Até ao início da crise
financeira em 2008 e a sua transformação, a partir de 2010, em crise da dívida soberana e de austeridade
para as nações e os povos, pela ação conjugada dos governos socialistas e
conservadores, estes partidos, filiados no S&D_Grupo da Aliança
Progressista dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu e no
PPE_Grupo do Partido Popular Europeu (Democratas-Cristãos), monopolizaram praticamente
os governos da Europa (no Reino Unido, o partido no poder filia-se nos Conservadores
e Reformistas Europeus), e distribuíram entre si os lugares cimeiros da
burocracia comunitária, da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu. Tal
como em Portugal, onde os seus líderes e a sua clientela política, financeira e
de “comentadores políticos”, proclamaram a prevalência dos três partidos do
“arco do poder” até à consumação da democracia.
Com o bloqueio da
informação internacional, e não apenas ibérica, não nos chegaram as notícias de
que a Srª Merkel e a sua coligação perderam nas últimas eleições a maioria para
as duas Câmaras do parlamento alemão. Sendo certo que o SPD socialista alemão,
invertendo a sua política a nível dos estados federados, preferiu aliar-se aos
conservadores do que aos Verdes e ao Die Link (socialista-comunista), com quem
faz maioria nas duas Câmaras, oferecendo ao CDU conservador a possibilidade de
formar governo com a mesma chanceler e prosseguir a política de domínio da
Europa.
Que na Grécia o PASOK
socialista, que era maioritário, caía abaixo dos 10% e a Nova Democracia conservadora,
baixava da casa dos 30%, enquanto a coligação Syriza de esquerda (e não de
extrema-esquerda) se aproximava desta mesma casa numérica nas diversas
eleições.
Que na Hungria, o seu
partido socialista MSZP, que defendeu e aplicou no governo a política
neoliberal que a Troika viria a impor a Portugal, alienava o apoio popular maioritário
de que dispôs e sofria o mesmo destino dos seus correligionários gregos,
enquanto a direita, representada pelo Fidesz-Christian Democratic People's
Party (KDNP), defendendo o nacionalismo, ganhava mais de 2/3 dos lugares no
parlamento e com o apoio da extrema-direita do Jobbik, levava a cabo uma brutal
revisão da constituição democrática, retirando poderes de fiscalização ao
Tribunal Constitucional, autonomia aos tribunais e pluralismo à comunicação
social…
E nem percebemos que
emergia um novo contexto político europeu, marcado por duas mudanças
qualitativas: a transformação da disputa comercial do mercado ucraniano em
confronto militar e o fim do monopólio de dois partidos nas eleições europeias,
processo embrionário na escolha de parlamentos e governos nacionais e emergindo
já maduro nas eleições para o parlamento europeu. Concentremo-nos nestas:
Circunscritos à
economia de um artigo de opinião, evidenciaremos apenas o peso dos resultados
comparados entre as eleições para o Parlamento Europeu de 2009 e 2014 e o seu
significado óbvio: (consultar http://www.elections2014.eu/pt)
Em Espanha, o PP no
poder passa de 6.670.377 votos (42,12%) e 24
deputados, para 4.074.363 votos (26,06%) e 16 lugares.
E o PSOE de 6.141.784
votos (38,78%) e 23 deputados, para 3.596.324 votos (23,00%) e 14 deputados.
Em conjunto, 2.594.014
somados a 2.545.460 votos, PP-PSOE perderam mais de 5 milhões de votos, 17
deputados e sua votação agregada já não chega aos 50% dos votos expressos.
Perderam a favor da
coligação La Esquierda Plural ( comunistas, ecologistas, esquerdas
nacionalistas) que triplicaram os votos
para 1.562.567 (9,99%) e duplicaram para 6 o número de deputados.
Perderam a favor da
coligação “Podemos”, os representantes dos movimentos de indignados, que, ao
contrário de Portugal, se organizaram em novos partidos políticos, recebendo 1.245.948
votos (7,97%) e conquistando 5 lugares…e perderam para outras formações
políticas de cidadãos, de cariz nacionalista, ecologista e socialista.
Na Alemanha, o partido
da senhora Merkel, o CDU e os seus aliados conservadores da CSU e os liberais
do FDP, que em 2009 somavam 48,9% dos votos e 54 deputados, caíram agora para
37,7% dos votos e 37 deputados (confirmando o seu estatuto minoritário no leque
global do eleitorado alemão), uma perda de 17 deputados, que resultou na chegada
ao parlamento europeu de vários pequenos partidos, incluindo o partido anti União
Europeia AfD_Alternative für Deutschland, com 7% dos votos e a eleição de 7
deputados, e do partido neonazi NPD_ Nationaldemokratische Partei Deutschlands,
com apenas 1% de votos, mas 1 deputado. Na esquerda, os Verdes (12 eleitos) e o
Die Linke (7 eleitos) mantêm praticamente as suas percentagens e deputados. E o
SPD socialista cresce de 20,8% para 27,3%, e de 23 para 27 deputados. A
Alemanha não é monolítica, existem várias “Alemanhas” e a sua política
agressiva e expansionista não é referendada eleitoralmente pela maioria do povo
alemão, fato que importa sublinhar porque repetidamente obliterado.
Na França, a Frente
Nacional_FN de extrema-direita, com um discurso nacionalista, pela defesa da
soberania e das liberdades dos cidadãos, contra o centralismo de Bruxelas, sobe
a 24.95% e a 24 deputados, quando tinha apenas 6.3% e 3 lugares. O partido de
centro-direita, UMP, que ganhara as últimas europeias com 27.8% e 29 lugares,
desce para 20.79% e 20 lugares. E o PS no poder, cai de 16.48% e 14 deputados,
para 13.98% e 13 lugares; uma queda estrondosa, não tanto pelos números
comparados, mas porque é recente a sua vitória nas legislativas. A quebra dos
Verdes é igualmente significativa, de 14 para 6 deputados e de 16.28% para 8.91%
dos votos. A coligação dos comunistas e radicais de esquerda (PCF+PG+Ens.+et
al.) perde 1 deputado, passa de 5 para 4 lugares, mas conserva a sua votação na
casa dos 6%. Os liberais do MoDem sobem de 8,4 para 9,9% e ganham um deputado,
com 7 eleitos. Fica assim claro que a Front National cresce à custa dos
partidos do centro e de uma franja ampla da esquerda tradicional e ecologista.
Na Inglaterra ocorre um
quadro diferente, com a ascensão do nacionalista UKIP (filiado no Grupo EFD_ Europa
da Liberdade e da Democracia), que passa de 16.09% e 13 deputados para 26.77% e
24 deputados. Enquanto o Conservative Party cai de 27% e 25 deputados para 23.31% e 19 eleitos
e o seu aliado no governo o Liberal Democrats Party
(Filiado no Grupo ALDE) desce de 13.36%
e 11 deputados para 6.69% e apenas 1 eleito. O Labour Party (filiado no S&D)
que alcançara 15.31% e 13 deputados sobe igualmente para 24.74% e 20 eleitos.
Também
os partidos filiados na coligação Verdes/Aliança Livre Europeia, de pendor
nacional (Escócia, País de Gales) e ecologista, sobem em votos e deputados,
passando de 5 a 6 eleitos. Neste contexto, a imagem de um Reino Unido virando à
direita, é obviamente redutora e não traduz o crescimento equivalente do leque
de forças políticas mais à esquerda. De fato, os partidos do governo
conservador-liberal, Conservative Party e o Liberal Democrats Party, perdem em
conjunto 16 deputados; o partido nacionalista UKIP ganha 11 eleitos; mas à
esquerda, o Labour Party e os Verdes, obtêm mais 8 lugares.
A Itália é sem dúvida o
país onde o fim do bipartidarismo mais cedo se evidenciou, com o
desaparecimento da cena política dos históricos democracia cristã, partido
socialista e eurocomunistas. De tal modo, que nos últimos quatro anos as siglas
partidárias, coligações e alianças, mudaram de novo. Usando como termo de
comparação a filiação dos partidos nas famílias políticas europeias,
constatamos que os partidos filiados no PPE, responsabilizados pelo eleitorado
pela adesão às políticas da Troika, viram reduzida a sua representatividade eleitoral
de 29 para 17 lugares. A Forza Italia de Berlusconi, outrora
maioritária, cai para 16,81% e 13 deputados e a sua aliada de extrema-direita,
a LN_Lega Nord, tomba de 9 para 5 deputados. Já
o Partito Democratico_PD,
coligação de centro-esquerda no poder, filiada no grupo socialista europeu e
que se distanciou das políticas de austeridade, vence com 40.81% dos sufrágios
e elege 31 deputados, quando antes alcançara 26,3% e 21 eleitos. Os liberais
filiados no ALDE, que detinham 7 lugares, desaparecem do parlamento. E emergem
duas novas forças políticas: uma coligação de esquerda radical: L’Altra
Europa – Con Tsipras, que apoiou a candidatura do líder grego do Syriza a
presidente da Comissão Europeia, com 4.03% dos votos e 3 eleitos; e o Movimento
Cinque Stelle, criado em torno da figura carismática do comediante Beppe Grillo,
crítico do sistema político e da sua corrupção, e que associa posições como a
defesa da democracia direta via Internet com consignas políticas contra a
emigração, alcançando 21.15% dos votos e 17 deputados.
Na Grécia,
realizaram-se em simultâneo eleições para o parlamento europeu, para os
governos municipais e para os governos regionais. Os seus resultados confirmam
o ocaso dos socialistas do PA.SO.K., que passam de 36.65% e 8 deputados, para apenas 8.02% e 2
assentos, integrados na coligação Olive Tree-Democratic Allignement. A New
Democracy_ND, que governa, viu os seus resultados de 32.29% e 8 deputados, cair
para 22.71% e 5 eleitos. A
coligação denominada SY.RIZ.A. _Coalition
of the Radical Left (Renewd Communist Ecological Left, Internationalistic Labor
Left, Communist Organization of Greece, Coalition of the Left of the Movements
and of the Ecology) sobe ao primeiro lugar, passando de 4.7% e 1 deputado, para
26.60% e 6 eleitos. Nos
extremos, o partido comunista K.K.E., desce de 8.35% para 6.07%, conservando
embora os 2 deputados. Trata-se de um partido que já teve o dobro da influência
eleitoral e se carateriza por uma oposição que não admite coligações e acordos
com outras forças políticas e sociais, com grande influência nos renascido
movimento comunista internacional. E. no outro extremo, a ascensão dos ultra nacionalistas do
X.A. Golden Dawn, que atingem 9.38% e 3
deputados, já condenados pela justiça grega pelo uso de violência política
contra os seus adversários e os emigrantes. Anote-se, no entanto, que esta ascensão é
acompanhada pelo desaparecimento na área da direita ortodoxa do LA.O.S._ Popular Orthodox
Rally, que obtivera 7.15% e 2 deputados.
E refira-se que um novo movimento socialista, To Potami (A margem) obtém 6.61%
e 2 eleitos e os Verdes perdem o seu único representante.
Nas eleições municipais
e provinciais gregas, o avanço do SY.RIZ.A.
é notório, e pode ser simbolicamente evidenciado com a conquista da região da
Ática, que inclui a área metropolitana de Atenas, tendo perdido a eleição para
a Câmara da capital grega por escassa margem, a favor de uma outra coligação de
esquerda, 48,2%-51,8%. Mas a Nova Democracia conserva a sua liderança nas
regiões rurais e no apuramento nacional, com 26,3% e a queda do PASOK na
votação nacional para os municípios não é tão acentuada, situando-se nos 16,2%.
A composição do novo
Parlamento Europeu, agora com 751 deputados em vez dos anteriores 766, segundo
os seus grupos políticos, fornece-nos uma síntese final: O PPE conservador
baixa de 35,76% e 274 eleitos para 28,36% e 213 deputados, a maior perda de
todos os grupos políticos, com os seus líderes associados à política da Troika
e de austeridade. O S&D socialista desce de 28,36% para 25,56% mas aumenta
o número de deputados de 191 para 196 eleitos. O ALDE liberal cai de 10,83% e
83 deputados para 8,52% e 64 eleitos. Os
VERDES ecologistas sobem de 6,92% e 52
deputados para 7,44% e 57 eleitos. O CRE, também conservador mas situado mais à
direita, cai de 7,44% e 57 deputados para 6,13% e 46 eleitos. O
GUE/NGL comunista e da esquerda radical cresce de 4,57% e 35 deputados, para
5,59% e 42 deputados. O EFD liberal de direita sobe de 4,05% e 31 deputados,
para 5,06% e 38 deputados. Não inscritos em qualquer grupo político estavam 33
eurodeputados com 4,31% dos votos em 2009. Serão agora 41 eurodeputados,
representando 5.46 % dos votos. Mas no parlamento atual tomam lugar outros 64
eurodeputados, representando 8,52 % dos votos, com predominância de partidos de
extrema-direita que vão procurar organizar-se como um novo grupo político.
Os politólogos, que nos
lavam o cérebro nas televisões, ainda acham que o problema é de escolher entre
Costa e Seguro, para perpetuar o sistema do monopólio de dois partidos? O
Presidente da República julga que, ao não antecipar as eleições, ganha tempo
para salvar PSD e CDS do isolamento e decomposição e entregar a bandeja do
poder absolutista nas mãos dum PS que lança os seus líderes ao pântano ou
abate-os pelas costas, sem cuidar de uma nova política para a Europa e para o
país? O surgimento eleitoral de novos partidos pode ser, afinal, não o início
da instabilidade, mas a última defesa contra a crise geral nacional e o caos
social que se anunciam, uma vez mais gerados pela voracidade e a derrocada do
sistema financeiro, e a degeneração dos partidos tradicionais.
Estamos em presença de
um fenómeno estrutural europeu, que, como as ondas de choque de um terramoto,
chega mais tarde mais não mais fraco à nossa finisterra ( olhem para a Espanha!). A “Jangada
de Pedra” regressou mudada à velha Europa.
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