20.7.12

Vox populi: “Chamar os bois pelos cornos!”


O mito da confiabilidade dos mercados financeiros

Segundo o relatório do Banco de Portugal os bancos portugueses reduzem cada vez mais o crédito às famílias e empresas, incluindo os setores exportadores e continuam a orientar o seu negócio para a compra da dívida pública nacional, ao adquirirem mais sete mil milhões de euros só no primeiro trimestre de 2012, atingindo assim um valor e um risco de 29,7 mil milhões! Ora o conjunto do valor das ações bolsistas dos bancos privados não chega a valer hoje sequer 3 mil milhões!? Eis uma tendência transversal à zona euro nos últimos meses, com os bancos a aproveitar o excesso de liquidez oferecido pelos leilões do BCE para adquirir ativos com elevadas taxas de juro. Os bancos privados conseguem financiamento a 1% e aproveitam os rendimentos ( ‘yields') dos títulos de dívida pública que, no caso português, rondam os 12%. Mas os bancos nacionais, como a CGD, não têm aquele direito, por força da legislação comunitária!

Entretanto, Vítor Gaspar anunciou, em comunicado enviado à CMVM, o empréstimo de 1,65 mil milhões de euros à Caixa Geral de Depósitos, um banco do estado democrático, portanto, propriedade coletiva dos seus cidadãos, para a sua recapitalização, o que parece adequado e correto; mas também um compromisso de empréstimo de 3,5 mil milhões de euros ao BCP e 1,5 mil milhões de euros ao BPI ao abrigo da linha de recapitalização da banca portuguesa no valor de 12 mil milhões de euros, retirados do resgate financeiro a Portugal. Em que condições? Com que juros? Ao menos iguais aos que a Troika nos impõe? Aos 12% que os títulos de dívida do estado lhes vão render? Receio que não. É segredo de estado!?
Que sistema financeiro é este, irracional, especulativo e de alto risco para depositantes e mesmo pequenos acionistas sem controle sobre a administração e os negócios, em que o estado democrático paga o dinheiro emprestado a juros de agiota e oferece milhões de crédito praticamente sem compartidas?
Ao mesmo tempo os bancos internacionais estão a retirar os depósitos confiados aos bancos portugueses, restando apenas 26,5 mil milhões de euros.
Mas o primeiro-ministro e o seu coro de fiéis seguidores e beneficiários, proclama que os sacrifícios e o empobrecimento são o preço a pagar pela reconquista da confiança dos mercados financeiros! Como se os mercados fossem dirigidos por um venerável conselho de anciãos, senhores da probidade e da justiça monetárias, guardiães de todas as virtudes da honra e da lisura e, em última instância, uma espécie de justos, de quási santos, que nos irão julgar na ressurreição de 2014! Chamemos então “os bois pelos cornos”.

A City londrina

Um desses mercados e paraíso fiscal é a City em Londres. Sigamos a sua história nos últimos 10 anos, utilizando como fonte a revista Time, à procura dos “veneráveis e confiáveis anciãos”. Em 1980 o governo conservador inglês legislou para que os seus bancos e sociedades financeiras se autorregulassem, à margem do estado e do direito. Os trabalhistas de Tony Blair, vitoriosos em 1997, mantiveram esta situação. Mas, já em 1991 o Bank of Credit and Commerce International, fundado por um financeiro paquistanês e presente em 70 países, colapsara deixando por cumprir 20 biliões de dólares em responsabilidades legais. Em 1995 o Baring Bank-Singapure, como resultado das práticas especulativas dirigidas por Nick Leeson, perdeu 1,4 biliões de dólares, provocando a falência do mais antigo banco de investimento britânico. Em 1996 foi a vez do Deutsche Morgan Grenfell, sob administração de Peter Young, acusado de ter feito “desaparecer” 341 milhões de dólares. Em 1999, um dos quadros do Credit Suisse First Boston, James Archer, membro do clube financeiro da elite londrina, The Flaming Ferraris, foi proibido de exercer a atividade bancária depois de ter tentado manipular o mercado Sueco através das ações do grupo Stora Enso. Em 2001, o banco Merril Lynch viu-se na contingência de despedir dois dos administradores de topo, acusados de favorecimentos de clientes em operações financeiras. Em 2002, o National Westminter Bank é acusado pela justiça americana de conspiração com o chefe da Enron’s Finance e de fraude, contra a própria Enron. Em 2008 o Credit Suisse Group, com o seu representante em Londres, David Higgs, abre um buraco de 2,8 biliões de dólares como resultado da sobrevalorização das famosas subprime-mortgage bonds, um dos denominados “produtos derivados” da famosa “bolha imobiliária”, e foi considerado culpado de enganar os investidores. No mesmo ano e envolvida na mesma burla, colapsou a maior seguradora do mundo, a AIG e o seu pilar londrino, de pés de barro, dirigido por Joe Cassano. Ainda em 2008 a falência do Lehman Brothers revelou a existência de um buraco na filial de Londres de 50 biliões de dólares de dívida. Em 2011, é a vez do UBS londrino e Kweku Adoboli serem acusados de falsificação de contas e fraude que fizeram “desaparecer” das contas daquele banco suíço perdas no valor de 2,3 biliões de dólares. Em 2012 o JP Morgan, a partir do seu escritório londrino dirigido por Bruno Iksil, reconhecia perdas que podiam chegar a 5 biliões de dólares, como resultado de operações de crédito de alto risco. E, ainda mais recentemente, o Barclays surge no centro do escândalo de manipulação das taxas LIBOR_ que regulam as transações financeiras: o seu presidente Bob Diamont fica sob investigação judicial, o banco é multado  em 450 milhões de dólares  e a desconfiança sobre a manipulação, no sentido da sua elevação artificial, estende-se ao painel de 18 bancos ocidentais que a fixam em regime de autorregulação, desde o Bank of America , Bank of Tokio-Mitsubichi, USB, BNP Paribas, Deustche Bank
Este é o rosto visível do mercado financeiro da City, onde será difícil encontrar qualquer vestígio da tão proclamada confiabilidade. Um percurso comum de sobrevalorização de ativos e obscuros produtos derivados, uma ambição desenfreada que conduz à irracionalidade, a práticas anti-sociais e anti-económicas, à corrupção política e à amoralidade, que colocou o mundo à beira do colapso em 2008. O que fizeram os governos depois disso para regular a atividade bancária e a submeter ao estado de direito? Nada. E os bancos, autorregularam-se e tornaram transparente a sua atividade? Afirma o diretor do Banco de Portugal, que ela se tornou ainda mais obscura e labiríntica.

Um governo à beira da repulsa popular e nacional

O significado político da greve e da manifestação nacional dos médicos comparo-a, tanto à grande manifestação dos professores contra a política do anterior governo, como às recentes manifestações dos militares, que foram capazes de superar divisões e preconceitos, ocupando o lugar das vanguardas burguesas e operárias que agiam em defesa, não apenas dos seus interesses de classe, mas do que consideravam causa pública e nacional.
O Governo deve ter perdido nessa data a sua maioria política e social, como a perdeu o governo anterior, quando os professores ocuparam as ruas de Lisboa, vindos de todo o país!
Se, como se lê nas notícias, a Confederação do Comércio e a Confederação da Indústria propõe agora ao governo o alargamento dos prazos de pagamento do empréstimo da Troika e a redução dos seus juros, que propagandeados como “ajuda”, representam afinal 35 mil milhões de euros de rendimentos do capital emprestado, alinhando assim com as propostas políticas da esquerda, afinal, em favor de quem pretendem Passos Coelho e Gaspar levar ao limite os sacrifícios do povo e empobrecer o país?
Com a Irlanda, vítima da falência da banca privada, a reclamar uma moratória da dívida e juros mais baixos, pois o proclamado sucesso da sua recuperação irá representar na data final do acordo (2014) a subida da dívida pública para os 250 mil milhões de euros, conduzindo à falência nacional. Com a crise económica e social a agravar-se na Espanha, uma vez mais pela má gestão bancária e a Troika a exigir ao governo conservador a mesma receita que aplicou na Grécia e em Portugal, mas com aquele a reclamar outras condições. Com os partidos conservador e socialista gregos, que atingiram a maioria eleitoral apenas pelo artifício antidemocrático do bónus de 50 deputados ( para o mais votado, mesmo que minoritário), a exigir a renegociação de prazos e juros. Com os bancos de Chipre em colapso e a pedir a intervenção da Troika. Tal como a Hungria, agora governada por uma maioria ultra nacionalista e fascizante. Com a Itália de Monti a reclamar mais do que os eurobonds
A postura política de defender o empobrecimento da nação e aceitar sem resistência a tutela neo-colonial da Troika, de governar contra os funcionários públicos e contra a Constituição, contra os Museus, os seus trabalhadores e a sua Lei de Bases, contra os pequenos viticultores da Casa do Douro; de abandono do mundo rural, escolas, centros de saúde e agora tribunais, novas taxas rodoviárias e a eucaliptização da floresta e do que resta dos terrenos agrícolas;  vendendo os últimos anéis do estado democrático, as empresas rentáveis e socializando as fraudes e prejuízos dos BPN e Cia; afrontando o Serviço Nacional de Saúde, que médicos e enfermeiros defenderam nas ruas, levando o próprio Ministro a afirmar publicamente que não aceita mais cortes no seu orçamento (estes cortes atingiram mil milhões de euros); afrontando os militares e as suas instituições representativas, perante os quais a nação tem ainda uma dívida de sofrimento, sangue e de luto, das guerras coloniais; desrespeitando os direitos legais  e associativos das forças militarizadas e policiais; retirando à Educação outros tantos milhões e impondo o retrocesso pedagógico para turmas com 30 alunos, número que torna impossível ensinar a sua maioria, recuperar os estudantes com dificuldades e põe em risco a disciplina e a qualidade da aprendizagem; um governo que censura e insulta o juiz presidente do Tribunal Constitucional, no exercício do seu dever de julgar a inconstitucionalidade da retirada dos subsídios de férias e de Natal, enquanto se isentaram os rendimentos do capital; que não escuta a palavra severa dos bispos da Igreja, movidos apenas por uma genuína indignação moral, que é o múnus da sua missão…o governo de Passos Coelho e de Portas ( ou de Gaspar?),  está a um passo de se tornar num governo anti-nacional.

Um país à espera de uma alternativa, nacional  e europeia, em razão do povo

Mas o PS não apresentou ao país nenhuma autocrítica da sua política mais recente,  semelhante em quase tudo à da atual coligação, nem assumiu a co-responsabilidade pela criação de uma oligarquia que domina o estado democrático, transfere os recursos do trabalho para as parcerias público-privadas e para a banca e abdicou da defesa da soberania da nação e do desenvolvimento da democracia na Europa.
E o PCP ou o Bloco de Esquerda, tal como os movimentos cívicos, ainda não apresentaram uma alternativa de programa político, de alianças políticas e de governação, capaz de reconstruir o país empobrecido e dignificar o trabalho do seu povo, uma estratégia para orientar a Europa no caminho da paz, da prosperidade e da transição ecológica da sua economia.

Sem comentários: