parlamento europeu, para os governos
municipais e para os governos regionais foram confirmadas pelas eleições de 25
de janeiro. O Syriza fica a dois deputados da maioria absoluta
Panos Kamenos, o líder
do ANEL, partido nacionalista que, como o SYRYZA, sempre se opôs ao diktat da Troika e à política de
austeridade, que trouxe consigo a venda das empresas nacionais aos fundos
privados sem pátria, a ruina de muitas das pequenas e médias empresas e a
destruição das funções sociais do estado, aceitou ser o seu aliado no novo governo,
numa base política clara:
"Chegou o tempo de
reconstruir o que foi destruído pelos memorandos e libertar a Grécia das
correntes de subjugação. Hoje é um momento de responsabilidade para todos os
gregos, independentemente de crenças ideológicas e políticas. É hora de todos
os gregos a se unirem, tal como os resultados eleitorais criaram uma nova
realidade social e política.”
Os quatro pilares do
Plano de Reconstrução Nacional constituem o essencial do programa eleitoral do
Syriza, referendado pelo voto popular 1. Enfrentar a crise humanitária. 2.
Recuperar a economia e promover a justiça fiscal. 3. Recuperar o emprego 4. Transformar
o sistema político para aprofundar a democracia.
Todas as medidas
previstas são acompanhadas pela avaliação do seu custo benefício e incluem um
verdadeiro programa de emergência social, que parte da proibição do confisco
das casas de família pelos bancos e pelas Finanças, pela restituição aos
reformados com rendimentos inferiores a 700 € do seu subsídio de Natal, pelo
restabelecimento do fornecimento de energia elétrica a 300.000 famílias que
caíram na pobreza e a criação de um programa partilhado para fornecer aos mais
pobres as refeições básicas…mas também pela proteção das pequenas e médias
empresas da expropriação e leilão dos seus bens pelos bancos e pelo fisco…
No centro desta
política, a renegociação para baixar as taxas de juro da dívida soberana,
medida que por si só permitiria financiar a maior parte do programa.
Recorde-se, partindo do caso português, que só no período de 2000 a 2010, isto
é, mesmo antes da crise financeira desencadeada pelo crash das hipotecas bancárias que se estendiam dos EUA à Europa, o
nosso país pagou de juros da sua dívida soberana um valor superior a 53.000
milhões de euros, mais do dobro do que vai receber do novo quadro comunitário
de apoio.
Não é difícil encontrar
em Portugal necessidades, problemas e exigências políticas semelhantes às do
povo grego, que, em Espanha, já foram assumidas pelo novo partido “Podemos”,
nascido dos movimentos sociais de protesto e que lidera as sondagens para as
próximas eleições.
Discute-se agora a
capacidade do Syriza realizar o seu programa, enfrentando todo o poder e
influência do capital internacional, que assumiu o controle do governo alemão e
da União Europeia. Perguntamos, pode a Srª Merkel continuar a impor ao povo
Grego a sua política de austeridade e de autoritarismo, sem pôr em causa a
imagem já degradada da Comissão Europeia que controla e, representa a hegemonia
dos partidos conservadores na União Europeia aliados aos partidos socialistas
europeus?
A maioria parlamentar
do seu governo depende do apoio do partido socialista alemão, o SPD. E se este
alinhasse com uma nova vaga de austeridade e represálias políticas, caminharia
para a sua própria desagregação, como agora aconteceu na Grécia ao outrora
maioritário PASOK.
É que, desde as
eleições legislativas de 2013 que a esquerda alemã tem a maioria absoluta no
Parlamento Alemão 319 lugares, fato correntemente obliterado pela comunicação
social, correspondendo a 192 deputados do SPD ( socialistas), 64 do Die Linke (
a esquerda comunista e socialista) e 63 Os Verdes (Ecologistas).
A direita votou útil no
partido conservador, a CDU/CSU, da Srª Merkel, mas, no seu conjunto, desceu no
número de deputados. A CDU e o seu aliado bávaro CSU ganharam mais 72
deputados, mas o FPD perdeu 93. O balanço final é da perda de 21 lugares no
Parlamento ou Câmara Baixa, a favor do SPD e uma maioria de esquerda.
As coligações de
esquerda governam desde então a maior parte dos estados alemães, em alianças
que vão do SPD ao Die Linke e passam pelos Verdes.
Estes partidos conquistaram
a maioria de esquerda nas duas Câmaras do estado federal alemão, a Câmara baixa ou parlamento e a Câmara Alta
onde estão representados os estados federais, expressando assim o sentimento
maioritário do povo alemão de discordância da política autoritária e
neocolonial dos conservadores.
Mas o SPD optou por
apoiar o regresso ao poder da Srª Merkel numa coligação de governo sob a
liderança do partido conservador, a CDU.
O povo grego elegeu uma
maioria que exige uma mudança na política europeia, restaurando a soberania das
nações e a dignidade na vida dos seus cidadãos.
O suicídio do velho farmacêutico
frente ao parlamento grego, que antecedeu as penúltimas eleições gregas e a sua
carta de despedida apelando à revolta, é demasiado parecida com o ato de
desespero do jovem vendedor ambulante tunisino que se imolou pelo fogo quando a
polícia lhe retirou o carrinho com o qual ganhava o seu pão. Na Tunísia, como
na Grécia, “os de baixo” já não podiam viver como dantes. Mas na Grécia e na Europa
da união europeia, “os de cima” ainda conseguem viver como dantes, ou ainda
mais ricos, e podem empurrar a União Europeia, a Alemanha e a França para a
aventura de dois círculos de países, divididos pela sua riqueza atual e as
forças armadas gregas para um novo golpe de força.
Mas, nesse caso, a
Europa poderá conhecer a segunda revolução democrática contemporânea, a
primeira, emergiu em 25 de Abril de 1974 em Portugal e tal como aconteceu na
altura, as suas consequências, no quadro de uma crise geral nacional na Grécia,
serão imprevisíveis.
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