22.5.21

Leitura crítica das Moções à Convenção do BE/2021

O texto anexo foi enviado ao jornal digital Esquerda.net em 24.03.2021, onde o seu autor publicou esporadicamente 4 ou 5 artigos, com o pedido de publicação, reiterado por duas vezes, sem que tenha obtido resposta ao porquê dessa recusa. Aqui o apresento, no original.


Aos ativistas do BE e a todos os que não desejam a sua falência política

“Pode alguém, ser quem, não é?” 

Leitura crítica das Moções à Convenção/2021, por um não inscrito no partido

Resumo:

Agora, o BE e o PCP, parecem querer dar razão, fora de tempo e contexto, à direita e à sua metáfora da “geringonça”. E reduzir a aliança política contra a intervenção antidemocrática e antinacional da Troika e dos seus seguidores em Portugal, a um mero arranjo pragmático e conjuntural.

Em que se fundamentam? Numa falácia política, que os ideólogos e políticos da direita sopram em todos os órgãos de comunicação social e nas redes sociais: O BE e o PCP perderam votos depois dos acordos com incidência parlamentar e de apoio á constituição dos governos PS, logo, esses acordos são as causas das perdas eleitorais daqueles partidos em benefício do PS.  

Já alguém fez essa pergunta fora do BE e do PCP, aos seus eleitores e simpatizantes? No meu círculo social, que nada prova, eu fiz e a resposta não foi essa. Foi diferente.

…/…

Esta visão política está certamente na raiz do voto contra o Orçamento de Estado para 2021… e na ausência de uma estratégia para articular, com tempo, tenacidade e um programa comum, um candidato à Presidência da República, que afirmasse na cena política nacional a aliança de esquerda representada pela social-democracia de esquerda do PS, com as correntes políticas representadas pelo BE, PAN e o PCP, Livre e independentes, projetando-a depois nas eleições autárquicas.

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Foi esta tática isolacionista, que favoreceu, essa sim, a política centrista no seio do PS, que não é a da liderança de Costa e trabalha para a sua substituição, conduzindo ao afastamento temporário de muitos dos eleitores e simpatizantes do BE e a uma pesada derrota eleitoral, que vai criar-lhe dificuldades acrescidas nas próximas eleições autárquicas. Em reforço desta análise, recordemos os manifestos locais de figuras ligadas ao PS em favor do voto no candidato da CDU.

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A discussão da situação internacional, reservada para uma minoria, mais intelectualizada ou a sua secundarização por essa minoria, não é uma questão de somenos importância, sobretudo nesta fase de desenvolvimento da globalização.

No que ao BE se refere, já o escrevi antes, num artigo publicado pelo vosso jornal, com o título “Resistência e alternativa: A esquerda europeia e a crise da dívida. Contributo de António dos Santos Queirós. 26 de dezembro, 2011, que fazia a crítica do artigo homólogo de Francisco Louçã. O meu texto postulava: “Mesmo que a esquerda fora do Bloco o ignore (ao texto de FL), ele fará o seu caminho. Pior seria que os militantes do Bloco não lhe dessem a atenção que merece.” Passaram dez anos e não deram!

Tal atitude (de menosprezo pelo debate da situação internacional) conduziu no passado, e com reflexos até ao tempo atual, à divisão em Portugal e no mundo, das forças políticas democráticas, socialistas e progressistas, á sua desmoralização e desprestígio, e enfraqueceu a resistência à ascensão do fascismo e da guerra!

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Tal não é inevitável (a ascensão da extrema-direita), mas a crise económica e social em desenvolvimento favorece o seu crescimento, graças ao espaço que ganhou na comunicação e nas redes sociais, a financiamentos poderosos e á estratégia de eutanásia política do próprio PSD. 

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Em tempos ameaçadores, é dever dos socialistas internacionalistas baixar as suas bandeiras e reerguer as bandeiras da democracia liberal e da soberania nacional, abandonadas pelos seus antigos portadores, prosseguindo com elas em direção à sua utopia.

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As frentes únicas e frentes amplas, que este texto preconiza, não são propostas táticas ou de manobra eleitoral, constituem uma resposta estratégica para enfrentar a crise geral da nossa civilização, ameaçada por graves perigos mortais, só comparáveis aos trágicos acontecimentos que anunciavam a II Guerra Mundial_ hoje consubstanciados na crise ambiental, de que a pandemia do COVID 19 faz parte, a guerra, com a utilização de armas de destruição em massa, o crash financeiro mundial e, no imediato, visam restituir a cada país e a todas as nações, o direito a escolher o seu próprio modelo de regime democrático e o caminho original para um futuro comum de paz e progresso!

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Espero que, agora, os deuses do Olimpo bloquista sejam favoráveis à leitura deste longo texto!

A natureza política do BE e o balanço da sua atividade partidária

Do meu debate com os ativistas e simpatizantes do BE, eleitores fiéis e flutuantes, recolhi e sistematizei as conclusões seguintes, agrupadas sobre este primeiro título/tema e pelo título seguinte, que parecem ser corroborados pelo conteúdo das Moções C, E, N e Q. Outras conclusões estão dispersas pelo texto.

O BE construi-se como um partido de ação parlamentar, nem socialista/comunista nem democrata liberal, nem ecologista. E assim permaneceu, na ala esquerda da social-democracia nacional e internacional, perto do UnidosPodemos e do Syriza, mas, ao contrário destes, bem longe de uma estratégia para a conquista do poder de governar e longe esteve da ecologia política.

Um partido da esquerda constitucionalista e não de extrema-esquerda.

Na sua nebulosa de dirigentes e ativistas fundadores, refletiram-se então todas as cores da democracia e do socialismo, mas a vermelho-dourada, que representaria os bloquistas/comunistas, desapareceu progressivamente.

Parlamentarizarão. mediatização e burocratização

O parlamento é tudo e a mediatização quase tudo.

Com o tempo e os sucessos eleitorais, a ação política organizada entre os trabalhadores das camadas mais baixas, os operários nas fábricas e outros empregados nas empresas de serviços, nos sindicatos, foi perdendo relevância interna e desaparecendo, enquanto se gastava o capital político pessoal acumulado pelos militantes e sindicalistas de antes da constituição do Bloco e doutros que vieram juntar-se-lhe, deixados à sua própria iniciativa. O referencial da resistência antifascista e dos revolucionários de 74/5 de ixou de ter peso político. A ascensão dos novos líderes partidários, seria agora medida pela sua projeção mediática.

No campo, entre os agricultores e trabalhadores rurais (com muitos novos emigrantes, desprotegidos), dentro ou fora das suas associações, o trabalho político nunca teve dimensão organizada nacional, permaneceu ao nível das propostas e propaganda política, e dependente da iniciativa individual de alguns ativistas mais conscientes da sua relevância política.

O próprio trabalho em prol de causas progressistas_ dos direitos das minorias, dos precários, contra a discriminação e a violência, étnica, de género, foi deslizando para o terreno mediático e ali já encontrou novos protagonistas, a ocupar o espaço outrora quase virgem.

Até a questão da renegociação da dívida soberana desapareceu da sua agenda política.

Burocratizaram-se os seminários e encontros; mesmo os convocados para debater os problemas nacionais (os incêndios ou a Segurança Social), orientados sobretudo para colher o boneco televisivo com o discurso final dos líderes, desprezando a recolha e ponderação de propostas e ideias: Tornaram-se, assim, politicamente inúteis. A autossuficiência instalou-se e o radicalismo, que justificou o derrube precoce do governo de Sócrates, em convergência de voto com a direita, regressou! E como não haveria de voltar, se nunca houve autocrítica desse passado!?

Sobre a política internacional, o presente e futuro da União Europeia, a crise ambiental, a mudança da natureza da guerra, as estratégias de defesa e da segurança nacional, o novo período da globalização, a evolução da natureza política dos regimes  dos EUA e da China…. um enorme vazio foi alastrando, e o debate e a elaboração coletiva de resoluções políticas sobre temas internacionais, acabaram substituídos por declarações avulsas e encenações mediáticas, tão radicais como inconsequentes.

Dirigentes experimentados e de maior idade, desapareceram da cena política: “Este partido, não é para velhos”?

Sem investigação, estudo e debate político coletivos dos problemas globais do país e do mundo, sem projeto para a sociedade socialista que apregoa, num tempo que não é o do fim da História nem da vitória final da democracia liberal, mas de crise geral da civilização contemporânea, e onde a alienação política se globalizou, o BE vai caindo, caindo sempre, na razão direta do quadrado dos tempos, adversos.

Sopram ventos adversos

A Moção E da Convergência é atravessada por uma crítica clara à sobrestimação do trabalho parlamentar, em detrimento das grandes causas que estão a transformar a maioria dos nossos concidadãos em excluídos, esquecidos e revoltados,
e o mundo numa gaiola traiçoeira onde é difícil viver em paz e sobreviver. Mas com essa crítica, regressou o mesmo pensamento radical e empírico, que atualmente predomina no discurso oficial do BE.

Como questão prévia, importa evidenciar que foi o PCP quem propôs primeiro, entre os partidos da aliança de esquerda, a frente parlamentar para afastar a direita do governo, sustentada por uma aliança política e um programa de contrapartidas mínimas democráticas, que viabilizaria o governo do PS!

Não, não era uma frágil geringonça (a direita ainda hoje paga por essa qualificação errada), mas um programa mínimo de redemocratização do país! Àquele partido, também lhe faltam novos livros e novos mundos, mas tinha mais povo, e esse povo, tal como o povo simpatizante do BE, ganhara consciência dos males e perigos da política austeritária e da ameaça da direita extremista, que se agravaram, entretanto!

Mas, tal povo, que somos nós, ainda não compreendia nem compreende hoje, a situação internacional, nem tem consciência como tal facto limita a sua visão política e a capacidade de decidir o seu destino.

A Frente Única da esquerda contra a política austeritária e neoliberal, e a questão de integrar ou não o Governo da República

Agora, o BE e o PCP, parecem querer dar razão, fora de tempo e contexto, à direita e à sua metáfora da “geringonça”. E reduzir a aliança política contra a política antidemocrática e antinacional da Troika e dos seus seguidores em Portugal, a um mero arranjo pragmático e conjuntural.

Em que se fundamentam? Numa falácia política, que os ideólogos e políticos da direita sopram em todos os órgãos de comunicação social e nas redes sociais: O BE e o PCP perderam votos depois dos acordos com incidência parlamentar e de apoio à constituição dos governos do PS, logo, esses acordos são as causas das perdas eleitorais daqueles partidos em benefício do PS. 

Já alguém fez essa pergunta fora do BE e do PCP, aos seus eleitores e simpatizantes? No meu círculo social, que nada prova, eu fiz e a resposta não foi essa. Foi diferente.

Deixem-me responder de outra forma: o PS, sob liderança de António Costa, ganhou votos, porque cortou com a sua política de apoio aos programas neoliberais que PSD, CDS e PS aplicaram nos últimos 30 anos e a TROIKA exacerbou, até transformar Portugal numa semicolónia, quando lhe retirou a autonomia orçamental. E, sobretudo, porque quebrou o arco do poder à direita e aceitou construir uma nova curvatura à esquerda, guardando embora para si a maior parcela desse poder, ao recusar, até agora, partilhar o governo, o que, paradoxalmente, nunca lhe foi exigido pelos seus aliados.

A atual liderança do PS aprendeu com o ocaso dos PS grego e francês e o decair do outrora todo-poderoso SPD alemão, rendidos ao neoliberalismo. Enquanto o PSOE apreendeu à própria custa, quando recusou coligar-se com o UnidosPODEMOS e, na convocação de novo ato eleitoral (sete meses depois, em 10.11.2019) perdeu 1 milhão e duzentos mil votos.

Já o PSD não aprendeu com os acordos para constituir maioria governamental nas Regiões Autónomas de Espanha, entre o PP, Ciudadanos e a extrema-direita espanhola, que cresceu com eles e á sua custa.  Embora, tal tenha acontecido num quadro de diminuição da votação global da direita, que nas últimas legislativas em Espanha também viu baixar a sua votação em 900.000 votos e, nas regionais da Catalunha (14.02.2021), perdeu conjuntamente metade dos deputados, maioritariamente ganhos pelo PS da Catalunha. A nossa comunicação social omitiu estes dados e destacou apenas o crescimento da extrema-direita nos dois atos eleitorais.

O UnidosPODEMOS, nessas legislativas, não foi penalizado pela sua exigência de participar no governo de Espanha, a sua votação não baixou, se somarmos a sua candidatura e do partido, mais pequeno, que resultou de uma cisão nas suas fileiras.

O PSC foi premiado na votação da Catalunha, pela sua política de alianças à esquerda e pela sua estratégia de substituir a repressão dos movimentos independentistas, pela via da negociação política.

Mas nem estes resultados eleitorais, nem outros que se têm sucedido na UE, têm sido estudados e analisados em Portugal, a comunicação social transmite a perspetiva mais conveniente aos interesses políticos dos acionistas das suas empresas e os partidos da esquerda aceitam-na sem avaliação crítica, nunca consultam rigorosamente e em todas as dimensões as fontes originais!?

A subalternização e banalização da política internacional

No plano internacional, a Moção E afirma que “…os   EUA são o principal fautor dessa instabilidade, com frequente recurso à chantagem belicista e ao conflito comercial, como tem vindo a acontecer com a China, esta também em disputa pela sua afirmação como potência no sistema capitalista global.” A Moção A escreve “…A ditadura chinesa refez-se do impacto inicial e recupera do choque económico, retomando a disputa da liderança do processo de acumulação de capital.”

EUA e China são duas potências com a mesma natureza imperialista, a disputar o mundo e a China é uma ditadura, por favor, fundamentem e demonstrem estas preposições, que no caso da República Popular da China, são comuns a todos os adversários do socialismo, sendo a segunda exclusiva da propaganda da “extrema-direita” anticomunista!? Quais as guerras, comerciais e militares que a China provocou? E porque classificam a China como uma potência imperialista?

Exemplificando: O “ecossocialismo” é uma promessa tardia que não radica na prática de nenhuma das tendências do BE e no texto da Moção E não vai além de generalidades: Enquanto a China, tem vinte anos de transição para o “socialismo ecológico” e a estruturação das primeiras regiões piloto do projeto de Ecocivilização, á escala de 1/5 Humanidade.

Quanto os EUA. Qual é hoje a estratégia hegemónica dos EUA? Que representam as novas tendências no Partido Democrático e no partido Republicano, e como essa situação afeta o Mundo, a União Europeia e nos afeta em Portugal?

Logo a seguir, a Moção A sumaria a iniquidade do açambarcamento das vacinas pelos países ricos e a discriminação dos países pobres, citando a ONU e defende a vacina como “um bem comum” da humanidade. Mas omite, deliberadamente, que essa foi a posição da República Popular da China, reconhecida pela ONU/OMS, desde a decodificação do genoma do COVID19 logo em princípios de janeiro de 2020. Acompanhada pelo acesso livre desta (o genoma) e de toda a informação científica à escala mundial, o que permitiu ás multinacionais farmacêuticas, sem qualquer encargo, avançar para a criação de medicamentos e vacinas. Partilha seguida pela a oferta gratuita de equipamentos de proteção, ventiladores e a ajuda de equipas de saúde, em paralelo com o abastecimento do mercado mundial com  estes produtos,  alcançando  mais de  200 países sem distinção de regime político, (incluindo Portugal, que recebeu das empresas e do governo da China e da comunidade chinesa em Portugal, no momento cítico, tudo o que necessitava  e mais do que foi necessário),  enquanto as as oligarquias das democracias liberais os aferrolhavam nas mãos dos seus governos; e, mais recentemente, a doação das vacinas chinesas a 53 países em desenvolvimento, a exportação das suas vacinas para 22 países, a cooperação para a pesquisa e desenvolvimento da Covid com mais 10 países e o apoio à Aliança Mundial de Vacinais e ao COVAX/OMS,  como nenhum outro país se dispôs a fazer. Anote-se ainda que a China apenas começou a vacinar a sua imensa população, atingindo 50 milhões de pessoas dos 1.400 milhões de cidadãos, e colocou com igual prioridade a solidariedade internacional…

Sim, a crise pandémica permitiu revelar a verdadeira natureza política dos regimes que governam os países do mundo e a ditadura das oligarquias capitalistas que controlam  esses governos, incluindo as democracias liberais mais democráticas: a Itália e a Espanha, países onde a epidemia inicial foi mais violenta, foram abandonados à sua sorte pela UE e pelos países ricos europeus, na primeira fase da pandemia, quando ela ainda se manifestava de forma ligeira no seu seio, como a própria Comissão Europeia o reconheceu mais tarde, em pedido público de desculpas, pela voz da sua presidente.

A Moção. A vem, seguidamente, defender a renegociação da dívida soberana, como condição para recuperar da crise económica e social, mas, uma vez mais, escamoteia que foi o governo da China quem colocou essa questão na ordem do dia da reunião do G-20 e, em consequência, na cimeira do G-7, afirmando a necessidade de a aliviar e mesmo anular, particularmente entre os países menos desenvolvidos, medida que começou  ela próprio a aplicar no caso da dívida dos países africanos e dos países pobres para com a China.

Não discutir de forma organizada e coletiva a natureza do “socialismo com caraterísticas chinesas”, recorrendo a citações e artigos avulsos para alimentar os preconceitos políticos que parecem prevalecer na sua Mesa dirigente, não é sinal de adesão aos princípios da filosofia política ambientalista/ecologista (de que se reclama agora).

Essa filosofia política,  assenta em dois princípios: no princípio da crítica ao antropocentrismo_ recusando que o ser humano foi criado pra reinar sobre a natureza e usá-la sem restrições, tema comum ás 3 grandes religiões do Mediterrâneo, que a ideologia liberal transformou em “leis de bronze do mercado” e num segundo princípio, a crítica do etnocentrismo_ a presunção de que a mossa cultura política é superior á dos outros e justifica que ela lhes seja imposta, etnocentrismo que está na origem de todas as formas de colonialismo, imperialismo e xenofobia, quer os seus teorizadores disso tenham consciência ou não.

A discussão da situação internacional, reservada para uma minoria, mais intelectualizada ou a sua secundarização por essa minoria, não é uma questão de somenos importância, sobretudo nesta fase de desenvolvimento da globalização.

No que ao BE se refere, escrevi-o antes, num artigo publicado pelo vosso jornal, sob o título “Resistência e alternativa: A esquerda europeia e a crise da dívida. Contributo de António dos Santos Queirós.” 26 de dezembro, 2011. E passo a citá-lo!

“Coloco sobre o título do artigo de Francisco Louçã_ FL o tema desta reflexão política, porque nela se apoia e inspira. Para sublinhar, em primeiro lugar, as suas virtudes políticas e potencial de debate, no interesse do fortalecimento da esquerda e no interesse nacional, pois ali são tratadas algumas das questões cruciais para o futuro imediato e para a sobrevivência da nação portuguesa e da sua democracia, no quadro da União Europeia.

O artigo de FL é longo, complexo e estruturado com um estudo muito sério, fundamentado numa base técnico-científica, mas acessível, das questões económicas e políticas. Exige renovadas leituras atentas e uma análise progressiva de todas as importantes questões que levanta. Mesmo que a esquerda fora do Bloco o ignore, ele fará o seu caminho. Pior seria que os militantes do Bloco não lhe dessem a atenção que merece. ”(sublinhado meu)….Passaram dez anos e não deram!

E é irrelevante que o próprio FL tenha mudado de opinião sobre algumas das suas preposições centrais.

Retomo a crítica à menorização do debate sobre a situação internacional: Conduziu no passado, com reflexos até ao tempo atual, à divisão em Portugal e no mundo, das forças políticas democráticas, socialistas e progressistas, à sua desmoralização e desprestígio, e enfraqueceu a resistência à ascensão do fascismo e da guerra!

O meu discurso sobre a China não é apologético nem categórico, mas o resultado de cinquenta anos de atividade política organizada, em tempos de fascismo e de democracia, de estudo da URSS, dos EUA e da China, e de vivência do percurso político destes países. Reconheço, na evolução do meu pensamento político, muitos e graves erros de análise, mas julgo ter identificado as suas causas, como eles foram determinados por informação parcial ou falsa, e o modo como essa contrainformação me chegou, sendo que, paradoxalmente e sobre a China, a fonte principal desses enganos não foi a propaganda da direita e da extrema-direita, mas a esquerda dogmática, que não tem apenas uma cor e um emblema.

Quanto à natureza política do regime americano, que a alternância eleitoral não alterou com a eleição de Obama, classificada como a de uma superpotência que procura manter a hegemonia e não aceita perdê-la, a qualificação da sua política no governo Trump como de “extrema-direita”, peca por tardia e por ser vaga e indeterminada.

Era um governo da oligarquia, com um programa ditado por ela e não de um homem só, mas que grupos económicos e financeiros representava? Dispunha de uma vasta base popular, que inclui segmentos dos pobres dos mais pobres, mas sobretudo das vítimas da automação, robotização e das novas aplicações da Inteligência Artificial, que vão desde a aristocracia operária até a camadas superiores da classe média, que acreditaram na propaganda que a sua queda social é o resultado da emigração, das reformas ambientais e da concorrência da China.

Essa base de apoio cresceu no mandato do presidente derrotado e desmente, com a degradação do seu estatuto social, que a generalização das novas estruturas digitais em todos os campos da sociedade, em regime capitalista, compensem a destruição do emprego como bem essencial da sociedade democrática. Pelo contrário, um coro insuspeito de universidades e entidades sociais americanas, convergem agora na afirmação que, ao déficit de 5,6 milhões de empregos perdidos com a modernização tecnológica durante os governos democráticos e republicanos mais recentes, déficit que a política chauvinista de Trump, reduziu sem conseguir consolidar os novos postos de trabalho,  vão somar-se mais metade dos 40 milhões perdidos com a gestão irresponsável da pandemia, 20 milhões de postos de trabalho substituídos pela automação, robotização e inteligência artificial da última geração, perdidos definitivamente.

Mas o combate político nos EUA fez nascer uma ala social-democrata no Partido Democrático, que já irrompera na candidatura de Obama, mas agora de forma mais orgânica, com um tímido programa social-democrata, que foi negociado com o grupo de Biden em troca da desistência a seu favor do candidato Bernie Sandes.

Se assim for, os países democráticos e socialistas devem convergir numa política que favoreça as forças democráticas que nos EUA se opõem ao ascenso da extrema-direita Republicana e militar.

A clivagem interna nos EUA, deixou de ser entre dois blocos monolíticos demasiado parecidos, eis uma questão complexa a necessitar de muito estudo e que implica mobilizar a União Europeia para esse fim e considerar o papel da China, como possível aliado.

Nas Moções: Duas dúzias de linhas para a situação internacional e…está arrumada! Para analisar, sem demonstrações, um país e um mundo globalizados, onde, quando uma borboleta bate as asas nos Açores…tudo tende para a mudança, neste jardim à beira-mar plantado… na Europa, mas que dela já foi ‘jangada de pedra’!? Olhem, que não!

E sim, as eleições nos Açores mudaram a conjuntura política nacional.

A situação nacional e o abandono da frente única de esquerda nas eleições presidenciais

A Moção A denuncia que a “…aliança que vai dos partidos socialistas aos liberais, de António Costa a Macron, exclui novos avanços sociais do diálogo à esquerda.” E justifica o seu juízo político: “Logo nos primeiros meses de vigência do Orçamento, comprovou-se a sua inadequação nas áreas da saúde, dos apoios sociais e dos abusos laborais, levando o próprio governo a adotar algumas das medidas que, mesmo insuficientes, tinha recusado na negociação com o Bloco”. Acrescentando-lhe uma nova crítica: é uma política que tem sido “Confortada à direita pelo apoio do Presidente da República e legitimada pelo PCP e pelo PAN…”. Concluindo que esta “…política de débeis paliativos permite ao PS expandir-se no centro político”. O PS também se tem expandido no centro-esquerda, dizem-no a evolução política global, incluindo bases eleitorais do PCP e do BE, mas não por causa da falácia dos malefícios da frente única da esquerda.

Esta visão política está certamente na raiz da ausência de uma estratégia para articular, com tempo, tenacidade e um programa comum, a tendência social-democrata de esquerda do PS, com as correntes políticas representadas pelo BE, PAN e o PCP, projetando-a depois nas eleições autárquicas.

Foi essa tática isolacionista, que favoreceu, essa sim, a política centrista no seio do PS, que não é a da liderança de Costa e trabalha para a sua substituição, conduzindo ao afastamento temporário de muitos dos eleitores e simpatizantes do BE e a uma pesada derrota eleitoral, que vai criar-lhe dificuldades acrescidas nas próximas eleições autárquicas.

As análises dos resultados eleitorais, na minha leitura, revelam claramente a falta de estudo rigoroso e crítico da propaganda dominante sobre eles, mas sobretudo o encadeamento desastroso das opções táticas de voto contra o orçamento de estado e do candidato exclusivo. A posição do PCP, que não deixou de negociar contrapartidas políticas em benefício popular para viabilizar o referido orçamento com a abstenção, deverá ter favorecido a resiliência e o crescimento urbano da votação no seu candidato presidencial. Em reforço desta análise, recordo os manifestos locais de figuras representativas da esquerda do PS, em favor do voto no candidato da CDU.

As percentagens obtidas pelo PCP nos 4 distritos alentejanos_ 15, 11.  9, e 7 por cento mostram que o partido mantém a sua influência política, já tendo em conta o nível da irreversível mudança social dos últimos decénios. Ali, onde há um número relativamente grande de eleitores do PCP de idade sénior, uma parte, pode ter ido engrossar a abstenção pandémica e mesmo a votação no reeleito Presidente da República.

Ligeiras descidas percentuais nos 4 distritos alentejanos, enquanto, se tomarmos outros seis distritos representativos das tendências de voto nacionais_ Lisboa, Porto. Coimbra, Braga, Faro, Funchal, Ponta Delgada, subidas em percentagens e em número absoluto de votos, na casa dos milhares, com exceção do Funchal, onde o prestígio do candidato presidencial anterior, em absoluta contracorrente e contra os dogmas ideológicos, atingiria o total extraordinário de 19,70 % 22.414 votos!

O desperdiçar da oportunidade excecional da esquerda, enquanto frente única e múltipla, de se afirmar na cena política nacional no quadro das Presidenciais, deixou o campo aberto à candidatura de uma figura do PS, que não a representou e permitiu á direita e extrema-direita mistificar os seus resultados paradoxais. Vejamos a matemática simples dos números:  os mais de 2,5 milhões de votos em Marcelo, com uma votação global de 39,49%, só puderam atingir aquele valor graças aos votos na sua candidatura da maioria dos votantes recentes nos partidos de esquerda. PSD e CDS somaram nas legislativas de 2019 cerca de 1,6 milhões de votos; destes, mais de 500 mil foram para a extrema-direita e pelo menos 10% para a abstenção (porque votaram menos 10% de eleitores do que nas legislativas) … O presidente somou 2.534.745 votos, a conclusão torna-se óbvia! Marcelo Rebelo de Sousa, um candidato com um percurso de líder do PSD, mas uma presidência democrática, que respeitou a vontade eleitoral do povo expressa pela maioria parlamentar de esquerda, foi reeleito com uma maioria onde predominaram os votos provenientes da esquerda!

Aindano plano nacional, afirmam os autores da Moção E que “…o Governo manteve uma política de “bloco central…para a entrega de milhares de milhões à banca privada”. Esta afirmação descredibiliza quem a faz, o governo deve aos múltiplos apoios dos deputados da esquerda a sua continuidade e a recusa de António Costa em renovar o primeiro acordo de legislatura com o BE e o PCP, constituiu um ato inamistoso, que desrespeitou a vontade popular que não lhe deu maioria e erro político, porque o tornou dependente de uma direita que resvala para o autoritarismo e para a submissão ao capital internacional.  Nem o BE nem O PCP exploraram este erro.

Os autores da Moção juntam à crítica de alinhamento do PS com a política do Bloco Central, a acusação de “A redução do défice continuou a ser uma obsessão, implementando uma política draconiana de cativações orçamentais.”

Salvar os bancos, privatizando-os sempre e reduzir o déficit por preconceito político, são, em primeiro lugar, imposições da atual UE, que a não serem cumpridas seriam sancionadas e impostas draconianamente pelos burocratas de Bruxelas e devem, sempre e reiteradamente, ser denunciadas e contextualizadas o no carater semicolonial dos regulamentos comunitários nesta matéria, que vão ao pondo de impor datas limite para a venda de ativos do Novo banco, mesmo nas condições mais desfavoráveis do mercado! Quem são estes burocratas? A quem representam e obedecem politicamente? Qual a bse legal comunitária da sua autoridade? Escamotear este lado do problema não permite que os nossos concidadãos elevem a sua consciência política e entendam os problemas da política internacional.

A alternativa de “Desobedecer” proposta pela Moção E, constitui um apelo ingénuo e indeterminado, conquistar, passo a passo, a democratização da UE, através de combates parciais por causas comuns aos seus povos e nações, a mobilização da opinião pública cidadã e de todos os aliados possíveis, constitui uma estratégia realizável: depois do fracasso da política austeritária, foi conquistada a compra da dívida pelo BCE. A “guerra de baixa intensidade” que as intervenções militares dos EUA e das potências da UE trouxeram para o coração da Europa, sob a forma de terrorismo, conduziram à ação comum para o prevenir e combater…A pandemia, depois da conduta inicial da UE como se fora um estado falhado, levou à suspensão dos limites burocráticos do déficit orçamental, à mutualização de uma parte da dívida e dos investimentos para a recuperação económica, tal como à criação de um plano de contenção sanitária comum… com todas as limitações e insuficiências que as moções evidenciam e outras ainda mais graves.

“O PS tinha de ser confrontado com um novo caderno de encargos, em vez do minimalista acordo inicial”. É ainda a crítica da Moção E, quem o afirma. O PS não tem autonomia política no atual desenho político da UE, que é uma Federação Burocrática e Monetária, controlada pelo capital financeiro_ o cartel dos 17 bancos gigantes e Fundos Abutre agora mais poderosos que os primeiros, através duma corte de representantes políticos e funcionários que não estão sujeitos a um escrutinou democrático e popular: o Parlamento Europeu tem poderes reduzidos e a Comissão Europeia não é eleita pelo voto dos cidadãos.

Confrontavam o PS com que Caderno de Encargos e que faziam se ele não o aceitasse_ retiravam-lhe apoio parlamentar, até cair?

No interior do PS confrontam-se várias tendências políticas, com apoio popular, que vão da social-democracia ao liberalismo. Pôr em risco a continuidade do governo com o voto contra o Orçamento para 2021 é hostilizar o partido como um todo.

A abstenção, depois da demarcação política, era a única conduta política coerente com uma aliança para a legislatura, que foi a posição inicial do BE.

Demarcação de que não prescindiram o PCP e o PAN no discurso político e através do voto de abstenção, que viabilizou a aprovação do Orçamento e fez adiar o sonho, de toda a direita portuguesa, de precipitar o governo no caos e incerteza de governar por duodécimos ou lograr mesmo a sua queda, mas apenas, por agora!

E se o objetivo do BE foi reforçar o SNS e, sobretudo, ganhar para os seus profissionais e para o povo português, os direitos perdidos e sonegados, colocando como questão central o direito à exclusividade no exercício profissional na área da saúde, a abstenção seria suficiente e coerente com tais propósitos. Até porque, como afirmara publicamente a ministra, apoiada na altura pela ordem dos Médicos: “Isso é uma proposta, é uma linha de desenvolvimento que está no programa do atual governo e que está na Lei de Bases da Saúde”. (Entrevista ao Público/Renascença, 11 jul 2019).

 Dedicação exclusiva dos profissionais de saúde, recorde-se, criada em 1990 pela então ministra Leonor Beleza (do governo PSD) e extinta em 2009 por Correia de Campos (do governo do PS), que, para o SNS é a linha de fronteira entre uma política liberal e uma política social-democrática!

Empunhar as mesmas armas da direita, o voto contra o orçamento, enfraquece a frente comum e faz crescer a desconfiança entre os militantes da esquerda e destes para com o povo em geral…E, para além disso, o debate da exclusividade ficou submerso na confusão das críticas e censuras e, de novo, continuou sonegado, expondo o BE a todo o tipo de acusações e caluniosas, que passaram para o cidadão comum.

Estabelecer a verdadeira dimensão dos danos eleitorais

A sondagem efetuada pela RTP entre os votantes das presidenciais, para uma hipotética eleição para a Assembleia da República, resulta numa estimativa de 6% para o PCP/PEV e eleva a expetativa eleitoral do BE para os 8%., o que significa que não existem os chamados eleitores deste ou daquele partido (os partidos não são os donos do seu eleitorado e este tornou-se mais crítico), essas pessoas assumem a sua opção de voto perante cada conjuntura política.

O BE não perdeu o apoio de mais de metade dos seus eleitores, apenas as pessoas concretas que votam BE deverão, maioritariamente, ter escolhido como objetivo político do seu voto engrossar a votação em Ana Gomes, para vencer o candidato da extrema-direita e uma franja votou também em Marcelo, que não hostilizou, como era seu dever constitucional, a aliança política da maioria parlamentar de esquerda.

O perigo principal para as democracias liberais europeias e a política de frente ampla. A nova base social da extrema-direita em Portugal

Não entender onde está o perigo principal, é hoje o risco maior dos partidos de esquerda em Portugal, mas também dos partidos da direita democrática.

A corrupção, a troca de favores, o nepotismo, cresceram envolvendo altos e pequenos dirigentes dos partidos do fragmentado “arco do poder”, dando à extrema-direita uma arma de propaganda de massas contra a democracia liberal.

A extrema-direita tem agora uma estratégia operacional em Portugal, que passa pela subversão da Constituição, a instauração do presidencialismo, seguido pelo golpe constitucional contra as liberdades e direitos fundamentais, já inscrita no seu programa: a instauração,  passo a passo,  de uma nova ordem autoritária_ a ditadura “dos homens honrados”, com o poder judicial sob tutela do poder político, manietado  e transformado em instrumento de repressão contra as minorias e os direitos civis; a privatização sem limites de todos os setores e os serviços públicos reduzidos ao esqueleto; a liquidação da legislação trabalhista mínima; a restrição das atividades sindicais e associativas  nas áreas de ação do estado, nomeadamente nas forças armadas e policias,  serviços de saúde e educação; a restauração. Através de leis revogatórias e outras leis coercivas, dos costumes conservadores e a revogação da legislação que protege as minorias, os emigrantes e defende a igualdade perante a lei das mulheres…no plano internacional, a saída da ONU e a construção de uma aliança internacional que se alargue até aos Republicanos dos EUA (da tendência Trump, em cuja vitória acreditavam e da qual dependem, em apoio político e financeiro).

Tal não é inevitável, mas a crise económica e social em desenvolvimento favorece o seu crescimento, graças ao espaço que ganhou na comunicação e nas redes sociais, a financiamentos poderosos e á estratégia de eutanásia política do próprio PSD. 

Alimentam as fileiras da extrema-direita os pequenos empresários, do comércio e serviços, da indústria e da agricultura, a quem nunca chegaram os fundos comunitários, arruinados pela concorrência desleal, os altos juros bancários, que tudo penhoram e expropriam e a perseguição das Finanças e da Segurança Social através de milhões de processos executivos, implacáveis para com os pequenos, ao serviço dos grandes credores bancários, que são os principais beneficiários dessas execuções fiscais.

Alimentam as fileiras da extrema-direita os jovens desclassificados e desempregados, sem subsídios, alienados pelo desporto e que escolhem a via da marginalidade

Os trabalhadores independentes, que têm de esmolar trabalho e pagar antecipadamente a sua segurança social.

Os quadros técnicos excluídos do mundo dos negócios partidários e que conhecem por dentro os podres do regime.

Os polícias e guardas, mal pagos, privados dos direitos básicos do ser humano, casa, família, condições de trabalho…

Os saudosos do antigo regime, de todas as classes, que foram descendo na escala social e regressaram ao seu mundo rural e aos subúrbios das cidades, onde as carências e abandono não param de crescer.

Alguns dos que prosperaram no estrangeiro e ali se tornaram simpatizantes e valetes das extrema-direita, que minou o partido republicano dos EUA e as democracias liberais de todos os continentes, e vinha estendendo os seus tentáculos pelo Leste e o Centro da Europa.

Em todos estes grupos socias há gente a resgatar e outros que respondem com violência aos que se atravessam nas suas ambições.

Os resultados das eleições dos Açores e nas Presidenciais, parecem mostrar-nos que o eleitorado vítima do desemprego e da pobreza_ proletários ou empregados da classe média, que reconhecia no PCP a sua representação política, a que se somam hoje os pequenos e médios empresários e agricultores em risco de ruína, se move para a extrema-direita.

O discurso da extrema-direita contra a corrupção esconde e protege a aliança entre os 17 maiores bancos ocidentais e os ainda mais poderosos Fundos Financeiros (abutres), que estendeu os seus tentáculos ao controle das instituições financeiras internacionais, capturou os estados governados por conservadores, liberais, socialistas, sociais-democratas, democratas cristãos, hoje siglas vazias e através deles desregulou o mercado, resiste à redução da crise ambiental, que é a causa primeira das novas pandemias, e encontrou na dívida soberana e nos fundos abutres instalados em paraísos fiscais  as suas fontes principais de lucro, corrupção e fuga aos impostos.

Na definição de uma estratégia política, o mais difícil é estabelecer a direção do golpe principal: Mas sim, não sairemos da crise sem a renegociação da dívida soberana (questão que só a China levou ao debate do G-20 e daí passou ao G-7), que conduza à sua redução e dos seus juros, em paralelo com a renegociação da dívida das empresas (e simultânea capitalização), três vezes superior à do estado democrático e a contenção e alívio da pobreza das famílias, que constituem os três suportes que podem erguer uma frente ampla em Portugal, democrática e defensora da soberania nacional.

Para abrir esse processo negocial, é necessário articulá-la com os outros países da Europa, qualquer que seja a cor política do seu governo, Como sonhou e levou á prática política o Syriza e o seu líder, e por isso foi perseguido pela aliança liberal e conservadora, e criticado pelos radicais de esquerda, que nunca serão capazes de mobilizar a grande massa dos seus povos, pois não sabem ou não querem saber da questão chave que é construir a sua união através da  aprendizagem política, menosprezam o estudo da situação política em função das necessidades  e da consciência popular, como condição para agir corretamente em cada conjuntura. elevando essa consciência política e conduzindo-a para a ação.

É essa a matriz de um partido da democracia e do socialismo, cumprir a missão de fazer dos povos e das nações, os protagonistas da História. E é nesta questão-chave que falham os radicais, qualquer que seja a sua intenção.

Os partidos de esquerda dão passos contraditórios. Enquanto os partidos da direita democrática oscilam face à deriva autoritária. Neste quadro, a confusão e o desespero crescerão entre as fileiras populares

A nova crise económica e política já estava madura na União Europeia (e amadurecia nos EUA) antes da pandemia, sendo os seus sinais de fogo a estagnação da economia alemã dependente da exportação em mais de 40% do PIB e o advento do Brexit e dos regimes autoritários a Leste da Europa, acompanhados pela ingerência aberta da oligarquia que o governo de Trump protagonizava contra os seus próprios aliados tradicionais (Caso 5G Huawei, Oleoduto Rússia, Alemanha…).

E no horizonte, do passado recente e do futuro, a situação de “guerra de baixa intensidade”, em que a Europa se viu envolvida por guerras distantes de conquista e disputas estratégicas, no Leste, no Mediterrâneo e no Médio Oriente (que arrastaram o terrorismo para o coração da Europa).

A extrema-direita foi contida primeiro na Grécia, pela política do Syriza, que lhe retirou a bandeira nacionalista, separando-a das forças nacionalistas democráticas que trouxe para o governo, e, sobretudo, com a sua política de enfrentamento das medidas austeritárias da Troika, impostas pela força, mas nunca cedidas sem resistência, denúncia e contrapartidas de apoio às vítimas da austeridade, empresas e trabalhadores.  Quando o partido "Aurora Dourada", que a representa, se tornou violento e levou a violência ao assassinato dos seus adversários, o estado democrático abateu-se sobre ele com as suas forças policiais e a justiça, julgou e puniu com pesadas penas de prisão os seus líderes.

A extrema-direita foi contida em França, pela frente unida dos partidos democráticos e a sua ação conjunta nos combates eleitorais, deixando-a isolada e desmontando a sua demagogia. Na Alemanha, pela liderança de Merkel, que nunca aceitou coligar-se com ela para aceder ao poder nos estados alemães onde fazia maioria (ao contrário do PSD, dos Ciudadanos e do PP espanhol).

Foi contida em Espanha, pela ação reformista e progressista da coligação governamental PSOE-UnidosPodemos, englobando socialistas, comunistas e outras tendências democráticas.

O Federalismo Democrático, como projeto de contenção da deriva autoritária da UE e da sua desagregação, pela ação combinada do capital financeiro e da estratégia hegemónica dos EUA

Mas, é preciso pensar mais longe, partindo de uma visão estratégica mais ampla: neste horizonte de crise económica, ambiental e do acirrar da guerra económica de que fazem parte os boicotes e os episódios de guerra local, Portugal precisa de um programa de frente ampla que congregue mais do que a frente única da esquerda, não só à escala do país, mas também da União Europeia, para enfrentar a ditadura do capital financeiro, o terrorismo e a crise ambiental, económica e social…e a crise financeira, que virá...

Na União Europeia, os países hegemónicos impuseram um Federalismo Burocrático, económico e financeiro, que, ao controlar os orçamentos dos países menos desenvolvidos, faz deles semicolónias, ainda mais dependentes em tempo de crise.

Recordemos que o empréstimo da Troika, em 2011_num consórcio que envolvia o FMI, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia, de 75.000 milhões de euros, vinha onerado com juros no valor de 36.000 milhões de euros e com a imposição de uma política de privatizações em série e de desmantelamento do estado social. Quanto lucraram e ainda lucram estas entidades, os cartéis bancários, os Fundos Abutre, que são os donos da dívida soberana do estado, da dívida das empresas, mais elevada que a dívida pública e da dívida das famílias?

O resultado das privatizações que caíram em mãos estrangeiras (e a China representa menos de 2% dessa posse) e o pagamento de juros usurários, estão a descapitalizar o país há dezenas de anos, resultaram quase sempre em fracasso económico, perdas bolsistas e mais desemprego, e esta é a diferença principal com os investimentos da China, sendo a causa primeira do empobrecimento geral e das dificuldades financeiras cíclicas do estado português e do seu tecido empresarial.

Essas privatizações retiraram ao estado português grandes fontes de rendimentos, no caso da EDP, mais de mil milhões de dividendos/ano e permitiram a infiltração nos seus 150.000 acionistas do capital dos Fundos Abutre, protegidos pelas campanhas desviantes na comunicação social. Refiro-me de novo à EDP, onde o Capital Group, um Fundo Abutre sedeado em Nova York, chegou a possuir 17% das ações, recusando sempre assumir qualquer responsabilidade de gestão empresarial (atualmente tem 11%). O mesmo Fundo Abutre está igualmente presente na REN, onde os chineses nunca tiveram, nem nunca poderiam ter qualquer maioria, devido às restrições legais, mas que, no entanto, continua a figurar na lista das empresas estratégicas que supostamente estariam sob o controle “do estado chinês”. Abençoado “jornalismo de investigação português” e honra aos banqueiros patriotas (BPI e &) que, enfrentando corajosamente “a empresa estatal chinesa” que comprou as Golden Share, tudo fizeram… para as entregar às empresas alemãs do setor!?…por metade do preço pago pelos chineses!?

A ideia de que a União Europeia, os seus bancos e fundos financeiros, constitui uma fonte generosa de investimento em Portugal, esconde o lado negro das contrapartidas em privatizações e juros altos. Quem são esses credores obscuros? Quanto têm lucrado? Qual a sua influência no governo da UE? Nos seus tratados, acordos e regulamentos? É dever dos estados democráticos e da Comissão Europeia tornar transparente este problema, hoje completamente obscuro, para que possamos avaliar a dimensão e os contornos da crise económica e financeira que se vai agravar.

Dentro da União Europeia atual, uma Europa Federal burocrática e oligárquica, proliferam os paraísos fiscais, o dumping fiscal dos holandeses e luxemburgueses. a xenofobia dos regimes autoritários do Leste, que deitaram às urtigas a Declaração Universal dos Direitos do Homem, persistem políticas neocoloniais face  a África e à América Latina (aqui, alinhando em regra com a doutrina Monroe, que considera esta região como o feudo dos EUA), apoiam-se intervenções militares e ingerências políticas que correspondem apenas aos interesses imperiais das novas e velhas potências, desenvolvem-se egoísmos nacionais que levaram ao Brexit e deixaram  a Itália entregue à sua sorte,  quando a pandemia ainda podia ser sustida naquele país e, mais recentemente, reservaram para os 10 países ricos_G-7 mais Israel, Austrália…toda a produção de vacinas contra o COVID19 dos próximos anos das principais farmacêuticas. O democrático liberal Canadá, adquirindo cinco vezes mais doses do que o total da sua população, em conjunto, mais de mil milhões de doses do que o total das suas populações! Eis que agora a União Europeia segue o mesmo caminho: 2,400 milhões de doses já foram contratualizadas, para uma população de 400 milhões de pessoas:

E a África, a América Latina, os países menos desenvolvidos do Médio Oriente e da Ásia Pacífico, quando receberão a vacina, quando poderão vacinar os seus grupos prioritários, para conter o COVID19 e as suas múltiplas variantes? Esta política segue a via da outra pandemia do vírus HIV/SIDA, onde foram precisos 10 anos, e quantas notícias falsas e desviantes, com a  doença já controlada nos EUA e na Europa, em que o tratamento de um africano custava 10.000 dólares e ao custo de 6 milhões de mortos, até que uma campanha internacional_ que não passou por aqui, fez baixar o preço aos valores do mercado, para 100 dólares, ainda assim lucrativos para as multinacionais da farmácia. (Ver declarações do Coordenador da COVAX/OMS para o continente africano!)

Este açambarcamento, não faz da Declaração Universal dos Direitos Humanos, letra morta?

E que nome a História dará a esta política dos autonomeados campeões europeus e norte americanos dos DH, que apontam o dedo desconfiado e acusador aos que doam e distribuem outras vacinais, ao COVAX e à OMC!?

A União Europeia, como o colosso da antiguidade, cabeça de ouro, peito de prata, pernas de ferro e pés de barro, caindo aos pedaços com a pedrada do “subprime” americano e o choque da partícula ínfima do SARS Covid 19.

Mas o caminho para o Federalismo Democrático, está fechado na Europa…Um Federalismo Democrático  que permitiria a coexistência de regimes democráticos diferenciados e preservar as identidades nacionais, com órgãos de governo comum eleitos pelos cidadãos, e criaria condições para responder à globalização imposta pelo capital financeiro_ os Fundos Abutre que já se sobrepõem aos cartéis bancários e aos governos dos países ricos; um Federalismo Democrático  que é incontornável para enfrentar a crise ambiental  e as suas pandemias, e para conter o agravamento da situação de guerra de baixa intensidade e enfrentar com sucesso o terrorismo.

Não é possível voltar atrás, à economia e à política que antecederam o recrudescer dos problemas ambientais e o elevar da vaga política que ameaça as democracias liberais e que tem nos EUA a origem dos seus ventos adversos. As pontes de retorno estão cortadas. Avançar na união e na solidariedade internacionais, fazendo caminho num mundo multipolar, é a saída que continua aberta, mas para onde? Um novo socialismo com caraterísticas europeias, não está no horizonte da consciência política dos povos europeus. O autoritarismo, é a ameaça que se agiganta e ganha base popular.

Assim sendo, a Europa das pátrias, unidas por um acordo político global numa Federação Democrática da Europa, a mais remota das utopias, constitui, paradoxalmente, a única alternativa que, já hoje e amanhã. pode garantir a sobrevivência das democracias liberais e afastar para longe os tambores da guerra!

Numa Federação Democrática Europeia, então sim, a UE poderia falar em pé de igualdade com os EUA e ganhar o seu respeito, contribuindo deste modo para a vitória definitiva das forças democráticas neste país, porque o multilateralismo nunca é uma oferta da potência hegemónica, conquistam-no as nações e os povos, a duras penas; enquanto, simultaneamente, a UE seria capaz de concorrer pacificamente e ombrear com a China, na construção de um futuro comum para a Humanidade.

Em tempos ameaçadores, é dever dos socialistas internacionalistas baixar as suas bandeiras e reerguer as bandeiras da democracia liberal e da soberania nacional, abandonadas pelos seus antigos portadores, prosseguindo com elas em direção à sua utopia.

As frentes únicas e frentes amplas, que este texto preconiza, não são propostas táticas ou de manobra eleitoral, constituem uma resposta estratégica para enfrentar a crise geral da nossa civilização, ameaçada por graves perigos mortais, só comparáveis aos trágicos acontecimentos que anunciavam a II Guerra Mundial_ a crise ambiental, de que a crise do COVIID 19 faz parte, a guerra com a utilização de armas de destruição em massa, o crash financeiro mundial e, no imediato, para restituir a cada país e a todas as nações, o direito a escolher o seu próprio modelo de regime democrático e o caminho original para um futuro comum de paz e progresso! 

Associar as eleições autárquicas 2021, com a proposta de uma estratégia para aprofundar a democracia política e promover o desenvolvimento harmonioso e sustentável do país, através da criação das Regiões Plano, com base em 8 princípios

A criação das Regiões é um imperativo constitucional, há demasiado tempo adiado. A responsabilidade, partilhada, pela sua concretização, pertence ao Presidente da República e ao Governo da República.

O consenso estabelecido em torno da constituição das entidades regionais de turismo, resolveu o problema da geografia das regiões.

A história da democracia e do municipalismo nacional conferem à Regionalização em Portugal uma natureza específica, que torna imperativo que a estrutura legal da Região seja original, com características portuguesas: os municípios devem estar diretamente representados, pelos seus presidentes, na sua Câmara Alta, ou Senado Regional, enquanto a Câmara Baixa, ou Assembleia Regional, deve ser eleita diretamente por todos os cidadãos eleitores, a partir de uma lista nominal de candidatos.

O Presidente do Governo Regional e os seus Secretários políticos, serão eleitos por maioria simples na Assembleia Regional.

O Senado Regional terá poder de aprovação e veto sobre o Orçamento e Plano de Desenvolvimento Regional, proposto pelo Governo à Assembleia Regional.

O Governo da República assegura o orçamento autónomo através do orçamento nacional e das fontes em uso na gestão pública, tal é o caso dos fundos comunitários.

Os membros do Senado não serão remunerados, por desnecessário, já que possuem vencimento e ajudas de custo próprias do exercício do seu mandato municipal.

Os membros do Governo Regional poderão optar por receber um vencimento em exclusividade que não pode exceder o salário médio regional, ou manter a sua atividade profissional, devendo ser criado um Código de Érica que proíba conflitos de interesses e incompatibilidades. Os membros das Assembleias Regionais terão apenas direito às ajudas de custo equivalentes ao exercício de funções de representação, ao nível das Assembleias Municipais.

Os custos de lançamento deste projeto devem ser estruturados, ao longo dos anos, numa verba prevista pelo PRR - Plano de Recuperação e Resiliência.

De tudo quanto fica dito, não se infira que numa força política como o BE, o valor do ativismo da luta de massas deva ser considerado superior ao ativismo da ação parlamentar. No BE deverão caber todos os que optem por uma e outra via e contributo.

Por isso, o título escolhido por mim para esta reflexão, poderia ser outro:

“Muito cuidado com os métodos de discussão, muito cuidado com a unidade do BE”

 

 

António dos Santos Queirós_ Não filiado no BE!   24.03.2021

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