O mito da confiabilidade dos mercados financeiros
Segundo o relatório do Banco de
Portugal os bancos portugueses reduzem cada vez mais o crédito às famílias e
empresas, incluindo os setores exportadores e continuam a orientar o seu
negócio para a compra da dívida pública nacional, ao adquirirem mais sete mil
milhões de euros só no primeiro trimestre de 2012, atingindo assim um valor e
um risco de 29,7 mil milhões! Ora o conjunto do valor das ações bolsistas dos
bancos privados não chega a valer hoje sequer 3 mil milhões!? Eis uma tendência
transversal à zona euro nos últimos meses, com os bancos a aproveitar o excesso
de liquidez oferecido pelos leilões do BCE para adquirir ativos com elevadas
taxas de juro. Os bancos privados conseguem financiamento a 1% e aproveitam os
rendimentos ( ‘yields') dos títulos de dívida pública que, no caso português,
rondam os 12%. Mas os bancos nacionais, como a CGD, não têm aquele direito, por
força da legislação comunitária!
Entretanto, Vítor Gaspar
anunciou, em comunicado enviado à CMVM, o empréstimo de 1,65 mil milhões de euros
à Caixa Geral de Depósitos, um banco do estado democrático, portanto,
propriedade coletiva dos seus cidadãos, para a sua recapitalização, o que
parece adequado e correto; mas também um compromisso de empréstimo de 3,5 mil
milhões de euros ao BCP e 1,5 mil milhões de euros ao BPI ao abrigo da linha de
recapitalização da banca portuguesa no valor de 12 mil milhões de euros, retirados
do resgate financeiro a Portugal. Em que condições? Com que juros? Ao menos
iguais aos que a Troika nos impõe? Aos 12% que os títulos de dívida do estado
lhes vão render? Receio que não. É segredo de estado!?
Que sistema financeiro é este,
irracional, especulativo e de alto risco para depositantes e mesmo pequenos
acionistas sem controle sobre a administração e os negócios, em que o estado
democrático paga o dinheiro emprestado a juros de agiota e oferece milhões de
crédito praticamente sem compartidas?
Ao mesmo tempo os bancos
internacionais estão a retirar os depósitos confiados aos bancos portugueses, restando
apenas 26,5 mil milhões de euros.
Mas o primeiro-ministro e o seu
coro de fiéis seguidores e beneficiários, proclama que os sacrifícios e o
empobrecimento são o preço a pagar pela reconquista da confiança dos mercados
financeiros! Como se os mercados fossem dirigidos por um venerável conselho de
anciãos, senhores da probidade e da justiça monetárias, guardiães de todas as
virtudes da honra e da lisura e, em última instância, uma espécie de justos, de
quási santos, que nos irão julgar na ressurreição de 2014! Chamemos então “os
bois pelos cornos”.
A City londrina
Um desses mercados e paraíso
fiscal é a City em Londres. Sigamos a sua história nos últimos 10 anos, utilizando
como fonte a revista Time, à procura
dos “veneráveis e confiáveis anciãos”. Em 1980 o governo conservador inglês
legislou para que os seus bancos e sociedades financeiras se autorregulassem, à
margem do estado e do direito. Os trabalhistas de Tony Blair, vitoriosos em
1997, mantiveram esta situação. Mas, já em 1991 o Bank of Credit and Commerce International, fundado por um
financeiro paquistanês e presente em 70 países, colapsara deixando por cumprir
20 biliões de dólares em responsabilidades legais. Em 1995 o Baring Bank-Singapure, como resultado das
práticas especulativas dirigidas por Nick Leeson, perdeu 1,4 biliões de
dólares, provocando a falência do mais antigo banco de investimento britânico.
Em 1996 foi a vez do Deutsche Morgan Grenfell,
sob administração de Peter Young, acusado de ter feito “desaparecer” 341
milhões de dólares. Em 1999, um dos quadros do Credit Suisse First Boston, James Archer, membro do clube
financeiro da elite londrina, The Flaming
Ferraris, foi proibido de exercer a atividade bancária depois de ter
tentado manipular o mercado Sueco através das ações do grupo Stora Enso. Em 2001, o banco Merril Lynch viu-se na contingência de
despedir dois dos administradores de topo, acusados de favorecimentos de
clientes em operações financeiras. Em 2002, o National Westminter Bank é acusado pela justiça americana de
conspiração com o chefe da Enron’s
Finance e de fraude, contra a própria Enron.
Em 2008 o Credit Suisse Group, com o
seu representante em Londres, David Higgs, abre um buraco de 2,8 biliões de
dólares como resultado da sobrevalorização das famosas subprime-mortgage bonds, um dos denominados “produtos derivados” da
famosa “bolha imobiliária”, e foi considerado culpado de enganar os
investidores. No mesmo ano e envolvida na mesma burla, colapsou a maior
seguradora do mundo, a AIG e o seu
pilar londrino, de pés de barro, dirigido por Joe Cassano. Ainda em 2008 a
falência do Lehman Brothers revelou a
existência de um buraco na filial de Londres de 50 biliões de dólares de
dívida. Em 2011, é a vez do UBS
londrino e Kweku Adoboli serem acusados de falsificação de contas e fraude que
fizeram “desaparecer” das contas daquele banco suíço perdas no valor de 2,3
biliões de dólares. Em 2012 o JP Morgan,
a partir do seu escritório londrino dirigido por Bruno Iksil, reconhecia perdas
que podiam chegar a 5 biliões de dólares, como resultado de operações de
crédito de alto risco. E, ainda mais recentemente, o Barclays surge no centro do escândalo de manipulação das taxas
LIBOR_ que regulam as transações financeiras: o seu presidente Bob Diamont fica
sob investigação judicial, o banco é multado
em 450 milhões de dólares e a
desconfiança sobre a manipulação, no sentido da sua elevação artificial,
estende-se ao painel de 18 bancos ocidentais que a fixam em regime de
autorregulação, desde o Bank of America ,
Bank of Tokio-Mitsubichi, USB, BNP
Paribas, Deustche Bank…
Este é o rosto visível do mercado
financeiro da City, onde será difícil encontrar qualquer vestígio da tão
proclamada confiabilidade. Um percurso comum de sobrevalorização de ativos e obscuros
produtos derivados, uma ambição desenfreada que conduz à irracionalidade, a
práticas anti-sociais e anti-económicas, à corrupção política e à amoralidade,
que colocou o mundo à beira do colapso em 2008. O que fizeram os governos
depois disso para regular a atividade bancária e a submeter ao estado de
direito? Nada. E os bancos, autorregularam-se e tornaram transparente a sua
atividade? Afirma o diretor do Banco de Portugal, que ela se tornou ainda mais
obscura e labiríntica.
Um governo à beira da repulsa popular e nacional
O significado político da greve e
da manifestação nacional dos médicos comparo-a, tanto à grande manifestação dos
professores contra a política do anterior governo, como às recentes
manifestações dos militares, que foram capazes de superar divisões e
preconceitos, ocupando o lugar das vanguardas burguesas e operárias que agiam
em defesa, não apenas dos seus interesses de classe, mas do que consideravam
causa pública e nacional.
O Governo deve ter perdido nessa
data a sua maioria política e social, como a perdeu o governo anterior, quando
os professores ocuparam as ruas de Lisboa, vindos de todo o país!
Se, como se lê nas notícias, a
Confederação do Comércio e a Confederação da Indústria propõe agora ao governo
o alargamento dos prazos de pagamento do empréstimo da Troika e a redução dos
seus juros, que propagandeados como “ajuda”, representam afinal 35 mil milhões
de euros de rendimentos do capital emprestado, alinhando assim com as propostas
políticas da esquerda, afinal, em favor de quem pretendem Passos Coelho e
Gaspar levar ao limite os sacrifícios do povo e empobrecer o país?
Com a Irlanda, vítima da falência
da banca privada, a reclamar uma moratória da dívida e juros mais baixos, pois
o proclamado sucesso da sua recuperação irá representar na data final do acordo
(2014) a subida da dívida pública para os 250 mil milhões de euros, conduzindo
à falência nacional. Com a crise económica e social a agravar-se na Espanha,
uma vez mais pela má gestão bancária e a Troika a exigir ao governo conservador
a mesma receita que aplicou na Grécia e em Portugal, mas com aquele a reclamar
outras condições. Com os partidos conservador e socialista gregos, que
atingiram a maioria eleitoral apenas pelo artifício antidemocrático do bónus de
50 deputados ( para o mais votado, mesmo que minoritário), a exigir a
renegociação de prazos e juros. Com os bancos de Chipre em colapso e a pedir a
intervenção da Troika. Tal como a Hungria, agora governada por uma maioria
ultra nacionalista e fascizante. Com a Itália de Monti a reclamar mais do que
os eurobonds…
A postura política de defender o empobrecimento
da nação e aceitar sem resistência a tutela neo-colonial da Troika, de governar
contra os funcionários públicos e contra a Constituição, contra os Museus, os
seus trabalhadores e a sua Lei de Bases, contra os pequenos viticultores da
Casa do Douro; de abandono do mundo rural, escolas, centros de saúde e agora
tribunais, novas taxas rodoviárias e a eucaliptização da floresta e do que
resta dos terrenos agrícolas; vendendo
os últimos anéis do estado democrático, as empresas rentáveis e socializando as
fraudes e prejuízos dos BPN e Cia; afrontando o Serviço Nacional de Saúde, que
médicos e enfermeiros defenderam nas ruas, levando o próprio Ministro a afirmar
publicamente que não aceita mais cortes no seu orçamento (estes cortes
atingiram mil milhões de euros); afrontando os militares e as suas instituições
representativas, perante os quais a nação tem ainda uma dívida de sofrimento,
sangue e de luto, das guerras coloniais; desrespeitando os direitos legais e associativos das forças militarizadas e
policiais; retirando à Educação outros tantos milhões e impondo o retrocesso
pedagógico para turmas com 30 alunos, número que torna impossível ensinar a sua
maioria, recuperar os estudantes com dificuldades e põe em risco a disciplina e
a qualidade da aprendizagem; um governo que censura e insulta o juiz presidente
do Tribunal Constitucional, no exercício do seu dever de julgar a
inconstitucionalidade da retirada dos subsídios de férias e de Natal, enquanto
se isentaram os rendimentos do capital; que não escuta a palavra severa dos
bispos da Igreja, movidos apenas por uma genuína indignação moral, que é o múnus
da sua missão…o governo de Passos Coelho e de Portas ( ou de Gaspar?), está a um passo de se tornar num governo
anti-nacional.
Um país à espera de uma alternativa, nacional e europeia, em razão do povo
Mas o PS não apresentou ao país
nenhuma autocrítica da sua política mais recente, semelhante em quase tudo à da atual
coligação, nem assumiu a co-responsabilidade pela criação de uma oligarquia que
domina o estado democrático, transfere os recursos do trabalho para as
parcerias público-privadas e para a banca e abdicou da defesa da soberania da
nação e do desenvolvimento da democracia na Europa.
E o PCP ou o Bloco de Esquerda, tal
como os movimentos cívicos, ainda não apresentaram uma alternativa de programa
político, de alianças políticas e de governação, capaz de reconstruir o país
empobrecido e dignificar o trabalho do seu povo, uma estratégia para orientar a
Europa no caminho da paz, da prosperidade e da transição ecológica da sua
economia.
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