26.4.12

Europa, a hora das reformas ou da crise geral nacional

Dinamarca…França, Grécia…Alemanha!
Quando se realizaram as eleições gerais na Dinamarca em 2011, a 15 de setembro, para eleger 179 deputados ao Folketinget - o Parlamento da Dinamarca, os povos europeus, esmagados pela austeridade, nem se aperceberam da vitória do Bloco Vermelho (Centro-Esquerda) com 89 lugares conquistados, face ao Bloco Azul (Centro-Direita) com 86 lugares.

 O Bloco Vermelho - Rød blok - de centro-esquerda, é composto pelo Partido Social-Democrata, pelo Partido Popular Socialista, pela Esquerda Radical e pela Aliança Verde-Vermelha.

Mas a notícia recente de que alguns bancos dinamarqueses tinham rescindido os seus contratos com as agências de rating americanas, constitui o sinal de que este poder obscuro do capital financeiro mundial se tornou intolerável, mesmo para os seus pares nacionais.

 O novo programa do PS francês


A política do partido Socialista Francês, do Partido Trabalhista da Grã-Bretanha, do PS em Portugal, do PSOE em Espanha, liberalizou o mercado, contribuiu para que o sistema financeiro passasse a controlar a economia e se instalasse nos paraísos fiscais, reduziu o estado social, apoiou intervenções militares em países soberanos, em nome de uma terceira via que serviu apenas para degradar a imagem do socialismo e virou contra ele grandes massas eleitorais.
Após as derrotas históricas nestes países, os seus dirigentes, sem ideologia nem programa alternativos, mas sobre pressão da opinião pública, do movimento popular e das suas bases, viraram-se para as alternativas políticas e de alianças políticas geradas à sua esquerda, procurando regressar ao poder, pragmaticamente ou por genuína consciência reformadora, a vida e a prática nos dirá. E é verdade que esta viragem visa não só recuperar terreno eleitoral à esquerda, como comprometer e, em última análise, absorver os novos partidos e movimentos de esquerda.
Podemos observar esta evolução política na aliança do PS galego com o BNG no governo regional, do PS catalão com a Esquerda Republicana, mas sobretudo na Alemanha, com acordos parlamentares e de governo com os Verdes ou mesmo com o Die Link ( o partido comunista da RDA renovado) nos estados alemães onde a CDU conservadora saiu vencida. Estes dirigentes socialistas (social-democratas), sob forte pressão das suas bases e do movimento popular, aceitaram defender as reformas nos costumes (despenalização do aborto, casamentos homossexuais…) e evoluíram recentemente para propostas políticas mais globais e reformadoras, como a criação de eurobonds_obrigações europeias que mutualizam parte da dívida, a obrigação do BCE de comprar dívida soberana de cada Estado e, até a extinção dos paraísos fiscais. Propostas aparentemente iguais na forma mas diferentes no conteúdo do que os partidos mais à esquerda vêm defendendo? É o que veremos, sobretudo se esses dirigentes forem confrontados com a pressão do próprio movimento popular.

As votações em favor da direita em Portugal como em Espanha e antes na Alemanha e  no Reino Unido, evidenciam a falência da alternativa política da chamada 3ª via, leia-se a política neo-liberal levada à prática pelos “trabalhistas, socialistas e social-democratas”.

Mas hoje e na França a esquerda, em 50 anos, é pela primeira vez maioritária no Senado. Na Alemanha, como na Itália, a esquerda venceu todas as eleições intercalares. E, de novo em França, 2 milhões de eleitores, após uma vastos e plural debate político que englobou 7 candidatos, votaram nas primárias socialistas para a escolha do seu candidatado às presidenciais, votação que foi aberta a filiados e não filiados que tinham de subscrever um compromisso político e pagar para o efeito um euro!

Finalmente. Hollande ganha a primeira volta e o candidato apoiado pelo partido comunista e outros partidos de esquerda sobe para o dobro da sua tradicional votação.
Analisemos então as propostas do PSF para a Europa, apresentadas pelo vencedor e agora candidato às presidenciais de Março de 2012, François Hollande, no documento intitulado “Le Rêve Français”.
Os eurobonds e a mutualização da dívida contra a especulação financeira : « Au sein de la zone euro, il s'agira de défendre l'instauration des euro-obligations qui permettra à l'union monétaire de faire face aux tentatives de déstabilisation qu'elle subit à travers la spéculation sur les dettes souveraines des Etats en difficulté. »
A  obrigação do BCE de comprar dívida soberana de cada Estado « Je crois aussi que le rôle de la BCE comme prêteur en dernier ressort est une nécessité dans les situations de crises, et je défendrai cette évolution auprès de nos partenaires européens. »
E até, no que respeita à dívida pública francesa, que atinge 700.000 milhões e é acompanhada por um deficit da Segurança Social de 135.000 milhões de euros, a proposta de uma reforma fiscal que irá incidir sobre a unificação de todos os rendimentos e será progressiva em relação com os mais elevados, acompanhada po um programa de reequilíbrio da dívida deferido até 2017, de modo a permitir o crescimento da economia e do emprego.
« C’est la raison pour laquelle je propose une réforme fiscale avec un impôt sur le revenu unifié et progressif qui porte le sacrifice sur ceux qui sont le plus capables de le supporter : les revenus les plus élevés. »
Finalmente, e no que respeita às zonas francas e paraísos fiscais, « Une révision de la fiscalité des territoires sera également introduite et une évaluation strictes de ces niches fiscales, innombrables et baroques sera effectuée afin que n’existe plus de refuges pour des privilèges injustifiés. », uma reforma que conduza ao fim dos seus privilégios.
Este programa foi referendado nestas eleições presidencias e as sondagens dão-lhe a vitória na 2ª volta. Se os social-democratas se vêm compelidos a defender hoje o que recusavam à esquerda apenas há alguns meses, não apenas no governo, mas também na oposição, é porque as alternativas de esquerda fizeram o seu caminho no movimento popular e no eleitorado da França.
Mas atenção, há neste discurso uma outra proposta que procura impor o federalismo orçamental em torno do eixo franco-alemão e dos países fundadores da União Europeia, agora em nome da necessidade de construir um programa de crescimento económico e “de transição ecológica” da economia, contra a recessão e que deixará num segundo círculo de menor cooperação aqueles outros países que não aceitem as políticas defendidas por esse primeiro círculo decisor. E ainda a proposta de entregar ao G 20 ( os 20 países mais ricos) e ao FMI a tarefa de regular os desequilíbrios orçamentais e reformar o sistema monetário internacional, sem mencionar qual será o conteúdo dessa reforma e identificar a instância internacional que a regulará, desvalorizando cada vez mais o papel das Nações Unidas.
 « Je préconise une méthode nouvelle avec la distinction de deux cercles concentriques : les pays fondateurs autour de la France et de l’Allemagne qui définiront une politique commune et les objectifs à mettre en œuvre et un second cercle incluant l’ensemble des adhérents qui participeront selon leur choix aux politiques communes. »
“.. le G20 règlera la question des déséquilibres commerciaux, le FMI devra avoir la responsabilité de la réforme du système monétaire international, le tout sous l'autorité d'une instance politique internationale qui prendra la responsabilité de la résolution de ces questions monétaire, commerciale et financière. »
As contradições internas do eixo franco-alemão têm uma base económica real e é ela que determina a política dos seus líderes: o deficit do comércio exterior francês sobe a 75.000 milhões de euros, enquanto que a Alemanha apresenta um excedente de 150.00 mil milhões. Mas a burguesia alemã está prisioneira do seu próprio sucesso: 2/3 das exportações da Alemanha têm como destino a União Europeia, a sua recessão é o caminho para a crise alemã. E os bancos alemães são também detentores de uma boa parte da dívida soberana. Por isso, mesmo na actual conjuntura, tornou-se realidade a reestruturação, com redução de mais de 50%, da dívida grega!
No entanto, a última cimeira do Conselho Europeu avisa: “Reiteramos claramente que as decisões adoptadas em 21 de Julho e 26/27 de Outubro em relação à dívida grega são únicas e excepcionais.” (Declaração dos Chefes de Estado ou de Governo da Zona Euro. 9/12/2011). Mas os mercados financeiros voltam a colocar a questão na ordem do dia: Países como Grécia, Espanha, Portugal e Itália operam no limite insuportável de juros próximos ou acima de 7% ao ano em títulos de longo prazo. Há três meses, esses juros não passavam, em média, de 4%. O banco britânico Barclays Capital estima que seja necessário um programa de resgate somente para as economias italiana e espanhola, no valor entre  € 500 mil milhões e € 800 mil milhões para os próximos 24 meses, muito mais do que dispõe o FEEF_MEE, Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) e Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), 500 mil milhões de euros (670 mil milhões de USD).

Vejamos agora, o que aconteceu na Convenção do SPD alemão do passado 5 de Dezembro, já que foi este partido, sob a liderança de Scröder, que levou mais longe a conversão dos partidos social-democratas em partidos ao serviço das políticas neo-liberais, no caso da Alemanha, em coligação governamental com a conservadora CDU, num processo políitico classificado e bem como “A política que dirige a Europa é autoritária mas consensual entre a direita e a social-democracia”. E, que nos interessa particularmente, porque a matriz original e o financiamento e suporte político do PS português, é o SPD e a criatura transporta sempre a marca do seu criador.

A figura central do congresso foi o velho líder da esquerda social-democrata e antigo chanceler Helmut Schmidt, opondo-se à austeridade e ao diktat da CDU sobre os países europeus, preconizando ao contrário uma política comum de crescimento e de criação de emprego. “We Germans cannot force our economic or social model on to European partners as model or benchmark, merely offer it as one example among many realities. Without growth and new jobs no state can reorganize its budget.”

O líder parlamentar Steinmeier, que apresentou a moção sobre política europeia, defendeu a o recurso aos Eurobonds antes de 2013, através do Fundo de Resgate Europeu ( mil milhões de Euros), classificando-os como o núcleo criador do Fundo Monetário Europeu. Defendeu a criação de uma taxa sobre as transacções financeiras europeias, para aplicar em medidas anti-recessivas, e a harmonização de taxas, contra a “tax dumping”. que podemos enquadrar na linha de outra proposta de FL, sobre “A criação de regras fiscais comuns como uma taxa mínima para o IRC, para evitar a concorrência fiscal entre Estados”. Sigmar Gabriel, actual líder do SPD e protegido do direitista Shcröder, avalizou esta viragem à esquerda. Mas as eleições federais estão agendadas apenas para 2013!

O Partido Trabalhista inglês, berço da 3ª via, parece ser aquele que mais resiste a uma viragem táctica. Mas, sobretudo ele, não pode ficar indiferente aos mais de dois milhões de ingleses que saíram às ruas na quarta-feira 30 no Reino Unido, contra o aumento das contribuições para a previdência.
Não está nas nossas mãos prever mecanicamente ou evitar o caminho Federalista da Europa.
A luta contra o acordo imposto pelos conservadores alemães, é o combate contra um federalismo fiscal que destrói a independência do estado nação, porque passa a decidir sobre o seu orçamento, que é a base da acção política autónoma do seu governo democrático, esvaziando uma conquista civilizacional secular.
O devir histórico acelera na Grécia
No próximo dia 6  de Maio será a vez das eleições gerais na Grécia. Nas sondagens, os partidos defensores dos acordos com a troika, caem para cerca de 35% dos votos. O povo grego vai eleger uma maioria que exige uma mudança na política europeia, restaurando a soberania das nações e a dignidade na vida dos seus cidadãos.
O suicídio do velho farmacêutico frente ao parlamento grego, e a sua carta de despedida apelando à revolta, é demasiado parecida com o acto de desespero do jovem vendedor ambulante tunisino que se imolou pelo fogo quando a polícia lhe retirou o carrinho com o qual ganhava o seu pão. Na Tunísia, como na Grécia, “os de baixo” já não podem viver como dantes. Mas na Grécia e na europa da união europeia, “os de cima”ainda conseguem viver  como dantes, ou ainda mais ricos, e podem empurrar as forças armadas gregas para um novo golpe de força. Mas, nesse caso, a Europa poderá conhecer a segunda revolução democrática contemporãnea, a primeira, começou em 25 de Abril de 1974 e tal como aconteceu na altura, as suas consequências, no quadro de uma crise geral nacional na Grécia, serão imprevisíveis.
Em qualquer circunstância, a Alemanha conservadora de Merkel cairá a seguir, desta vez  às mãos do seu próprio povo.

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