"Esta é a ditosa pátria minha amada,
à qual se o Céu me dá que eu sem perigo
torne, com esta empresa já acabada,
acabe-se esta luz ali comigo”
Luís de
Camões, Canto III, Verso 21
“Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa,
porque o não merece.
Nem minha
amada, porque é só madrasta.”
Jorge de
Sena, (Araraquara, Brasil. 1961)
Porque não estão
sozinhos os escoceses independentistas?
Após a morte de Mao,
Deng Xiaoping, um comunista veterano da Longa Marcha, com experiência de
direcção no partido e no governo e que tinha sido afastado dos lugares de
liderança com a acusação de “economicismo”, elaborou com Chu-En-lai o programa
das “Quatro Modernizações” (da agricultura, da indústria, das Forças Armadas e
das actividades de ciência e tecnologia), aprovado no Terceiro Plenário do XI
Comité Central (dezembro de 1978). A iniciativa política dos novos líderes do PCCh foi
decisiva para escapar ao risco de uma militarização do regime, como aconteceu
na Coreia do Norte e para pôr fim à desordem provocada pela revolução cultural,
que vitimou sobretudo os quadros e organizações do próprio partido comunista e
desorganizou o estado.
Quando há 30 anos, o
governo chinês iniciou o processo de reformas políticas e económicas, através
do sistema das zonas económicas especiais (ZEEs), que o Secretário Geral do
PCCh Zheo Ziyang (XIII Congresso, 1987)
ampliou a toda a zona costeira e que previa a integração da China no “grande
círculo internacional”, o PCCh fundamentou essa nova orientação na tese de que
só pode desenvolver-se actualmente um país que se integre na economia global.
A China elaborou o seu
conceito de “socialismo de mercado”, atraindo na primeira fase a diáspora
empresarial (os empresários patriotas) residentes nos países e regiões vizinhas
(excepto o Japão, cujos governos liberais recusam a responsabilidade histórica
pela bárbara invasão e ocupação – 1931-1945, data que de fato e numa perspetiva
global não eurocêntrica, deu início à II guerra mundial), dirigindo-se depois
para a América e a Europa. Abriu assim um novo fluxo de globalização, com
epicentro na Ásia, que tornou possível, atualmente, a aliança multilateral dos BRICS, sigla que designa a cooperação
entre o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul, para a criação de
uma nova ordem económica, financeira e política mundial, multipolar e sem
potências hegemónicas, da qual se aproximam agora muitos países da América e da
África, particularmente Angola, nas suas parcerias com o Brasil e a China.
Porque não estão
sozinhos os escoceses?
Quando hoje os catalães
reclamam um estatuto de independência, perdida com o esmagamento da revolução
de 1640, que se iniciou com as revoltas
dos camponeses e segadores e a oposição de aristocratas e burgueses e de todo o
povo catalão à perda de autonomia do condado, ao conflito bélico entre as
coroas de Espanha e França, à ocupação militar e aos pesados impostos de guerra,
e conduziu à fundação da primeira República da Catalunha, é porque tomaram
consciência que uma grande parte da riqueza produzida na sua nação vai
diretamente para pagar os custos da globalização, isto é, as perdas dos bancos
que jogaram na roleta de obscuros negócios de produtos derivados e bolhas
imobiliários, e dos especuladores financeiros que manipulam os juros da dívida
pública e privada.
Porque não estão
sozinhos os escoceses?
No leste e sul da
Ucrânia, o surgimento de movimentos e repúblicas separatistas, não resulta de
uma mera conspiração russa para anexar território. Após o
desmembramento da Jugoslávia, cuja memória já perdemos, a Ucrânia tornou-se o
primeiro país europeu em que a disputa do seu mercado pelo bloco de interesses
representado pela Comunidade Europeia aliada aos EUA, ao defrontar-se com
a oligarquia da Rússia, passou da
disputa económica e financeira para o terreno militar. Partindo dos factos:
Durante o ano de 2013, as manifestações populares contra o governo do
presidente eleito Viktor Yanukovych, após se recusar a assinar um acordo de associação
com a União Europeia, conduziram a confrontos com a polícia, mas, rapidamente, milícias armadas substituiram os movimentos populares
nas disputas de rua. ( Note-se que a militarização das revoltas populares
passou a ser uma estratégia das potências internacionais para controlar os
movimentos populares revolucionários, depois da surpresa que foi o emergir das
revoluções democráticas nos países árabes, a “Primavera Árabe”). A União
Europeia, representada pela Alemanha, Polónia e a França, com a Rússia, mediou um acordo político
entre o presidente e os partidos da oposição (04/02/14), que preconizava o fim dos
confrontos e antecipava as novas eleições. As forças armadas, que até essa
altura se tinham mantido afastadas do conflito, desencadearam então um golpe
militar que levou o presidente Yanukovych a fugir para Moscovo para salvar a
vida e os seus partidários foram perseguidos e ameaçados. O parlamento, já sem
os deputados eleitos pelo partido de Yanukovych, procurou legitimar o novo
poder destiuindo o presidente e nomeou um novo governo, que integrava partidos
e movimentos ultranacionalistas e neofascistas. Uma das suas primeiras medidas
foi revogar a lei que reconhecia o russo como uma língua regional oficial. Esta
medida e a violação do acordo político através do golpe militar, passaram a ser
sistematicamente escamoteados pela
comunicação social a ocidente. Pelo seu lado, a União Europeia e os EUA apoiaram
de imediato o novo poder golpista, instalado em Kiev e legitimaram-no como
único interlocutor político.
Contudo, vivem na Ucrânia
mais de oito milhões de russos, predominando nas regiões do leste e do sul. A província
da Crimeia fora parte da Rússia desde o século XVIII. Em 1954, no âmbito de uma
reorganização interna da União Soviética, integrou-se na Ucrânia com um
estatuto de autonomia. Face ao golpe de Kiev e às suas medidas chauvinistas, os
movimentos separatistas pró-russos
iniciaram os seus protestos e a Crimeia proclamou rapidamente a independência e
o seu regresso à Rússia. O governo ucraniano avançou então com forças militares
e milícias armadas contra as outras autoproclamadas repúblicas independentes. A
Rússia apoiou com equipamento militar e voluntários os movimentos separatistas
e a confrontação violenta equilibrou-se, conduzindo a um cessar fogo temporário.
Pergunta-se: porque
procuraram os EUA o confronto com a Rússia na Ucrânia, neste preciso momento?
A Comissão Europeia e
os EUA estão a negociar há várias dezenas de anos o chamado Pacto
Transatlântico, que consagra todas as políticas neo-liberais que prevaleceram
na Europa sob a consigna da austeridade, sobretudo depois da crise financeira
de 2007/2008 e cuja aplicação formal foi programada já para o próximo ano. A liberalização total do mercado económico e
financeiro, e a redução do papel do estado democrático e das funções sociais do
estado, constitui a sua plataforma de negócios. No plano político (e militar?),
este pacto agressivo, negociado sem mandato nem escrutíneo das nações e dos
povos, é justificado como uma estratégia para enfrentar a ascensão da China e
do bloco dos BRICS.
As forças dominantes
nos EUA, que Obama nunca conseguiu controlar (ou nunca quis?), no plano da
estratégia geopolítica, pretendem isolar a Rússia (e cercar a China),
dificultar a consolidação da aliança dos BRICS, que anuncia já para 2015 a
fundação do seu banco comum de investimento, utilizando a via da radicalização
no confito ucarniano e desenvolvendo uma intensa campanha de propaganda nos
média.
A União Europeia
alinhou nesta aventura, abdicando de uma estratégia autónoma e da via negocial,
aplicando depois sanções contra aquele país que agora se viram contra os
interesses da economia agrária europeia e nacional ( o setor da hortofruticultura portuguesa, um dos mais próspero, perdeu este mercado). O partido de Putine, da nova
oligarquia russa, viu neste incidente a oportunidade política para apelar ao
sentimento nacional dos russos e recuperar a influência eleitoral perdida. De
um lado e de outro, os militaristas ganham influência política e elaboram
planos de confronto bélico.
Porque não estão
sozinhos os escoceses?
O regresso às pátrias é
afinal a outra face da moeda (preversa) da globalização. A globalização
antidemocrática, antisocial e contra a paz, a sua causa. Independentemente do
modo como cada nação e os seus cidadãos o percecionam e, sob o desafio e o
risco, de ser liderado por partidos chauvinistas e neo-imperialistas.
Como cidadãos
portugueses e comunitários, vivemos entre a ditosa pátria de Camões, que o
deixou morrer à míngua e a pátria madrasta de Jorge de Sena, a sua amada, que o
exilou.
Mas o que está
verdadeiramente em causa, é de novo o reconhecimento internacional do direito
das nações a disporem de si próprias e a construção de uma nova ordem
internacional baseda nos princípios da reciprocidade, benefício e interesse mútuos, da não
ingerência, de respeito pela soberania nacional e da resolução pacífica dos conflitos. Trascendendo o direito, é uma
questão do foro da ética política, por ser a única alternativa ao caos social,
ao terrorismo e à guerra generalizada e total. Não temos de escolher entre as
duas espadas, mas podemos levantar-nos contra elas e todos os povos do mundo
nos apoiarão.
Porque não estão
sozinhos os portugueses, mas sim com os povos pacíficos, as nações que prezam a
sua autonomia e os governos que defendem a cooperação e a paz.
Agora escrevo, para nunca mais voltarmos a ser a
“…terra triste
à luz do sol caiada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;”
Jorge de
Sena, (Araraquara, Brasil. 1961)
E cumprir de novo o
voto de Camões
“,,,nunca poderá, com
força ou manha,
a Fortuna inquieta
pôr-lhe noda
que lha não tire o
esforço e ousadia
dos belicosos peitos
que em si cria."
Luís de
Camões, Canto III, Verso 17
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