10.9.20

Quem semeia a desconfiança e o ódio…

 



…colhe autoritarismo, miséria, guerra e morte, na União Europeia, na América Latina, nos EUA…”

1.

A Festa do Avante, as Feiras do Livro e as peregrinações a Fátima, são três eventos singulares, que não se podem comparar com nenhum outro, nem sequer entre si.

O que têm em comum, é a sua singularidade.

No debate político, foi a primeira que teve relevo, ampliado depois nas redes sociais, como se os restantes não tivessem relevância para a crise geral do COVID 19 _ sanitária, cultural, económica…

A prova da vida, a prova da prática, demonstrou que a Festa do Avante, evento de natureza política e cultural, decorreu com um exemplar cumprimento das regras de afastamento social e de prevenção dos contágios. A DGS, segui o princípio da precaução nas regras prescritas como recomendações: No palco principal, apenas poderiam estar 2 mil pessoas em simultâneo. Visitantes com mais de dez anos  estavam obrigados a usar máscara. Álcool depois das 20 horas só às refeições. Nas várias esplanadas ao longo do recinto, também só poderiam estar 2500 pessoas ao mesmo tempo.

 O PCP organizou e aplicou estas regras com rigor e os participantes_ público de militantes e  simpatizantes comunistas, mas também de outras tendências, cumpriram-nas de forma exemplar. As imagens colhidas por todas as estações de TV, mostraram afinal um recinto demasiado grande para  os visitantes. A DGS admitia 16.000 pessoas por dia, numa soma previsível de cerca de 50.000 no total dos três dias de festa, mas a propaganda negativa, afastou muitos deles, comparado com os do ano passado, quando terão estado 23.000 em cada jornada. O recinto da Festa contou com vias de circulação asfaltadas, num total de 5,2 Km, com largura entre os 6 e os 16 metros. Nestas vias foram marcados (com sinalização vertical e horizontal) circuitos e sentidos a respeitar pelos visitantes, destinados a evitar o cruzamento de pessoas. Aumentaram as áreas de plateia de todos os espaços de espetáculos.  O número de palcos (10) foi reduzido a 3, e, como os auditórios, todos eles abertos para o ar livre e ampliadas as suas plateias: O  Palco 25 de Abril com uma plateia de 16000m², o Auditório 1º de Maio para 5000m², o Palco Paz para 2000m² , o Avanteatro para 1650m² e o Cineavante passou a ter uma área de 3300m². A área global  do recinto da Festa é de 30.000 m², a mesma do Recinto de Fátima dedicado às peregrinações ( O Recinto global ultrapassa os 72.000 m²) .

2.

A Feira do Livro de Lisboa, passou a dispor, desde o ano passado, de um espaço de 2000 m² e foi programada para 27 de Agosto a 13 de setembro,  organizando-se segundo as recomendações da DGS, com uma lotação diária de 3.000 pessoas; segundo as notícias da comunicação social, esta foi atingida em vários dias, obrigando na altura a fechar temporariamente as portas a novas entradas. O número total de visitantes  já superava então as centenas de milhar e os organizadores esperavam superar os números de 2019, que atingiram os 450.000. As TV escolheram, cuidadosamente, colher imagens duma Feira do Livro semideserta e nunca nos mostraram essa multidão que encheu o recinto. Segundo a organização, nesta edição da feira mantiveram-se as sessões de autógrafos, mas “tudo o resto”, como por exemplo “as sessões de lançamento, apresentações, eventos ligados à música ou os ‘showcookings’, foi retirado. A Feira do Porto, a decorrer no espaço mais amplo dos jardins do Palácio de Cristal, manteve a sua habitual animação.

3.

Fátima acolheu em junho a peregrinação internacional, que foi a primeira com a presença de peregrinos desde o início da pandemia de covid-19. Segundo o reitor do santuário, o recinto de oração é um espaço “amplo” e por isso não está definido um máximo de lotação, nem está prevista a utilização de qualquer utilização de instrumentos de contagem de pessoas, à semelhança do que sucede nas praias.

“Não temos instrumentos desse género nem pretendemos implementá-los. Aquilo que procuramos fazer é ir verificando a afluência de peregrinos. Caso tenhamos, em algum momento, a perceção de que o Santuário começa a estar no limite da sua capacidade no respeito pelo distanciamento teremos necessariamente de isolar e fechar o recinto”, alertou Carlos Cabecinhas.

O reitor sublinhou que o Santuário tem a situação “organizada e articulada” para avançar com essa medida, caso seja necessário. “Até ao momento não foi necessário, pois ficámos sempre aquém da capacidade daquilo que é a capacidade de um espaço tão vasto como é esta larga esplanada do recinto de oração.”

Carlos Cabecinhas insistiu na necessidade de garantir o distanciamento físico e aplaudiu a atitude dos peregrinos, que têm mostrado responsabilidade ao usarem máscara para sua proteção e dos outros.

“Apesar da insistência para o uso de máscara ser nos espaços fechados, de acordo com as diretrizes da Direção-Geral da Saúde, de um modo generalizado, os peregrinos usam máscara mesmo no espaço aberto. O peregrino de Fátima vem com confiança e sente-se corresponsável por si e pelos outros. O uso de máscara e o respeito pelo distanciamento mostra a responsabilidade do peregrino”, destacou também.

A peregrinação internacional de 12 e 13 de Agosto, dedicada  ao migrante e ao refugiado foi “a prova de fogo” do Santuário. Segundo os seus  serviços de informação, para participar nas celebrações inscreveram-se sete grupos, três dos quais estrangeiros, nomeadamente de Espanha, Itália e Polónia”. O jornal DN, resumia assim o seu balanço, sob o título “Milhares em Fátima numa peregrinação diferente”:

“ Com máscaras, distanciamento social e álcool. Foi assim a primeira peregrinação em Fátima no pós-pandemia, no 13 de agosto, com milhares de pessoas a passarem pelo santuário. Com um recinto com mais de 30 mil metros quadrados, voluntários monitorizaram a distribuição das pessoas no local, por forma a garantir o necessário distanciamento físico. O uso de máscara não era obrigatório, mas recomendado, havendo avisos sonoros de meia em meia hora em várias línguas a recordar as medidas preventivas face à pandemia”.

4.

A propaganda televisiva, em todas as estações,  foi orientada para a desconfiança face à Festa do Avante, nas redes sociais passou o discurso de ódio. Os adversários políticos do PCP não perderam a oportunidade de lançar achas para a fogueira e até o Presidente da República afirmou que não tinha confiança nas medidas apontadas pela DGS, assunto para o qual não tem competência técnica, nem atributo constitucional. Enganou-se, como se enganaram todos os líderes políticos ( ou aspirantes a tal) que escolheram cavalgar a oportunidade de atacar o PCP. O jornal Expresso publicou, em primeira página, um título que põe em causa as contas da Festa, uma atitude que está em linha como o seu modo de fazer jornalismo face ao PCP: Nunca li neste semanário, desde a sua fundação, uma notícia que não fosse negativa para aquele partido!

O próprio PS, não deixou de se pronunciar de forma crítica, considerando a Festa do Avante, inoportuna, argumento que foi o do líder do PSD.

5.

Na minha opinião, estas três iniciativas deveriam ter sido encaradas, por todos os decisores políticos, económicos,  culturais e pela comunicação social, como atividades positivas, que contribuem para ultrapassar a crise sanitária do COVID 19_ ao modelar o convívio social, segundo o critério da prática e autoridade da DGS, face aos riscos da pandemia, mas também como experiências avançadas que dão um impulso global à reabertura da economia e das práticas sociais culturais, dados os seus efeitos multiplicadores nestes domínios. As atividades culturais e desportivas, os festivais comerciais, as feiras e congressos, as atividades políticas, as escolas…têm agora a possibilidade de retirar lições positivas para a sua continuidade e desenvolvimento.

O discurso da desconfiança e do ódio, não permite aos mais prejudicados e desprotegidos pela pandemia, colher estes frutos. E os líderes políticos, económicos, de opinião, jornalistas, deixaram de ouvir o que “os outros” afirmam, não esperam sequer pelos documentos e quando publicados, não os lêm; nem avaliam, depois da experiência  prática, o valor das suas opiniões preconcebidas…O público em geral, ouve e vê apenas as parangonas e passa os olhos pelos títulos; clica  gosto, e partilha, mas redes sociais, mas raras vezes lê o que transmitiu.

6.

As lideranças políticas democráticas do nosso país, ainda não perceberam que há uma relação dialética entre o enfraquecimento da influência social do PCP e o crescimento da extrema-direita. O PCP tinha a capacidade, com o seu programa contra o crescimento desmesurado da concentração do capital e de privatização das empresas nacionais, afinal em favor de obscuros grupos empresariais e fundos (abutre) financeiros sem pátria, em defesa da indústria, do comércio e serviços e da agricultura nacionais, contra a ruína dos pequenos e médios empresários e o desemprego que daí adveio…de captar o descontentamento das classes trabalhadoras e da classe média, mobilizando a sua revolta para a luta por mais e melhor democracia.

Se os democratas liberais deste país quisessem dar-se ao trabalho de conhecer a história recente da França, da Hungria, da Itália, da Polónia, da Espanha, saberiam que as campanhas “infames” contra os comunistas, empurraram as vítimas da globalização para os braços da extrema-direita.

Se os democratas liberais deste país quiserem dar-se ao trabalho de ler as 70 medidas que configuram o denominado programa do partido Chega, verão que ele copia muitas das medidas que o PCP (tal como o BE)  defende e pelas quais sempre batalhou. Como seja o aumento dos benefícios fiscais para famílias numerosas, medidas de apoio à natalidade. abrangendo todos os tipos de bens de primeira necessidade, como eletricidade ou gás ou acesso a bens culturais,  aumento faseado da duração licenças de maternidade, com reforço de apoio às crianças com deficiência… Dar equidade ao abono de família, permitindo um aumento significativo para quem realmente necessita de apoio… Criação de um sistema de bolsas de estudo mais eficiente para famílias com menos recursos, nomeadamente na isenção de propina…O Estado deverá assegurar um abono de deslocação para professores que tenham que se deslocar… Exclusividade no exercício do mandato de deputado ( que o líder do Chega não cumpre)… Uma lei de violência doméstica que proteja igualmente idosos, homens, mulheres e crianças…e conceda  perdões fiscais, sociais, bancários, entre outros, aos mais atingidos… A reorganização das forças de segurança, implicando a melhoria das condições de vida familiar dos profissionais … Dotar a nação de meios militares, humanos e estratégicos para uma proteção e supervisão mais eficaz das nossas águas territoriais… Um novo modelo para as reformas baseado na garantia de uma pensão mínima reavaliada com o custo de vida… Fim do IRC, para micro empresas… Apoio aos trabalhadores independentes com a redução da Taxa de IVA trimestral… Combater as desigualdades de oportunidades que separam os cidadãos das áreas rurais e urbanas… O Estado tem o dever de proteger o cidadão do Sistema Financeiro, impedindo que os bancos ou empresas credoras tomem posse das casas dos clientes, quando, o incumprimento do cliente do banco, é por desemprego, doença ou negligência do banco aquando da atribuição do crédito habitação…Revisão ou renegociação de todas as PPP’s lesivas para o erário público, em que as empresas privadas recolhem os lucros e os investimentos são feitos pelo estado, lesando todos os contribuintes…(estou a citar)

Para depois e sem reconhecer a contradição, defender o estado mínimo:  A entidade ”Estado” será meramente supletiva e/ou complementar na prestação de serviços e fornecimento de produtos e apenas depois de esgotadas todas as alternativas privadas, sociais, mutualistas ou cooperativas para a prestação desses serviços.

Aos seus militantes e simpatizantes faz crer que todos os males provêm da corrupção reinante nos partidos que apoiaram os governos escolhidos pelos deputados do parlamento: conhecer a história e a realidade política dos partidos e regimes em quem o Chega se inspira e segue como modelo,  seria a melhor vacina  para os apoiantes deste partido. É o caso do governo de Trump, que face à pandemia cometeu genocídio de classe e de etnia, porque quem morre são maioritariamente os trabalhadores  pobres, os negros e hispânicos ( em que se incluem os emigrantes portugueses). Se o Serviço Nacional de Saúde tivesse sido completamente desmantelado, como o fizeram os líderes da extrema-direita do Norte da  Itália em quem o Chega se revê, a morte teria ceifado o povo português, como  devastou as populações destas regiões, sem que a União Europeia tenha prestado qualquer apoio material, quando a pandemia estava no seu início: nem uma máscara, ventilador, ou profissional de saúde chegou a Itália. A ajuda em material e equipas de saúde chegou da China, de Cuba e até da Rússia e da pequena Albânia...

Ao programa do Chega, somam-se então as restrições aos direitos dos emigrantes e às medidas que visam apoiar a igualdade de género. Se este partido fosse governo, tal programa seria um argumento suficiente para justificar a discriminação da diáspora portuguesa, que, com os seus descendentes, representam mais de 10 milhões espalhados pelo mundo. Tais medidas, num país  e numa Europa, que ainda vivem no seu inverno demográfico, mas num mundo internacionalizado em que chegam ao país novos migrantes, com altos níveis de instrução, rendimentos da classe média, capitais para investir, e outros que fornecem a mão de obra para a agricultura e os serviços de comercialização, fábricas e serviços urbanos, uma tal orientação conduziria a prazo à inação das empresas por falsa de trabalhadores e á perda de grande parte dos recursos diretos da Segurança Social, porque os emigrantes legalizados pagam como todos os trabalhadores, as suas contribuições e impostos. Sem medidas de apoio à emancipação da mulher, persistiriam os efeitos das leis  e costumes que as descriminaram durante séculos, impedindo-as de ter bens próprios, estudar, votar, seguir uma profissão qualificada...

Mas o programa de um partido político, avalia-se não apenas por aquilo que propõe, mas também pelo que omite: A luta contra a maior das corrupções, que destrói hoje a economia e o bem estar social, gerou a crise ambiental e põe em causa o próprio estado democrático e a nossa civilização, não consta do programa do Chega, nem dos partidos que se reclamam do socialismo, da social democracia e da democracia cristã: falo do domínio que, os denominados Fundos Financeiros e alguns bancos gigantescos. exercem sobre os governos dos países mais desenvolvidos, sobre a União Europeia, o FMI e o Banco Mundial, que esmaga o estado português, as empresas e as famílias, com juros usurários (impostos pela Troika) que já foram de 6% da dívida soberana e mesmo hoje representam para o estado 7.000 milhões de euros anuais de serviço de dívida. Essa oligarquia financeira levou os governos demoliberais a criar paraísos fiscais, a desregular a atividade financeira, a isentar de impostos essa oligarquia financeira, que reina a partir da sombra e a entregar-lhes as empresas mais rentáveis através das privatizações. Teve um papel relevante na devastação da banca nacional.

A perda de influência do PCP tem causas diversas e complexas, mas, para alienar a consciência popular, e na política, o fantasma da ameaça comunista continua a render juros. Na minha opinião, entre essas causas, está a incapacidade de o partido apresentar ao povo português o seu projeto de sociedade socialista. A corrupção dos socialismos da URSS e de outros países do leste, que o líder histórico do PCP nunca reconheceu e a atual direção do PCP continua a não ser capaz de explicar aos seus próprios militantes, impede hoje o partido de apreciar e valorizar as conquistas sociais do “socialismo com características chinesas”, tal como das novas democracias e socialismos que emergiram na Indochina ou na África, na África do Sul como na Etiópia. E essa visão dogmática da história e do modelo único da URSS, leva o partido a ignorar que o regime da Coreia do Norte renegou o marxismo-leninismo desde 1975, considerando-o doutrina ultrapassada, substituindo-o pela ideologia “zuche”, uma doutrina  ferozmente nacionalista criada pela dinastia dos seus líderes históricos. Essas razões e não o apoio que concedeu à aliança parlamentar que viabilizou o governo, são algumas das causas internas que explicam melhor essa perda de influência.

Mas no mundo da comunicação por slogans e notícias falsas, rigorosamente controladas por um punhado de grupos empresariais e um só dono das principais redes sociais a ocidente, as campanhas infames são igualmente importantes.

Só que, na luta política em democracia liberal,  quem semeia desconfiança e ódio…colhe autoritarismo, miséria, guerra e morte, na União Europeia, na América Latina, nos EUA…

 

 

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