4.3.22

Parar a Guerra. Desescalar....com Palavras de Luto


Desescalar é, em troca do cessar-fogo imediato e das conversações que conduzam ao fim da guerra, e a mútuas cedências para uma paz justa, suspender as sanções  e a militarização. A crise sobre a instalação dos mísseis, entre a URSS e os EUA, que colocou o mundo à beira da guerra nuclear, resolveu-se com a sua retirada de Cuba e da Turquia e Itália.

Desescalar é assumir a  desilusão e censura à NATO de Zelensky "Fomos deixados sozinhos para defender o nosso Estado", mas responder-lhe que a adesão à NATO é guerra e  a defesa da Ucrânia se pode e deve fazer, se necessário no domínio militar, através das Nações Unidas.

Para a Europa, do Atlântico aos Urais,  desescalar é construir uma aliança autónoma  e dissuasora com as forças democráticas e da paz, que resistem na Rússia e  nos EUA,   reconhecendo-lhes o direto à escolha do seu regime político.

É nesta base política, da defesa do direito da nação ucraniana a existir como país independente, sob a forma de uma Républica multinacional, unitária, federalista ou associativa, soberana nas decisões do povo para escolher o seu regime constitucional,  neutral e integrada nas Nações Unidas, que é possível uma ampla aliança internacional com os povos da Rússia, pôr fim de imediato à guerra e obrigar Putin a recuar, afastando os riscos do caos económico e a ameaça da guerra total.

A natureza política do  partido de Putin: chauvinista, anticomunista e imperialista 

O panorama político da Rússia é  vasto e complexo, representado pelos 14 partidos que concorreram às eleições de novembro de 2021. O partido do governo, Rússia Unida, manteve a liderança nas eleições parlamentares (Duma) com 49,82%, mas pela primeira vez perdeu a maioria dos votos,  o Partido Comunista da Federação Russa (PCRF) com cerca de 20%. e 96 deputados, tonou-se a principal força da oposição. Votaram 50% dos eleitores.

Neste novo contexto, a estratégia político-militar que conduziu à invasão da Ucrânia, por iniciativa do partido de Putin, foi determinada não apenas pelo confronto com a estratégia dos EUA de fazer avançar a NATO até às fronteiras da Rússia, mas também pelo crescimento desta oposição interna, sobretudo do PCFR. O seu discurso,  instrumento de um novo poder capitalista oligárquico que repartiu as empresas estatais, assumiu com a  invasão um acentuado cariz anticomunista e imperialista: condenando a criação da URSS, que permitiu fundar a República Popular da Ucrânia e a integração do Donbass no seu território, obra dos comunistas em detrimento da Rússia imperial, segundo Putin.

O que terá precipitado a invasão em maior escala? Citemos primeiro o major-general Carlos Branco: “Dirigentes e analistas políticos russos – incluindo reformistas liberais – têm vindo ao longo dos anos a avisar, que tornar a Ucrânia ou a Geórgia clientes securitários dos EUA ou membros da NATO seria cruzar uma linha vermelha, que resultaria um perigo de guerra…advertências ecoadas por Kennan, Kissinger...”

O partido de Putin,  avaliou a capacidade militar e a resiliência económica e financeira da Rússia, como capaz de enfrentar as sanções económicas e qualquer ameaça militar, e avançou para pôr fim pela força à expansão da NATO para leste, como já o fizera, numa escala menor, na crise da Geórgia. Transformou, ao mesmo tempo, esta invasão numa arma contra o PCFR e a oposição, com o objetivo de os comprometer e dividir.

O parlamento russo (DUMA)  apoiou por unanimidade o reconhecimento e defesa das Repúblicas independentes, mas foi ignorado na decisão de invadir a Ucrânia. Como o  Senado é controlado pelo Partido de Putin,  e detém o poder constitucional de autorizar as forças armadas a intervir no estrangeiro, o presidente reuniu-o à porta fechada e obteve o seu apoio.

Mas a invasão resultou num paradoxo político: serviu a doutrina intervencionista dos governos americanos, proporcionando-lhe uma vitória estratégica. Os seus teóricos (Mackinder, Kennan, Spykman, Brzezinski): para manter a hegemonia dos EUA preconizam desde há mais de um século a necessidade de controlar a Eurásia e impedir a Alemanha  e a Rússia de  contruírem um espaço comum de desenvolvimento económico, que lhes permitiria construir também o seu poder militar autónomo.

A  escalada  armamentista e das sanções conduz à crise global e à guerra total

Na origem recente do conflito há dois problemas políticos de natureza geoestratégica, que envolvem os EUA e a Rússia e dois povos em sofrimento, que Putin explorou a ser favor para aumentar a sua base social de apoio. Para a perder, estes dois problemas têm de ser resolvidos definitivamente pela negociação:

Primeiro- A iniciativa (2008) dos EUA de integrar a Ucrânia da NATO, como pivô geopolítico ( a estratégia intervencionista referida) para isolar a Rússia e reduzi-la ao estatuto de país menor.

Segundo_ A questão do Donbass_ habitada historicamente por 8 milhões de russos, integrada na Ucrânia com a fundação  URSS, no início dos anos 20 do século passado, que, ao não aceitar o governo imposto  pelo golpe militar de 2014, sofreu uma ofensiva militar conduzida pelos batalhões Azov, de tendência neonazi, um dos instrumentos desse golpe, depois integrados na Guarda Nacional ucraniana.

A Crimeia, após referendo, regressou à Rússia, mas as autoproclamadas Repúblicas Populares de  Lugansk e Donetsk, continuaram a viver em estado de guerra, reduzidas a metade do território e, na outra metade, a sua população viu proibido o ensino do russo nas escolas, também banido dos serviços públicos. As minorias  romena e polaca sofreram a mesma provação. A ofensiva e o cerco dos batalhões Azov que continuou, provocaram mais de 5 mil mortos e 10.000 feridos, milhões de deslocados e refugiados, sem apoio nem solidariedade internacional, cidades e aldeias bombardadas, e a sua economia, que era a base industrial da Ucrânia, devastada.

“…o presidente foi derrubado em 2014 através de um golpe de estado orquestrado por Washington, perpetrado por grupos paramilitares neonazistas, colocando no poder grupos nacionalistas ucranianos anti russos”, reconhece o Major General Carlos Branco, um oficial de topo que serviu na NATO e acompanhou os mais recentes conflitos. A União Europeia reconheceu o novo poder golpista.

O partido político de Putin, justificava então a sua política hostil ao governo pró-EUA, com base nestes factos históricos e usou-a para recuperar a sua influência política. na Rússia

Os acordos de Minsk (2014/2015) suspenderam temporariamente a guerra contra os russos da Ucrânia.  O atual presidente, apoiado nos seus princípios, venceu as eleições com base num programa de pacificação e unificação da nação ucraniana_ “Vocês conhecem as nossas principais prioridades: acabar com a guerra, trazer de volta os prisioneiros e derrotar a corrupção”, proclamou, e o seu partido obteve 44% dos votos nas legislativas de 2019. No entanto, mais de 50% da população ucraniana já não votou.

O governo não realizou esse programa. E a opção de  adesão à NATO prevaleceu.

O Partido de Putin provocou a escalada atual. A UE respondeu  lançando a economia  no mar ignoto e abismal de sanções nunca experimentadas, sem  lhes associar  uma solução política. 

Bombardear indiscriminadamente a povo russo com sanções e em todos os domínios do intercâmbio internacional, é confundir o partido de Putin com a maioria do povo russo, que já saiu à rua contra a guerra. Putin agradece, aos falcões políticos, que oferecem/vendem ao povo da Ucrânia as  armas mais letais e a vaga promessa de entrada na NATO, mas, ao pedido de adesão à UE, respondem com o cinismo dos burocratas: ”Não está na agenda!? Então, abram-na, que, obviamente, o processo tardará.

Mas, sobretudo, deviam ter ouvido os investigadores militares, que estudam a guerra, para ganhar a paz.

O espectro da crise global e da guerra total paira agora sobre o mundo: 

“O Banco Central da Rússia, subiu de 10,5 para 20 %, as taxas de juro…. A taxa de câmbio do dólar disparou para 140 rublos por um dólar, o euro - para 130 rublos por euro… A Bolsa de Moscovo suspendeu temporariamente a sua atividade… Sob o novo decreto, os exportadores russos são obrigados a realizar 80% das receitas em divisas… Os residentes estão proibidos de realizar operações de câmbio para fornecer moeda estrangeira a não residentes… milhares de mercenários estrangeiros de empresas militares privadas já chegaram à Ucrânia…  Cotação do trigo (Milling Wheat) para entrega em março estava a subir 17,3% para os 334,75 euros por tonelada métrica, segundo dados da Euronext… Preço do gás natural sobe 26% e petróleo agrava valorização…Depois de uma subida de 4%, o Brent, a referência para a Europa, subia 5% para 102,90 dólares por barril, o que corresponde a um máximo desde 2012. Já o crude WTI, que é referência para os Estados Unidos, subia para 5%, negociando nos 96,20 dólares…As bolsas europeias continuam a negociar em queda, com as maiores desvalorizações a acontecer na praça de Paris (-2,86%), mas também na alemã (-2,20%), ou na de Londres (-1,1%)…A bolsa de Lisboa apresenta a menor queda europeia, a cair 0,17%, depois de ter iniciado a sessão a perde 1,7%.... Nos Estados Unidos, o índice bolsista  Dow Jones caía 1,29%, o índice eletrónico  Nasdaq perdia 0,59%, e o S&P 500 deslizava 0,98%... A Alemanha, enviou mísseis antitanque e terra-ar. A União Europeia,  comprometeu-se a enviar equipamentos letais no valor de 450 milhões de euros. Até o pequeno Luxemburgo está a enviar jipes, tendas e  mísseis antitanque NLAW...Putin colocou as forças nucleares em alerta máximo…

...Google, Facebook, Instagram...juntam-se ao boicote e proibição  da informação  oficial russa, decretada pelo Conselho da União Europeia....Diante das ameaças de desistências e da crescente animosidade na Vila dos Atletas, os organizadores (Comité Olímpico) dos Jogos Paralímpicos de Inverno na quinta-feira reverteram o curso e expulsaram os atletas da Rússia e da Bielorrússia...

Palavras de Luto

As críticas do presidente ucraniano à recente cimeira da NATO, que recusou o seu apelo de intervenção militar da aliança no espaço aéreo da Ucrânia, criando uma zona de exclusão da aviação russa, são extremamente duras e traduzem o reconhecimento de que o governo ucraniano foi conduzido a esta situação poe aliados poderosos (NATO/EUA),  que não mediram corretamente o perigo de conflito com a Rússia.

A NATO não é uma organização democrática, nem colegial entre pares ou sequer de defesa. Antes, mas sobretudo após a queda da URSS, transformou-se no braço armado e numa capa das intervenções militares dos EUA. O seu Secretário-Geral, que é uma figura decorativa, sem poderes reais,  respondeu ao presidente ucraniano que ajudar a Ucrânia a proteger o seu espaço aéreo exigiria que as forças da NATO atacassem aviões russos, o que poderia resultar  numa “guerra global na Europa, envolvendo muitos outros países”. “Nós não fazemos parte deste conflito”, disse ele. “Temos a responsabilidade, como aliados da NATO, de impedir que esta guerra se escale além da Ucrânia, porque isso seria ainda mais perigoso, mais devastador e causaria ainda mais sofrimento humano”. Pela sua voz, falou o governo dos EUA

A resposta do presidente ucraniano retoma, mas vai politicamente mais longe, a proclamação de desilusão e censura à NATO,  do dia da invasão: "Fomos deixados sozinhos para defender o nosso Estado",  "Quem está pronto para lutar ao nosso lado? Não vejo ninguém. Quem está disposto a dar à Ucrânia uma garantia de adesão à NATO? Todos têm medo". Agora o presidente ucraniano coresponsabiliza a NATO pela morte trágica dos seus soldados e civis: “…hoje (05/03) houve uma cimeira da NATO, uma cimeira fraca, uma cimeira confusa…”. Acrescentando que “...todas as pessoas que morrerem deste dia em diante também morrerão por sua causa, por sua fraqueza, por sua falta de unidade”.

Em paralelo, é o próprio presidente dos EUA que anuncia, em seguida, que está a negociar com a Polónia e a Roménia a cedência dos seus jatos à Ucrânia, arriscando de novo  estender o conflito a mais nações, como já o fizera antes ao pressionar os países da União Europeia para fornecer/vender mais armas ofensivas à Ucrânia, o que servirá apenas para que mais ucranianos e russos se façam matar. O resultado é de duvidoso valor moral e militar.

A NATO, os EUA, podiam desescalar o conflito com uma simples declaração política: anunciar que aceitam resolver através da negociação o diferendo sobre a sua expansão a leste!

A sua posição política atual equivale a uma condenação à morte para milhares de seres humanos: “Lutem e morram sozinhos, com as armas que vos vendemos/entregamos”.

Inclino-me respeitosamente, de luto,  perante o sacrifício supremo do povo ucraniano, ao resistir ao invasor. Inclino-me perante a morte dos jovens soldados russos, mobilizados para defender o Donbass, mas atirados traiçoeiramente para uma guerra fratricida.

Tirem vocês, os meus concidadãos de Portugal e do mundo, que leram estas fracas palavras, as consequências políticas.

Um vento de loucura coletiva, empurra o espectro da crise global e da guerra total para o coração do Homem!

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