26.4.14

Como a revolução democrática de Abril de 74, em Portugal, influenciou o mundo


A guerra colonial foi o maior crime do regime fascista de Portugal. Custou à nação portuguesa mais de 9.000 mortos e mais de 100.000 feridos (proporcionalmente mais perdas que os americanos no Vietname) e fez um número superior de baixas nos povos e guerrilheiros das três frentes militares, Angola, Moçambique e Guiné.
Foram 13 anos de esforço de guerra e também de perca de imensos recursos financeiros, num país que continuava a ser o mais atrasado da Europa ocidental: paradoxalmente, o regime colonial português, caracterizado por um nível muito baixo de desenvolvimento económico e social, promoveu na altura um surto de crescimento nas suas colónias, com base numa economia de guerra assente na exploração dos diamantes e do petróleo angolano e outras matérias-primas, novos serviços e uma ampliação do mercado reservado às mercadorias provenientes da metrópole, não só para financiar o esforço bélico mas também para criar uma base social ampliada para a evolução neo-colonialista.

A descolonização, objectivo prioritário da revolução de Abril, provocou o regresso à metrópole de mais de 500.000 “retornados”, a maioria pertencente às classes trabalhadoras e à pequena burguesia, incluindo funcionários e empresários que perderam a maior parte dos seus bens, abrindo então os mercados coloniais a novas potências. Não obstante e graças à sua cultura de trabalho e empreendedorismo e em conformidade com o espírito de solidariedade que predomina na consciência popular nacional, e também com medidas de apoio dos governos democráticos pós-25 de Abril, a integração foi total e exemplar, contrastando com outros casos europeus, marcados pelo sectarismo, a intolerância e até o confronto violento. 

A democratização do país e a descolonização não mudaram apenas a correlação de forças no sul da África, em resultado da independência de Angola e Moçambique (1975), que deixou a Rodésia racista sem retaguarda, deu apoio à independência da Namíbia e isolou o regime de apartheid da África do Sul.

A derrocada dos regimes fascistas, militaristas e do apartheid contemporâneos, seguiria então um processo semelhante ao da revolução democrática portuguesa, impulsionado por crescentes ondas de manifestações e protestos populares pacíficos, que enfrentaram a repressão e enfraqueceram as ditaduras militares e oligárquicas, da Espanha à Grécia, ao Chile e Argentina, na Indonésia e Timor ou na África do Sul, talvez porque a revolução democrática tardia, no Portugal colonialista e fascista, que fez estremecer a Europa em 1974/75, tenha avisado as classes dominantes que a luta pela democracia e pela paz pode conduzir aos mais imprevisíveis resultados, tal como previa o XIX Congresso do PCUS (1951) e a estratégia delineada por Álvaro Cunhal para o VI Congresso do PCP (1965).

O processo histórico que na década de 90 do século XX viria a derrubar as repúblicas “socialistas e populares” foi igualmente acompanhado de grandes movimentações operárias e populares, ou da nova e mais numerosa classe média, que não tiveram de passar pela guerra civil para provocar a mudança de regime, facto novo na história das revoluções ( e contra revoluções) modernas, um caminho que a revolução de Abril de 1974 abriu, através da acção política independente e muitas vezes espontânea, de grandes massas populares,  transformando o movimento subversivo liderado pelos capitães_MFA (Movimento das Forças Armadas) numa revolução democrática.  

Será então possível ultrapassar o papel da violência na História e encontrar uma nova estratégia para realizar as utopias políticas que configuram o advento das democracias liberais e socialistas? Voltaremos mais adiante a esta questão, para aprofundar a resposta.

Em condições de ausência da democracia, seja o militarismo dos generais brasileiros ou o autoritarismo dos burocratas polacos, os sindicatos evoluíram para autênticas frentes políticas e assumiram um papel decisivo na mudança de regime, no Brasil e na América Latina, como na Polónia e no Leste europeu. E, mais recentemente, na Tunísia. Nos países submetidos às ditaduras militares e fascistas, esse foi o papel dos partidos de esquerda e frentes democráticas.

Em Portugal, acresceu outro fator, determinante da queda do regime fascista: a guerra colonial prolongada. Na Argentina, seria a aventura militar dos generais com a ocupação violenta das ilhas Malvinas, ainda sob soberania britânica, e a guerra curta e sangrenta que se lhe seguiu, a precipitar a queda do regime.

A História viveu sempre destes paradoxos: as guerras, por mais brutais, são impotentes para garantir a paz perpétua. Mesmo o recurso às modernas tecnologias militares que produziram armas de destruição massiva, nucleares ou biológicas, significaria, para os vencedores, o primeiro e irreversível passo no holocausto da Humanidade e da Vida. Todas as contradições e oposições de classe e nacionalidade conduziram, ao longo da História, e ainda mais carecem num mundo em perigo que é o do presente e do futuro, a uma solução política!

Evocando Engels e Mandela, a propósito da violência política


 Repetimos a angustiante pergunta com que iniciámos esta reflexão: Será então possível ultrapassar o papel da violência na história e encontrar um novo caminho para realizar as utopias políticas que configuram o advento das democracias liberais e socialistas? A história moderna diz-nos que não, mas a história contemporânea mostra-nos que nos elos fracos do atual sistema de poder imperialista e autoritário, quanto maior é a consciência e a ação política dos cidadãos, do povo-cidadão e a solidariedade dos povos de todo o mundo, quando mais democráticos forem os exércitos, as polícias e os tribunais e a comunicação social, menor é o sacrifico, a dor e o sangue derramados ( em Timor como na Roménia, já que em Portugal, o terreno da luta violenta foram as suas colónias). E a história recente ensina-nos que, quando mais democrática, na aplicação dos 30 princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, mais instruída e aberta e multicultural for uma nação, melhor se defendem ou alargam as conquistas democráticas.

Nenhuma revolução pode conservar as suas conquistas se não se preparar para enfrentar os seus inimigos. A legítima defesa da vida, quando ameaçada de morte, conduz o ser humano ao mais terrível dos dilemas e, como ele, os povos revolucionários: não desarmar a revolução significa substituir o exército de caserna e mercenário por um corpo de profissionais e voluntários politizado, interclassista, preferencialmente assente no serviço militar universal apenas limitado pelo respeito devido aos objetores de consciência e outros pacifistas ( a extinção do denominado “serviço militar obrigatório” é um passo atrás na democratização das forças armadas e um erro crasso da esquerda); forças armadas onde prevaleçam igualmente os Direitos Humanos e as liberdades e direitos fundamentais da democracia. Partidariamente neutrais e orientadas estrategicamente para evitar a guerra e proteger a soberania nacional, enfrentar as catástrofes humanitárias e para as tarefas de pacificação dos conflitos, estendendo esta cultura às forças policiais e a todo o aparelho repressivo do estado. Cada avanço na democratização das forças armadas e policiais, na sua consciência política democrática e ambiental, tal como o reforço do direito internacional e a democratização do aparelho judicial à escala do país, resultarão num ganho estratégico contra a ameaça de corrupção e poder arbitrário das oligarquias, a guerra civil fratricida e o holocausto atómico ou bioquímico da Humanidade.

Nelson Mandela escreveu no seu Diário Íntimo:

“A situação real no terreno pode justificar o recurso à violência, que mesmo os homens e mulheres bons podem ter dificuldade em evitar. Mas mesmo nestes casos a utilização da força deverá ser uma medida excecional, cujo objetivo primordial deverá ser o de criar o ambiente necessário para soluções pacíficas. São estes homens e mulheres bons que constituem a esperança do mundo. Os seus esforços e os seus feitos são reconhecidos para além da morte, mesmo para além das fronteiras dos seus países, tornam-se imortais”

Frederico Engels elaborou este mesmo ideário ainda no século XIX, na sua reflexão crítica sobre as ideias do professor Dhüring e acerca do papel da violência na História. A história marxista guardou-lhe um lugar na sombra de Marx e deixou de ler e estudar o seu magnífico e original pensamento, acerca do papel do trabalho na transformação do macaco em homem, a origem da família, da propriedade e do estado, que resgatou o matriarcado e negou o fatalismo histórico que condenava a mulher à subalternidade social, acerca da questão camponesa, que impunha aos revolucionários operários e intelectuais o dever de lutar contra a destruição da pequena propriedade rural brutalmente esmagada pelo crescimento capitalista…

Façamos agora votos para que Mandela atinja a imortalidade.

1 comentário:

Anónimo disse...

Obrigada pela partilha desta reflexão.
paula